Plutarco Brahmin
Indra = Péricles
Na história de Indra sua luta contra Vrtra e a
morte deste com o raio, aparece como o acontecimento mais importante, seja no
Mahabharata, seja no Satapatha Brahmana. Esta luta contra o mal, o demônio,
Mara / Namuci, é o que define o caráter do ‘senhor dos cem sacrifícios’, o
chefe do céu dos trinta e três. Cortar a cabeça de Vrtra seria o sacrifício, a
vitória contra o mal. Apesar de vitorioso, esta vitória teria sido conseguida
com ‘pecados’, o que levaria o deus a diminuir-se, tornar-se pequeno,
humilhar-se. Indra portanto seria um
deus que peca, que tem três pecados e com isto perde suas forças, energias, que
posteriormente são restituídas através de um ritual. Uma série de livros e
artigos dissertam sobre o tema e tentam explicá-lo : cf bibliografia.
Como já vimos
antes em Simão = Vishnu o cortar a cabeça do sacrifício supõe uma restituição,
um colocar a cabeça de volta e em Pirro = Varuna um ritual chamado sautramani
realiza esta restituição. Em ambas as citações vemos os deuses gêmeos médicos,
os Asvins, realizarem-nas para restituir a Vishnu sua cabeça e a Indra suas
forças perdidas no sacrifício. O sautramani então constitui-se de três animais
cortados ao meio cada um correspondendo a um dos pecados de Indra que seguiriam
o esquema das três funções de G. Dumézil que por sua vez segue o tratado ‘da
alma’ de Aristóteles - alma vegetativa, alma sensitiva e alma racional - e
igualmente repete-se na divisão tradicional das castas, ordens, estados,
classes e no arquétipo da cosmologia antiga da teoria dos três mundos - céu,
atmosfera e terra. Vemos Abrão no Gênesis realizá-lo depois da vitória sobre o
rei de Sodoma e aliados e em seguida a oferta do dízimo de pão e vinho a
Melquisedec em Jerusalém, dons que ainda atualmente se lembram em todas as
missas. Vale a citação de Gênesis 15, 1-19:
1 Depois destes acontecimentos a palavra de
Iahweh foi dirigida a Abrão numa visão: “Não temas Abrão! Eu sou o teu escudo,
tua recompensa será muito grande.”
2 Abrão
respondeu: “Meu Senhor Iahweh que me darás? Continuo sem filho... 3 Abrão
disse: “Eis que não me deste descendência e um dos servos de minha casa será
meu herdeiro.” Então foi-lhe dirigida esta palavra de Iahweh: “Não será este o
teu herdeiro mas alguém saído do teu sangue.” 5 Ele o conduziu para fora e
disse: “Ergue os olhos para o céu e conta as estrelas, se as pode contar,” e
acrescentou: “Assim será a tua posteridade.” 6 Abrão creu em Iahweh e lhe foi
tido em conta de justiça. 7 Ele lhe disse: “Eu sou Iahweh que te fez sair de Ur
dos caldeus, para te dar esta terra como herança.” 8 Abrão respondeu: “Meu
Senhor Iahweh, como saberei que hei de possuí-la?” 9 Ele lhe disse: “Procura-me
uma novilha de três anos, uma cabra de três anos, um cordeiro de três anos, uma
rola e um pombinho.” 10 Ele lhe trouxe todos estes animais, partiu-os pelo meio
e colocou cada metade em face da outra; entretanto não partiu as aves. 11 As
aves de rapina desceram sobre os cadáveres mas Abrão as expulsou. 12 Quando o
Sol ia se por, um torpor caiu sobre Abrão e eis que foi tomado de grande pavor
(uma obscuridade). 13 Iahweh disse a Abrão: “Sabe, com certeza, que teus
descendentes serão estrangeiros numa terra que não será a deles. Lá eles serão
escravos, serão oprimidos durante quatrocentos anos. 14 Mas eu julgarei a nação
a qual serão sujeitos e em seguida sairão com grandes bens. 15 Quanto a ti, em
paz, irás para teus pais, serás sepultado numa velhice feliz. 16 É na quarta
geração que eles voltarão para cá, porque até lá a iniquidade dos amorreus não
terá atingido o seu cúmulo.” 17 Quando o Sol se pôs e estenderam-se as trevas,
eis que uma fogueira fumegante e uma tocha de fogo passaram entre os animais
divididos. 18 Naquele dia Iahweh estabeleceu uma aliança com Abrão nestes
termos: “À tua posteridade darei esta terra, do rio do Egito até o grande rio,
o rio Eufrates, 19 os quenitas, os cenezeus, os cadmoneus, os heteus, os
ferezeus, os rafaim, os amorreus, os cananeus, os gergeseus e os jebuseus.”
