segunda-feira, 4 de outubro de 2021

[ n. do tr.: Indra = Péricles]

 

    



                                                                               Plutarco Brahmin

              Indra = Péricles

 

         Na história de Indra sua luta contra Vrtra e a morte deste com o raio, aparece como o acontecimento mais importante, seja no Mahabharata, seja no Satapatha Brahmana. Esta luta contra o mal, o demônio, Mara / Namuci, é o que define o caráter do ‘senhor dos cem sacrifícios’, o chefe do céu dos trinta e três. Cortar a cabeça de Vrtra seria o sacrifício, a vitória contra o mal. Apesar de vitorioso, esta vitória teria sido conseguida com ‘pecados’, o que levaria o deus a diminuir-se, tornar-se pequeno, humilhar-se.  Indra portanto seria um deus que peca, que tem três pecados e com isto perde suas forças, energias, que posteriormente são restituídas através de um ritual. Uma série de livros e artigos dissertam sobre o tema e tentam explicá-lo : cf bibliografia.

         Como já vimos antes em Simão = Vishnu o cortar a cabeça do sacrifício supõe uma restituição, um colocar a cabeça de volta e em Pirro = Varuna um ritual chamado sautramani realiza esta restituição. Em ambas as citações vemos os deuses gêmeos médicos, os Asvins, realizarem-nas para restituir a Vishnu sua cabeça e a Indra suas forças perdidas no sacrifício. O sautramani então constitui-se de três animais cortados ao meio cada um correspondendo a um dos pecados de Indra que seguiriam o esquema das três funções de G. Dumézil que por sua vez segue o tratado ‘da alma’ de Aristóteles - alma vegetativa, alma sensitiva e alma racional - e igualmente repete-se na divisão tradicional das castas, ordens, estados, classes e no arquétipo da cosmologia antiga da teoria dos três mundos - céu, atmosfera e terra. Vemos Abrão no Gênesis realizá-lo depois da vitória sobre o rei de Sodoma e aliados e em seguida a oferta do dízimo de pão e vinho a Melquisedec em Jerusalém, dons que ainda atualmente se lembram em todas as missas. Vale a citação de Gênesis 15, 1-19:

        1 Depois destes acontecimentos a palavra de Iahweh foi dirigida a Abrão numa visão: “Não temas Abrão! Eu sou o teu escudo, tua recompensa será muito grande.”

          2 Abrão respondeu: “Meu Senhor Iahweh que me darás? Continuo sem filho... 3 Abrão disse: “Eis que não me deste descendência e um dos servos de minha casa será meu herdeiro.” Então foi-lhe dirigida esta palavra de Iahweh: “Não será este o teu herdeiro mas alguém saído do teu sangue.” 5 Ele o conduziu para fora e disse: “Ergue os olhos para o céu e conta as estrelas, se as pode contar,” e acrescentou: “Assim será a tua posteridade.” 6 Abrão creu em Iahweh e lhe foi tido em conta de justiça. 7 Ele lhe disse: “Eu sou Iahweh que te fez sair de Ur dos caldeus, para te dar esta terra como herança.” 8 Abrão respondeu: “Meu Senhor Iahweh, como saberei que hei de possuí-la?” 9 Ele lhe disse: “Procura-me uma novilha de três anos, uma cabra de três anos, um cordeiro de três anos, uma rola e um pombinho.” 10 Ele lhe trouxe todos estes animais, partiu-os pelo meio e colocou cada metade em face da outra; entretanto não partiu as aves. 11 As aves de rapina desceram sobre os cadáveres mas Abrão as expulsou. 12 Quando o Sol ia se por, um torpor caiu sobre Abrão e eis que foi tomado de grande pavor (uma obscuridade). 13 Iahweh disse a Abrão: “Sabe, com certeza, que teus descendentes serão estrangeiros numa terra que não será a deles. Lá eles serão escravos, serão oprimidos durante quatrocentos anos. 14 Mas eu julgarei a nação a qual serão sujeitos e em seguida sairão com grandes bens. 15 Quanto a ti, em paz, irás para teus pais, serás sepultado numa velhice feliz. 16 É na quarta geração que eles voltarão para cá, porque até lá a iniquidade dos amorreus não terá atingido o seu cúmulo.” 17 Quando o Sol se pôs e estenderam-se as trevas, eis que uma fogueira fumegante e uma tocha de fogo passaram entre os animais divididos. 18 Naquele dia Iahweh estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos: “À tua posteridade darei esta terra, do rio do Egito até o grande rio, o rio Eufrates, 19 os quenitas, os cenezeus, os cadmoneus, os heteus, os ferezeus, os rafaim, os amorreus, os cananeus, os gergeseus e os jebuseus.”   

