terça-feira, 1 de janeiro de 2008

9 "Vejam este cabelo grisalho..."




   ( A Grande Renúncia com Siddharta cortando os cabelos com Channa e Kanthaka representados, no alto um deva leva os cabelos e embaixo as insígnias reais. Borobudur, Indonésia )  

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Vejam! este cabelo grisalho, etc.” – Esta história o Mestre contou em Jetavana sobre a Grande Renúncia, que está relatada no Nidāna-Kathā (aqui trata-se já da partida do Príncipe Siddharta de Kapilavastu com Rahula nenenzinho no colo da mãe Yashodhara na noite em que os devas o chamaram para partir, “Então Sakra e os devas guardiões dos quatro quadrantes e mais um sem-número de devas dos céus cercaram-no e cantaram: “Sagrado príncipe, chegou a hora de procurar a Mais Alta Lei da Vida”. E ele refletiu: “Agora todos os devas desceram à terra para confirmar minha resolução. Eu me vou: chegou a hora”. Saiu montando pela última vez o cavalo chamado Kantaka que Channa o cocheiro trouxera, e começa suas jornadas).
Nesta ocasião os Irmãos sentaram louvando a Renúncia do Senhor da Sabedoria. Entrando no Salão da Verdade e sentando-se no lugar do Buddha, o Mestre então dirigiu-se aos Irmãos: - “Qual o tema, Irmãos, do conclave sentado?”
“Não é outro que, senhor, o louvor da sua Renúncia.” “Irmãos,” somou o Mestre, “não apenas nos dias de hoje que o Tathāgatha faz a Grande Renúncia ; em dias passados de modo semelhante ele renunciou ao mundo.”
Os Irmãos pediram ao Abençoado que contasse a história. E Ele tornou claro o que estava escondido pelo re-nascer.

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Certa vez que Mithila no reino de Videha havia um rei chamado Makhādeva, que era reto e regia com retidão. Em períodos sucessivos de oitenta e quatro mil ele respectivamente entretêve-se como príncipe, legislou como vice-rei, reinou como rei. Todos estes longos anos ele viveu, quando um dia disse a seu barbeiro,- “Diga-me, amigo barbeiro, quando vires algum cabelo grisalho na minha cabeça.” Assim um dia, anos e anos depois, o barbeiro realmente encontrou entre os negros cachos do rei, um único cabelo grisalho e contou ao rei. “Retire-o, meu amigo,” disse o rei; “e coloque-o na minha palma da mão.” O barbeiro concordemente tirou o cabelo com suas tesouras douradas e o colocou na palma da mão do rei. O rei ainda tinha naquele momento oitenta e quatro mil anos para viver; mas contudo vendo o único cabelo grisalho ele preencheu de profunda emoção. Ele pareceu estar vendo o Rei da Morte diante dele, ou estar encarcerado dentro de uma cabana de folhas. “Tolo Makhādeva!” ele gritou; “cabelos grisalhos vieram antes a ti do que se desvencilhaste das depravações.” E enquanto pensava e pensava sobre o aparecimento do cabelo grisalho, inflamou-se por dentro; o suor rolava de seu corpo; enquanto sua roupa o oprimia e estava insuportável. “Hoje mesmo,” ele pensou, “renunciarei ao mundo pela vida de Irmão.”
Ao barbeiro deu o feudo de uma vila, que rendia cem mil dinheiros. Chamou o filho mais velho e disse-lhe, “Meu filho, cabelos grisalhos apareceram em mim e tornei-me velho. Já tive a minha parte de alegria humana e satisfeito provarei as alegrias divinas; chegou a hora da minha renúncia. Tome a soberania para ti; e quanto a mim tomarei domicílio no bosque chamado Bosque de Manga de Makhādeva, e lá trilharei o caminho do ascetismo.”
Enquanto estava assim inclinado a tomar a vida de Irmão, seu ministro aproximou-se e disse, “Qual a razão, senhor, por quê adotas a vida de Irmão?”
Tomando o cabelo grisalho na mão, o rei repetiu a estrofe a seus ministros:-

Olhem! Estes cabelos grisalhos que na minha cabeça apareceu
São os próprios mensageiros da Morte que vieram roubar
Minha vida. É tempo de largar as coisas mundanas,
E no caminho do eremita buscar paz salvadora.

E após estas palavras, ele renunciou sua soberania naquele mesmo dia e tornou-se um recluso. Habitando no Bosque de Manga de Makhādeva, lá durante oitenta e quatro mil anos adotou os Quatro Estados Perfeitos dentro dele mesmo, e morrendo com insight pleno e inquebrável, renasceu no Domínio de Brahma. Depois disto tornou-se rei novamente de Mithilā, com o nome de Nimi, e depois de unir a família dispersa, uma vez mais tornou-se eremita naquele mesmo Bosque de Manga, ganhando os Quatro Estados Perfeitos e passando daí mais uma vez para o Domínio de Brahma.

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Depois de pronunciar o discurso que antes semelhantemente renunciara o mundo em dias passados, o Mestre no final de suas lições pregou as Quatro Verdades (existência individual é dor; anseios causam a continuidade da existência individual; com o desaparecimento dos anseios, a existência individual também desaparece; anseios desaparecem seguindo o Nobre Óctuplo Caminho indicado pelo Buddha). Alguns entraram no Primeiro Caminho, alguns no Segundo, e alguns no Terceiro. Tendo contado as duas histórias, o Mestre mostrou a conexão entre elas e identificou o Jātaka, dizendo:- “Naqueles dias Ānanda era o barbeiro, Rāhula o filho, e eu mesmo Rei Makhādeva.”

Mors janua vitae, morte porta da vida.

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