Olivier
Masson em seu artigo ‘A propos d’um rituel hittite pour la lustration d’une
armée: le rite de purification par le passage entre les deux parties d’une
victime’ mostra que o ritual em questão é largamente difundido pelo mundo e,
como vemos na permanência do Povo no Egito na citação de Abrão, é purificador,
apotropaico (para evitar o mal) e para recobrar forças : sair do Egito é sair
do mundo, purificar-se, purgar-se, antes de entrar na terra prometida, é largar
o corpo para entrar n’alma. Relaciona-se à purificação dos pecados que na
história de Indra seriam de três tipos, seguindo o esquema referido, cada
animal para cada parte d’alma. G. Dumézil comprova esta tese no seu livro
‘Tarpeia’ em que há um capítulo apenas sobre o Sautramani e seu correspondente
romano a Souvetaurilia.
Na
realidade este ritual apenas aparece no Satapatha Brahmana que é um livro de
rituais sendo que no Mahabharata não aparece, nem os Asvins médicos. No
Mahabharata na Udyoga parva seções IX-XVIII conta-se a história de Indra e sua
esposa Sachi. Segue um resumo : Fala-se sobre o infortúnio que aconteceu com
Indra e sua esposa Sachi. O filho de Tvastri com três cabeças é morto pelo raio
de Indra e conforme as cabeças são cortadas, pássaros saem de dentro delas. Um
carpinteiro termina o serviço de Indra e corta finalmente as cabeças todas.
Tvastri cria então Vritra. Na luta contra este, Indra foge e vae pedir ajuda a
Vishnu que elabora um plano para enganar Vritra fingindo amizade e este aceita
dizendo que não poderá ser morto nem de dia nem de noite, nem com seco nem com
molhado, nem com pedra nem com madeira, nem com arma para perto, nem para
longe. Vritra está na praia e Indra também está na praia. Indra o mata então
com a espuma do mar que não é nem seco nem úmida com o raio escondido nela e
Vishnu escondido também, a aurora que não é nem noite nem dia. Indra então
torna-se culpado e desprovido dos sentidos e de consciência indo habitar
diminuto em um caule de flor de lótus. O ser humano Nahusha, qual outra Medusa
a quem ninguém podia olhar, torna-se rei do céu, Indra. Ele que pegar Sachi
para ele mas ela não quer. Sachi então pede um tempo. E procurando Indra o
encontra diminuto no caule da flor de lótus. Indra sacrifica a Vishnu
purifica-se mas foge de novo e fica novamente minúsculo. Sachi por sua vez
engana Nahusha que passa a andar em um carro puxado por rishis, ascetas e
humilhando Agastya acaba virando serpente amaldiçoado por Bhrigu. E então Indra
retorna.
O primeiro
pecado seria o matar um brahmin, o filho de Tvastri que tinha três cabeças,
desde já, este antigo regime, antiga ordem social que dividia-se em três
castas. O segundo pecado seria de quebrar a palavra, trato, com Vritra com quem
havia um pacto de não morte situando-se neste meio termo tão difícil de estar.
O terceiro seria o da esposa Sachi que engana Nahusha, ser humano.
No
mesmo Mahabharata na Adi parva seção CLXXII fala-se assim sobre o raio de
Indra: “Em dias de outrora o raio foi criado para o chefe dos celestiais de
modo que pudesse matar (o asura) Vritra com ele. Mas atirado na cabeça de
Vritra ele quebrou em mil pedaços. Aquilo que é conhecido nos três mundos como
glória é apenas uma porção do raio. A mão do Brahmana com a qual ele derrama
libações no fogo sacrifical, a carruagem sobre a qual o kshatriya luta, a
caridade do Vaisya e o serviço do Sudra rendido para as outras três classes,
são todos fragmentos do raio.”
E na seção XLII e
seguintes da Vana parva, vemos Arjuna no palácio de seu pai Indra/Sakra/Vasava
levado pelo carro de Matali, o auriga e sentando no trono de seu pai : “Aquele
que não tem mérito ascético não é competente nem mesmo para olhar ou tocar este
carro, muito menos andar nele. Ó abençoado, após subir nele e após os cavalos
sossegarem, irei nele, como um homem virtuoso andando na autoestrada da
honestidade.”