          Olivier Masson em seu artigo ‘A propos d’um rituel hittite pour la lustration d’une armée: le rite de purification par le passage entre les deux parties d’une victime’ mostra que o ritual em questão é largamente difundido pelo mundo e, como vemos na permanência do Povo no Egito na citação de Abrão, é purificador, apotropaico (para evitar o mal) e para recobrar forças : sair do Egito é sair do mundo, purificar-se, purgar-se, antes de entrar na terra prometida, é largar o corpo para entrar n’alma. Relaciona-se à purificação dos pecados que na história de Indra seriam de três tipos, seguindo o esquema referido, cada animal para cada parte d’alma. G. Dumézil comprova esta tese no seu livro ‘Tarpeia’ em que há um capítulo apenas sobre o Sautramani e seu correspondente romano a Souvetaurilia.

             Na realidade este ritual apenas aparece no Satapatha Brahmana que é um livro de rituais sendo que no Mahabharata não aparece, nem os Asvins médicos. No Mahabharata na Udyoga parva seções IX-XVIII conta-se a história de Indra e sua esposa Sachi. Segue um resumo : Fala-se sobre o infortúnio que aconteceu com Indra e sua esposa Sachi. O filho de Tvastri com três cabeças é morto pelo raio de Indra e conforme as cabeças são cortadas, pássaros saem de dentro delas. Um carpinteiro termina o serviço de Indra e corta finalmente as cabeças todas. Tvastri cria então Vritra. Na luta contra este, Indra foge e vae pedir ajuda a Vishnu que elabora um plano para enganar Vritra fingindo amizade e este aceita dizendo que não poderá ser morto nem de dia nem de noite, nem com seco nem com molhado, nem com pedra nem com madeira, nem com arma para perto, nem para longe. Vritra está na praia e Indra também está na praia. Indra o mata então com a espuma do mar que não é nem seco nem úmida com o raio escondido nela e Vishnu escondido também, a aurora que não é nem noite nem dia. Indra então torna-se culpado e desprovido dos sentidos e de consciência indo habitar diminuto em um caule de flor de lótus. O ser humano Nahusha, qual outra Medusa a quem ninguém podia olhar, torna-se rei do céu, Indra. Ele que pegar Sachi para ele mas ela não quer. Sachi então pede um tempo. E procurando Indra o encontra diminuto no caule da flor de lótus. Indra sacrifica a Vishnu purifica-se mas foge de novo e fica novamente minúsculo. Sachi por sua vez engana Nahusha que passa a andar em um carro puxado por rishis, ascetas e humilhando Agastya acaba virando serpente amaldiçoado por Bhrigu. E então Indra retorna.

             O primeiro pecado seria o matar um brahmin, o filho de Tvastri que tinha três cabeças, desde já, este antigo regime, antiga ordem social que dividia-se em três castas. O segundo pecado seria de quebrar a palavra, trato, com Vritra com quem havia um pacto de não morte situando-se neste meio termo tão difícil de estar. O terceiro seria o da esposa Sachi que engana Nahusha, ser humano.