É assim
com este nome de Sakra que Indra aparece muitas vezes nos Jatakas, vidas
passadas de Buddha, com seu trono amarelo no céu esquentando quando algo errado
acontece na terra e ele vigiando (episcopando) acaba descendo para resolver a situação.
Ainda no
Mahabharata vemos no Aswamedha parva seção XI, Vasudeva/Krishna falando com
Yudhisthira sobre Vritra e Indra, este joga o raio sucessivamente enquanto
Vritra foge e esconde-se nos diferentes elementos corrompendo seus atributos
respectivos: terra/odor, água/ paladar, fogo/ cor e forma, ar/tato, éter/som e
por fim entrando no corpo mesmo de Sakra este ficou cheio de grande ilusão. “E
escutamos que Vasistha confortou Indra (quando ele estava assim aflito) e que o
deus de cem sacrifícios matou Vritra em seu corpo por meio do raio invisível, e
saiba, Ó príncipe, que este mistério religioso foi recitado por Sakra para os
grandes sábios e eles por sua vez me contaram ... O tempo chegou quando você
deve lutar a batalha que cada um deve lutar sozinho com sua mente. Portanto, Ó
chefe da raça Bharata, tu deves agora preparar-se para efetuar a luta contra a
tua mente; e por meio da abstração e mérito de teu próprio karma, tu deves
alcançar o outro lado (atravessar) da misteriosa e ininteligível (mente). Nesta
guerra não há necessidade de mísseis, nem de amigos, nem de ajudantes. A
batalha que deve ser lutada sozinho e com as mãos chegou para você.”
Ananda Coomaraswamy em um artigo compara
a história arthuriana, da távola redonda, de ‘Galvão e o cavaleiro verde’ com
esta história de Indra e Vritra. O autor diz que a perda da cabeça é a mesma e
que o sofrimento de Galvão durante um ano assemelha-se ao de Indra. Segue
citações :
“Deve-se lembrar
sempre que o rito humano do sacrifício imita aquele que foi feito no princípio,
e que o sacrificante, enquanto tal, é identificado a Indra o matador de Vritra
( S. Br. V,3,2,27) e enfim que todo homem deve matar seu próprio Dragão para em
seguida se reconstituir.” ( pg 122) A
alma sensível é o próprio dragão. ( pg 115 ).
“ ‘Indra o
divide’, ‘ Ele se divide a si mesmo’, estas duas afirmações não são
contraditórias. Deve-se compreender claramente - o que do ponto de vista
cristão será completamente inteligível – que o sacrifício é sempre uma vítima que
consente se impondo a ela mesma a ‘paixão’, ao mesmo tempo que ele é a inocente
vítima de uma paixão que se lhe impõe injustamente; são duas maneiras
diferentes de considerar um único e mesmo ‘acontecimento’.( pg 108)
“ ‘O mito da
criação é igualmente um mito da redenção’ como no cristianismo os dois planos
estão ligados.” ( pg 116 ).
“ ‘A propósito do
mito de Perseu ... poderia-se propor esta significação: Perseu, o herói solar,
corta a cabeça toda manhã do Sol noturno simbolizado pela Górgona, para que do
tronco surja os símbolos da luz que, como os filhos de Poseidon, saem do
Oceano. O mito de Perseu teria assim a significação: morra e transforme-se!’
Esta é indubitavelmente a significação mais profunda do Sacrifício: Mors janua
vitae ( morte porta da vida).” ( pg 120 ).
“Nossa cabeça é
o nosso si mesmo e cortar a cabeça é o abandono de si mesmo, a negação de si
mesmo, a abnegação; inversamente, ‘apenas fazer o que dá na cabeça’ ( onde
‘fazer’ = engrandecer, exaltar, valorizar) vem a ser, afirmar sua
individualidade.” (pg 128).
Uma vez
estabelecido este caráter interior de Vrtra, como ele aparece na vida de
Péricles com a qual comparamos, colocamos em paralelo, a de Indra ? Vrtra seria a aristocracia, oligarquia, poder
de poucos, a qual, para a democracia de Péricles se estabelecer, precisa
derrotar, cortar a cabeça, posto que demônio é (por incrível que pareça continua
tudo do mesmo jeito que há milhares de anos atrás com o mesmo demônio redivivo
precisando ter a cabeça cortada, a esquerda política tendo que cortar a cabeça
da direita que continua a roubar o Povo de seus direitos, riquezas, etc : os
poucos, 1%, açambarcando a riqueza de todos : a vitória do comunismo,
socialismo, em tod’Ásia, garante este cortar de cabeça no mundo todo e a
subsequente vitória da democracia que diga-se de passagem tem seu nome usurpado
pela direita, oligarcas que são). Deixemos Marie Delcourt falar :
“Clístenes
se apresenta como o homem que após um parêntese de cinquenta anos, recolocará
em vigor a constituição de Sólon. (...) Este encontrou o Povo pequeno dos
campos miserável e endividado; os camponeses viviam de um sexto da colheita que
lhes deixavam o proprietário e arriscavam ser reduzidos à servidão como os
hilotas de Esparta. Sólon suprimiu as dívidas, interditou a escravidão dos
corpos e fez uma desvalorização que aliviou os camponeses. Pisístrato que
encontrou apoio entre os pobres, deu aos que viviam do sexto a propriedade das
terras que cultivavam. Clístenes pode pois partir de uma situação social
saneada: Athenas não se tornaria uma segunda Esparta e a primogênita das filhas
da Jônia não seria cultivada por escravos. Tratava-se agora de dar uma
existência política às pessoas estabelecidas na terra e acostumadas a
independência pessoal. (...) Clístenes deixou os thetas de fora dos cargos
individuais, como a estrategia e o arcontago, mas ele tratou de fazer a educação
política deles os introduzindo nos corpos coletivos, a Assembleia, o Conselho,
o Tribunal. Este último era composto unicamente de cidadãos agindo como
jurados. Mais tarde, cabia indenizar toda esta gente pequena que doava seu
tempo ao Estado: é Péricles que deverá realizar, até suas últimas
consequências, as reformas de seu tio-avô ( Clístenes).”( pg 24)
“Ora, Athenas tornou-se uma democracia
tipo (do mesmo modo que Esparta era uma aristocracia tipo) somente em seguida
às reformas de Ephialtes em 462/461 a.C.. E é anteriormente a estas reformas
que Simão/Cimón dá a Esparta uma prova decisiva de amizade conduzindo um
destacamento ateniense em socorro dos reis ameaçados pela revolta de Messênia.”
(pg. 52).
“Ephialtes fez
contra ele (o Areópago) uma guerra longa e eficaz. Ele o desacreditou atacando
individualmente um grande número de Areopagitas e mostrando sua indignidade.
Depois, em 462/461 a.C., aproveitando a ausência de Simão, ele fez passar uma
decisão que tirava do Areópago ao mesmo tempo o direito de julgar (excetuando
os crimes relativos aos deuses, mortes premeditadas quando o processo era todo
religioso e relativo a administração dos bens sagrados) e o direito de vetar os
projetos de lei se o julgavam contrário à constituição. O Areópago deixa de ser
o grande tribunal ateniense e o guardião das tradições políticas. De repente o
Tribunal toma uma importância maior. (...) A reforma de Ephialtes tira a maior
parte das atribuições judiciárias dos antigos magistrados mas é para lhas dar àqueles
que já exercem o poder legislativo, isto é aos cidadãos simples. As leis eram
simples, pouco numerosas, redigidas em palavras de todo dia. Os homens do Povo,
após prestar juramento, decidiam soberanamente, não apenas de fato mas também
de direito.” “Ephialtes encarregou o
Povo de vigiar as tradições e de assegurar a justiça, exatamente com
Temístocles o encarregou de defender o Estado. Péricles colocou o Povo a fazer
o mesmo criando o soldo. Os corpos coletivos (exceto a Assembleia) recebiam uma
indenização: aos conselheiros cabiam uma dracma por dia, aos juízes, dois
óbulos e se reembolsava a cada cidadão o preço da entrada no teatro. O Povo-rei
se pagava a si mesmo para exercer o ofício senhorial do governo, para fazer as
leis, tomar decisões, pronunciar julgamentos, remar nas trirremes.” ( pg
62).