                   No mesmo Mahabharata na Adi parva seção CLXXII fala-se assim sobre o raio de Indra: “Em dias de outrora o raio foi criado para o chefe dos celestiais de modo que pudesse matar (o asura) Vritra com ele. Mas atirado na cabeça de Vritra ele quebrou em mil pedaços. Aquilo que é conhecido nos três mundos como glória é apenas uma porção do raio. A mão do Brahmana com a qual ele derrama libações no fogo sacrifical, a carruagem sobre a qual o kshatriya luta, a caridade do Vaisya e o serviço do Sudra rendido para as outras três classes, são todos fragmentos do raio.”  

      E na seção XLII e seguintes da Vana parva, vemos Arjuna no palácio de seu pai Indra/Sakra/Vasava levado pelo carro de Matali, o auriga e sentando no trono de seu pai : “Aquele que não tem mérito ascético não é competente nem mesmo para olhar ou tocar este carro, muito menos andar nele. Ó abençoado, após subir nele e após os cavalos sossegarem, irei nele, como um homem virtuoso andando na autoestrada da honestidade.”  

                É assim com este nome de Sakra que Indra aparece muitas vezes nos Jatakas, vidas passadas de Buddha, com seu trono amarelo no céu esquentando quando algo errado acontece na terra e ele vigiando (episcopando)  acaba  descendo para resolver a situação.

             Ainda no Mahabharata vemos no Aswamedha parva seção XI, Vasudeva/Krishna falando com Yudhisthira sobre Vritra e Indra, este joga o raio sucessivamente enquanto Vritra foge e esconde-se nos diferentes elementos corrompendo seus atributos respectivos: terra/odor, água/ paladar, fogo/ cor e forma, ar/tato, éter/som e por fim entrando no corpo mesmo de Sakra este ficou cheio de grande ilusão. “E escutamos que Vasistha confortou Indra (quando ele estava assim aflito) e que o deus de cem sacrifícios matou Vritra em seu corpo por meio do raio invisível, e saiba, Ó príncipe, que este mistério religioso foi recitado por Sakra para os grandes sábios e eles por sua vez me contaram ... O tempo chegou quando você deve lutar a batalha que cada um deve lutar sozinho com sua mente. Portanto, Ó chefe da raça Bharata, tu deves agora preparar-se para efetuar a luta contra a tua mente; e por meio da abstração e mérito de teu próprio karma, tu deves alcançar o outro lado (atravessar) da misteriosa e ininteligível (mente). Nesta guerra não há necessidade de mísseis, nem de amigos, nem de ajudantes. A batalha que deve ser lutada sozinho e com as mãos chegou para você.”

             Ananda Coomaraswamy em um artigo compara a história arthuriana, da távola redonda, de ‘Galvão e o cavaleiro verde’ com esta história de Indra e Vritra. O autor diz que a perda da cabeça é a mesma e que o sofrimento de Galvão durante um ano assemelha-se ao de Indra. Segue citações :

     “Deve-se lembrar sempre que o rito humano do sacrifício imita aquele que foi feito no princípio, e que o sacrificante, enquanto tal, é identificado a Indra o matador de Vritra ( S. Br. V,3,2,27) e enfim que todo homem deve matar seu próprio Dragão para em seguida se reconstituir.” ( pg 122)  A alma sensível é o próprio dragão. ( pg 115 ).  

      “ ‘Indra o divide’, ‘ Ele se divide a si mesmo’, estas duas afirmações não são contraditórias. Deve-se compreender claramente - o que do ponto de vista cristão será completamente inteligível – que o sacrifício é sempre uma vítima que consente se impondo a ela mesma a ‘paixão’, ao mesmo tempo que ele é a inocente vítima de uma paixão que se lhe impõe injustamente; são duas maneiras diferentes de considerar um único e mesmo ‘acontecimento’.( pg 108)

      “ ‘O mito da criação é igualmente um mito da redenção’ como no cristianismo os dois planos estão ligados.” ( pg 116 ). 