Ephialtes seria então o carpinteiro que termina o serviço de Indra
quando da morte do tricéfalo o primeiro filho de Tvastri sendo este portanto o
Areópago e seu antigo regime aristocrático. O que aparece na Vida de Péricles
de Plutarco no seu capítulo, parágrafo, IX. Aqui também aparece o confronto com
Simón e seu ostracismo não merecido posto que muito ajudou Athenas com os
espólios de guerra. No capítulo X vemos que este ostracismo será revogado
diante da invasão de Tanagra ficando Simón a cargo da esquadra e Péricles da
cidade: Elpinice esposa e irmã de Simón ajusta este acordo com Péricles. Se
Simón = Vishnu, Elpinice = Lakshmi, que justamente nasce da espuma do mar
batido, quando do batimento do mar de leite ( cf capítulo ‘sobre a ambrosia’ de
Plutarco Védico) figura, imagem, do comércio unindo os Povos, deuses e demônios.
Elpinice é chamada de ‘velha’ por conta deste nascimento não-humano da deusa
Lakshmi. Vemos Vrtra e Indra ambos na praia do mar e a espuma do mar escondendo
o raio: imagem da talassocracia, domínio dos mares, ateniense.
No
capítulo XI temos a recomposição deste mesmo partido aristocrata, oligarca, que
não acaba mas revive enquanto Vrtra: “ Os aristocratas reúnem-se em um partido
tendo como líder Tucídides (general não o historiador), cunhado de Simón, e a
população fica dividida, como a pegadura do ferro, em duas partes, o partido da
plebe, do Povo e o de poucos, oligarcas, aristocrático. Por isto solta mais
Péricles as rendas ao Povo”, “enviando todo ano sessenta galeras em que
navegavam muitos cidadãos assalariados pelo espaço de oito meses e ao mesmo
tempo se exercitavam e aprendiam a ciência náutica.” “Iam para todas as
colônias aliviando a cidade da multidão e remediando a miséria do Povo e também
servindo de guarda entre os aliados habitando entre eles para que não tentassem
nada.” Novamente vemos o mar como o lugar da vitória sobre Vrtra.
A morte de Vrtra estaria no capítulo XIV da
Vida de Péricles em que fala do esfarelamento do partido aristocrático e do
ostracismo de seu líder Tucídides. Junto está a crítica a Péricles por gastar
muito nas obras da cidade quando responde que então vae pagar ele as obras e
ficar só seu nome na dedicação ‘ao o que o Povo volta atrás devido à glória de
ter seus nomes nas obras’: as obras dos templos imortais carregam o nome do
Povo. É obra do Povo. A derrota da oligarquia aristocrática é a construção da coisa
pública, do que pertence a todos e não apenas a alguns, a propriedade privada
da Povo, a empresa/empreendimento público/a.
No capítulo
XII fala-se das grandes obras realizadas em Atenas então, por todo o Povo,
obras que vão dar sentido a forma de governo chamada democracia porque “a todos
repartiu o bem-estar e a abundância”. Segue a citação de Plutarco: “As obras
públicas com o dinheiro da liga de Delos, obras que depois de feitas dariam uma
glória eterna e que deram de comer a todos enquanto se faziam proporcionando
toda espécie de trabalho e uma infinidade de ocupações, as quais, despertando
todas as artes e pondo em movimento todas as mãos, assalariaram, digamos assim,
toda a cidade que ao mesmo tempo se embelezava e se mantinha a si mesma. Não só
os de idade boa e robustos tomavam nos exércitos o que necessitavam do erário
público mas toda a multidão de trabalhadores pesados e rudes foram introduzidos
em grande número de trabalhos e obras. Porque sendo a matéria prima pedra,
bronze, marfim, ouro, ébano, ciprestre, latão (cobre e zinco), trabalhavam nela
e lhe davam forma os arquitetos, modeladores, latoneiros, pedreiros,
tintureiros, ourives, polidores de marfim, pintores, bordadores e torneiros;
além do que para prover estas coisas e transportá-las se entendiam os
comerciantes e marinheiros no mar; e em
terra os carreteiros, peões, domesticadores de animais de tração, cordeiros,
linheiros, tecedores, construtores de caminhos e mineiros; e como cada arte, a
maneira que cada general seu exército, tinha da plebe sua própria multidão
subordinada, vindo a ser como o instrumento e corpo de seu ofício particular,
repartiam e distribuíam as ocupações a toda idade e natureza, por assim dizer,
a todos o bem estar e a abundância.”
Fídias = Vishvakarma ( karma, obra; vishva, todas; todas as obras) ( o
arquiteto dos deuses).
O raio aparece no capítulo VIII; segue
a citação de Plutarco: “A esta ordem de vida e a elevação de seu ânimo
procurava acomodar, como órgão conveniente, sua linguagem, para o que
consultava frequentemente Anaxágoras, colorindo com a ciência física, como com
um tinte retórico, a dicção. Porque reunindo aquele, por seus conhecimentos de
física, a razão sublime obradora de tudo, como diz o divino Plato (Fedro), a
seu excelente natural e juntando sempre o condizente com o artifício em dizer,
se avantajou muito a todos os demais; e de aí dizem que teve o apelido, ainda
que há quem diga que dos primores com que adornou a cidade, e outros que de sua
autoridade no governo e nos exércitos, lhe veio que lhe chamassem Olímpio: se
bem que nada de estranho havia em que todas estas coisas houvessem contribuído
naquele homem insigne para esta gloriosa denominação. Mas as comédias de seus
contemporâneos lançaram contra ele então muitas vozes sérias ou ridículas; de
seu modo de falar mostram haver-se originado principalmente o tal apelido
porque diziam dele que trovejava, que lançava centelhas e levava na língua um raio tremendo quando falava em
público.”
Esta citação
termina falando da timidez de Péricles, o que nos leva ao tema da sua
diminuição, humilhação, fraqueza, que aparece em vários parágrafos, capítulos.
Primeiro neste VIII: “O mesmo Péricles era tímido e circunspecto no falar; e
assim ao subir a tribuna, pedia sempre aos deuses que não lhe escapasse, sem
que ele percebesse, nem uma só palavra que não fosse acomodada a sua intenção e
a que esta exigia.” Antes no VII em que fala de Péricles diminuindo-se sem
participar de festas e reuniões “parecendo que na cidade só havia o caminho da
praça pública e do conselho. Porque as aglomerações levam a mal tudo que é
altivez e é muito difícil na familiaridade conservar aquela gravidade que dá
opinião... ele porém fugindo a respeito do Povo a relação contínua e o
aborrecimento, não se apresentava senão como fugindo (escasseando-se), nem
falava em todo negócio, nem sempre se mostrava em público, senão reservando-se
para os casos de importância... as demais coisas as executava por meio de seus
amigos ou de oradores do seu partido, dos quais se dizia que um era
Ephialtes.”
Nos
capítulos XX e XXI vemos “os atenienses senhores dos mares e Péricles nem cedia
nem condescendia com os esforços que mostravam os cidadãos imbuídos
desmedidamente com tanto poder e tanta fortuna que queriam tomar o Egito, a
Sicília, Etruria e Cartago. Mas Péricles continha esta inquietude e reprimia
esta ambição, voltando principalmente aqueles grandes meios à conservação e
segurança do que já dominava, reputando por grande façanha o manter a fronteira
aos lacedemônios e manifestando-lhes contrário do que deu provas em muitas
outras coisas porém mais assinaladamente na conduta que observou nos sucessos
da guerra sagrada (448 a.C.).” Nesta guerra o Lobo consagrado a Apolo próximo
do altar principal de Delphos foi tomado por Esparta que nele escreveu que
tinha procedência nas consultas da Pítia. Péricles o toma de volta e escreve do
outro lado a precedência igual de Atenas. Devemos lembrar, como vimos em
Ganesha = Pelópidas, que Apolo nasce em Delos e que a liga de Delos é a base do
domínio marítimo de Atenas. “A amphictionia de Delos, cujo oráculo, os
panegíricos e os jogos agonísticos contribuíram sob a tutela de Athenas à
coesão dos Jônios. É certo em todo caso que a arbitragem de Apolo sob a forma
de decisão oracular foi um elemento de apaziguamento e de concórdia no interior
mesmo das cidades e Píndaro pode cantar que Apolo fez penetrar nos corações o
amor da concórdia e o horror da guerra civil. (...) Apolo primeiro teria sido
um deus de pastores e das assembleias humanas, denominadas Apellon ( Apela lac.
= sekos e ecclesia ). Deus apotropaico, que caça o mal defendendo os rebanhos e
os campos em geral. ”( Apolon in Bailly). E igualmente em Varuna = Pirro, que
em Delphos encenava-se a Dolonia, a história do lobo Dolon da Ilíada caçado à
noite por Ulisses e Diomedes que, segundo Henri Jeanmaire, representava uma
iniciação comum à toda a sociedade dos adolescentes em direção à juventude que
por um tempo deveriam viver a vida solitária e sanguinária de um animal nos
campos, desertos, florestas.