    “ ‘A propósito do mito de Perseu ... poderia-se propor esta significação: Perseu, o herói solar, corta a cabeça toda manhã do Sol noturno simbolizado pela Górgona, para que do tronco surja os símbolos da luz que, como os filhos de Poseidon, saem do Oceano. O mito de Perseu teria assim a significação: morra e transforme-se!’ Esta é indubitavelmente a significação mais profunda do Sacrifício: Mors janua vitae ( morte porta da vida).” ( pg 120 ). 

       “Nossa cabeça é o nosso si mesmo e cortar a cabeça é o abandono de si mesmo, a negação de si mesmo, a abnegação; inversamente, ‘apenas fazer o que dá na cabeça’ ( onde ‘fazer’ = engrandecer, exaltar, valorizar) vem a ser, afirmar sua individualidade.” (pg 128).

         Uma vez estabelecido este caráter interior de Vrtra, como ele aparece na vida de Péricles com a qual comparamos, colocamos em paralelo, a de Indra ?  Vrtra seria a aristocracia, oligarquia, poder de poucos, a qual, para a democracia de Péricles se estabelecer, precisa derrotar, cortar a cabeça, posto que demônio é (por incrível que pareça continua tudo do mesmo jeito que há milhares de anos atrás com o mesmo demônio redivivo precisando ter a cabeça cortada, a esquerda política tendo que cortar a cabeça da direita que continua a roubar o Povo de seus direitos, riquezas, etc : os poucos, 1%, açambarcando a riqueza de todos : a vitória do comunismo, socialismo, em tod’Ásia, garante este cortar de cabeça no mundo todo e a subsequente vitória da democracia que diga-se de passagem tem seu nome usurpado pela direita, oligarcas que são). Deixemos Marie Delcourt falar :

              “Clístenes se apresenta como o homem que após um parêntese de cinquenta anos, recolocará em vigor a constituição de Sólon. (...) Este encontrou o Povo pequeno dos campos miserável e endividado; os camponeses viviam de um sexto da colheita que lhes deixavam o proprietário e arriscavam ser reduzidos à servidão como os hilotas de Esparta. Sólon suprimiu as dívidas, interditou a escravidão dos corpos e fez uma desvalorização que aliviou os camponeses. Pisístrato que encontrou apoio entre os pobres, deu aos que viviam do sexto a propriedade das terras que cultivavam. Clístenes pode pois partir de uma situação social saneada: Athenas não se tornaria uma segunda Esparta e a primogênita das filhas da Jônia não seria cultivada por escravos. Tratava-se agora de dar uma existência política às pessoas estabelecidas na terra e acostumadas a independência pessoal. (...) Clístenes deixou os thetas de fora dos cargos individuais, como a estrategia e o arcontago, mas ele tratou de fazer a educação política deles os introduzindo nos corpos coletivos, a Assembleia, o Conselho, o Tribunal. Este último era composto unicamente de cidadãos agindo como jurados. Mais tarde, cabia indenizar toda esta gente pequena que doava seu tempo ao Estado: é Péricles que deverá realizar, até suas últimas consequências, as reformas de seu tio-avô ( Clístenes).”( pg 24)

        “Ora, Athenas tornou-se uma democracia tipo (do mesmo modo que Esparta era uma aristocracia tipo) somente em seguida às reformas de Ephialtes em 462/461 a.C.. E é anteriormente a estas reformas que Simão/Cimón dá a Esparta uma prova decisiva de amizade conduzindo um destacamento ateniense em socorro dos reis ameaçados pela revolta de Messênia.” (pg. 52).