No XXII Plutarco diz
explicitamente: “Os fatos mesmos o demonstraram com quanta razão retinha em
Grécia as forças dos atenienses.” A diminuição, retenção, contenção acontece
com um pretenso suborno de Cleandridas ( pai de Gilipo = Virabhadra, que
aparece na vida de Nícias = Shiva ) mas como em seguida é feita uma trégua de
30 anos com os lacedemônios, conclui-se que o dinheiro foi para apoiar o grande
general espartano em sua empreitada seguinte em Thurios onde Parmênides foi
legislador : vê-se a unidade grega.
O
voltar-se para dentro, o diminuir-se, é mais explícito, no capítulo XXXIII
quando lacedemônios e beócios invadem a Ática e Péricles resolve ficar dentro
da cidade junto com a população do campo, enviando barcos para que assolassem
os países invasores, forçando a retirada deles, tática que deu certo não fora o
acúmulo de gente produzir a peste dentro de Atenas. Quando se reclamava das
colheitas perdidas ele disse: “As árvores se se podam ou se cortam se
reproduzem e pronto; porém se os homens perecem não é fácil fazer-lhes
novamente.” Neste momento o chamam de ‘abominação’ lembrando-lhe que era descendente
dos que mataram Cilón que acolhera-se no templo de Atenas cem anos antes. Mas
aconteceu ao contrário, ele ganhando mais estima de seus cidadãos vendo que
tanto o aborreciam e temiam os inimigos.
Esta
tema da diminuição aparece mais nos três processos que Péricles enfrentou
indiretamente, sendo as vítimas atingidas por causa da proximidade com ele,
processos que acontecem depois que o período de ostracismo de seu inimigo
aristocrata acaba.
Anaxágoras,
Fídias e Aspasia, os três são processados devido a sua amizade com Péricles e
como forma de derrotá-lo ( Plutarco capítulos XXXI e XXXII ). Como resultado
obtiveram apenas o retorno da guerra e o fim de uma paz estabelecida.
Anaxágoras foge. Fídias é dito que morre na prisão; mas sabe-se que o Zeus de
Olimpia, sua cidade natal, foi feito depois por ele mesmo. E Aspasia é perdoada
com o choro do próprio Péricles. Os três processos juntos mostram os três
níveis, funções, conforme a historiografia atribui a Indra e seus pecados.
O parassol que
cobre a realeza oriental e que, como vimos no capítulo ‘Hoc Age’ em Plutarco
Védico, é o lugar em que aparece a deusa da sabedoria, tem seu lugar no
capítulo XIII de Plutarco: “O Odeon arredondado no teto e com pendente
terminando em uma ponta a semelhança de um pavilhão do rei da Persia: lugar do
concurso de música e dos espetáculos musicais da Acrópole. Um caso maravilhoso
ocorrido enquanto o construíam, deu indício de que a deusa, longe de repugnar a
obra, tomava parte nela e concorria para a sua perfeição. O mais laborioso e
ativos dos artistas tropeçou e caiu do alto, ficando tão maltratado que os
médicos perderam toda esperança. Entristeceu-se Péricles e a deusa
aparecendo-lhe em sonhos o indicou um remédio com o qual muito rápida e
facilmente ele ficou bom. Por este sucesso colocou-se a estátua de bronze de
Minerva da saúde junto a ara, que se diz, estava ali antes.” A imagem é a mesma, a deusa aparecendo no
alto do parassol e falando seu oráculo.
No
capítulo III de Plutarco vemos o nascimento de Péricles, descendente de
Clístenes por parte de mãe. “Nasce sem defeito de corpo e somente a cabeça era
prolongada e desmedida. Por isto quase todas suas estátuas o retratam com elmo
não querendo mortificá-lo os artistas.” Seguem citações de poetas que o chamam
de ‘congrega cabeças’ ou de ‘cabeça de todos’.
Outra característica que o aproxima de Indra, líder dos deuses do céu
dos Trinta e Três.
No capítulo XV e XVI nos leva a entender porque
os processos foram não contra Péricles mas contra seus amigos : Péricles era
incorruptível; com toda a riqueza circulando na construção dos monumentos
símbolos da democracia do Povo, da Philosophia e da Razão, ele não aumentou em
um centavo sua riqueza. Seu ecônomo, administrador,
chamava-se Evangelo ( Boa Nova). Evangelo = Matali, o auriga do carro de Indra,
posto que os quatro Evangelhos constituem a imagem do carro de Deus com os
quatro animais alados descritos em Ezequiel. Outra característica celeste do Olímpio.
Podemos fazer a
equação Dadhyanc = Anaxágoras pois assim como o corpo do primeiro escondeu o
raio, o corpo do segundo foi o raio escondido no discurso de Péricles. Segue
Plutarco capítulo IV: “Quem sempre estava do seu lado (de Péricles), quem lhe infundiu
a altivez e o espírito dominador da multidão e quem lhe deu majestade e
elevação de costumes foi Anaxágoras de Clazomenes ao qual os da época
apelidaram de Inteligência ou admirando sua grande prudência e seus singulares
e adiantados conhecimentos nas coisas físicas, ou porque foi o primeiro a
estabelecer por princípio ordenador de todos os seres não o acaso ou a
necessidade, senão uma razão pura e simples difundida em toas as coisas, e pôs
diferença entre os semelhantes e os misturados.”
No
capítulo V: “Gostava singularmente Péricles deste philosopho e penetrado de sua
doutrina sobre os fenômenos celestes e de sua metafísica sublime, não somente
adquiriu como era natural, um ânimo elevado e um modo de falar sublime, puro de
toda grosseria e vulgaridade, senão com sua continência inacessível ao riso,
com seu modo grave de andar, com toda a disposição de sua pessoa, imperturbável
no falar, sucedesse o quê sucedesse, com tom inalterável de voz, com todas
estas coisas surpreendia maravilhosamente a todos.”
No VI: “Não só
este fruto retirou Péricles da sua comunicação com Anaxágoras senão que parece
ter-se feito com ela superior à superstição que infunde terror com os efeitos
meteóricos e naturais aos que ignoram suas causas e nas coisas divinas aos que
com elas deliram e se assustam por falta de experiência; pois a ciência física
a dissipa inspirando em lugar de uma superstição tímida e vã, uma piedade
sólida, acompanhada das melhores esperanças.”
Vemos então
que, como não poderia deixar de ser, o Raio = Razão, o raio que Indra joga em
Vrtra para despedaçá-lo é a própria razão. O texto de Krishna falando deste
confronto antigo para Yudhisthira, comprova a tese. É a Philosophia da Academia, da Stoa, dos
Cínicos, em todas suas escolas, que junta, unida, associada, ao Povo, constrói
este lugar celeste eterno da democracia na terra, a semelhança do céu dos
Trinta e Três.
Dos capítulos XXIV – XXVIII temos a
guerra contra os de Samos, onde ressalta-se a figura de Melisso, philosopho (
Pitágoras também era de Samos além de ser de Crotona ). Plutarco diz
explicitamente que esta guerra foi feita para satisfazer Aspasia que era de
Mileto cidade a qual Samos atacava. Este episódio podemos colocar em paralelo
com o de Nahusha assumindo o céu no texto da Udyoga parva seções IX-XVIII que
já citamos. A equação Sachi = Aspasia comprova a tese pela semelhança do
protagonismo que assumem e porque em ambas as histórias pede-se ‘tempo’: Sachi
pede a Nahusha que lha dê tempo para decidir o que fazer e do mesmo modo no
capítulo XVIII de Plutarco vê-se Péricles dizer: “Se não crês a Péricles, de
modo a que não erres, és que esperes junto ao conselheiro mais sábio, que é o
tempo.” É dito a Tolmidas, filho de Tolmeo, que por não escutar, fracassa em
sua expedição à Beócia. Ressalta-se então a segurança dos empreendimentos
militares de Péricles, sempre vitorioso, vencendo também Melisso de Samos
utilizando Artemon, o maquinista, que mancava qual outro Hefesto.
A diminuição,
recolhimento, humildade, é portanto a de não fazer guerra, não entrar em
disputas, sem necessidade. É também a reação da direita, o 1%, aristocratas,
oligarcas, o mal, contra a esquerda, o Povo, a empresa pública, o bem, tensão,
disputa, luta, de classes, que reproduz exatamente o que acontece atualmente no
mundo e no Brasil. A construção da
civilização humana tem como antagonista, inimigo, adversário, o próprio ser
humano que é tomado, controlado, pela cobiça, ganância, querendo acumular,
açambarcar, sempre mais, em detrimento do próximo, do público, do Povo.
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