       “Ephialtes fez contra ele (o Areópago) uma guerra longa e eficaz. Ele o desacreditou atacando individualmente um grande número de Areopagitas e mostrando sua indignidade. Depois, em 462/461 a.C., aproveitando a ausência de Simão, ele fez passar uma decisão que tirava do Areópago ao mesmo tempo o direito de julgar (excetuando os crimes relativos aos deuses, mortes premeditadas quando o processo era todo religioso e relativo a administração dos bens sagrados) e o direito de vetar os projetos de lei se o julgavam contrário à constituição. O Areópago deixa de ser o grande tribunal ateniense e o guardião das tradições políticas. De repente o Tribunal toma uma importância maior. (...) A reforma de Ephialtes tira a maior parte das atribuições judiciárias dos antigos magistrados mas é para lhas dar àqueles que já exercem o poder legislativo, isto é aos cidadãos simples. As leis eram simples, pouco numerosas, redigidas em palavras de todo dia. Os homens do Povo, após prestar juramento, decidiam soberanamente, não apenas de fato mas também de direito.”  “Ephialtes encarregou o Povo de vigiar as tradições e de assegurar a justiça, exatamente com Temístocles o encarregou de defender o Estado. Péricles colocou o Povo a fazer o mesmo criando o soldo. Os corpos coletivos (exceto a Assembleia) recebiam uma indenização: aos conselheiros cabiam uma dracma por dia, aos juízes, dois óbulos e se reembolsava a cada cidadão o preço da entrada no teatro. O Povo-rei se pagava a si mesmo para exercer o ofício senhorial do governo, para fazer as leis, tomar decisões, pronunciar julgamentos, remar nas trirremes.” ( pg 62). 

               Ephialtes seria então o carpinteiro que termina o serviço de Indra quando da morte do tricéfalo o primeiro filho de Tvastri sendo este portanto o Areópago e seu antigo regime aristocrático. O que aparece na Vida de Péricles de Plutarco no seu capítulo, parágrafo, IX. Aqui também aparece o confronto com Simón e seu ostracismo não merecido posto que muito ajudou Athenas com os espólios de guerra. No capítulo X vemos que este ostracismo será revogado diante da invasão de Tanagra ficando Simón a cargo da esquadra e Péricles da cidade: Elpinice esposa e irmã de Simón ajusta este acordo com Péricles. Se Simón = Vishnu, Elpinice = Lakshmi, que justamente nasce da espuma do mar batido, quando do batimento do mar de leite ( cf capítulo ‘sobre a ambrosia’ de Plutarco Védico) figura, imagem, do comércio unindo os Povos, deuses e demônios. Elpinice é chamada de ‘velha’ por conta deste nascimento não-humano da deusa Lakshmi. Vemos Vrtra e Indra ambos na praia do mar e a espuma do mar escondendo o raio: imagem da talassocracia, domínio dos mares, ateniense. 

               No capítulo XI temos a recomposição deste mesmo partido aristocrata, oligarca, que não acaba mas revive enquanto Vrtra: “ Os aristocratas reúnem-se em um partido tendo como líder Tucídides (general não o historiador), cunhado de Simón, e a população fica dividida, como a pegadura do ferro, em duas partes, o partido da plebe, do Povo e o de poucos, oligarcas, aristocrático. Por isto solta mais Péricles as rendas ao Povo”, “enviando todo ano sessenta galeras em que navegavam muitos cidadãos assalariados pelo espaço de oito meses e ao mesmo tempo se exercitavam e aprendiam a ciência náutica.” “Iam para todas as colônias aliviando a cidade da multidão e remediando a miséria do Povo e também servindo de guarda entre os aliados habitando entre eles para que não tentassem nada.” Novamente vemos o mar como o lugar da vitória sobre Vrtra. 

           A morte de Vrtra estaria no capítulo XIV da Vida de Péricles em que fala do esfarelamento do partido aristocrático e do ostracismo de seu líder Tucídides. Junto está a crítica a Péricles por gastar muito nas obras da cidade quando responde que então vae pagar ele as obras e ficar só seu nome na dedicação ‘ao o que o Povo volta atrás devido à glória de ter seus nomes nas obras’: as obras dos templos imortais carregam o nome do Povo. É obra do Povo. A derrota da oligarquia aristocrática é a construção da coisa pública, do que pertence a todos e não apenas a alguns, a propriedade privada da Povo, a empresa/empreendimento público/a.

           No capítulo XII fala-se das grandes obras realizadas em Atenas então, por todo o Povo, obras que vão dar sentido a forma de governo chamada democracia porque “a todos repartiu o bem-estar e a abundância”. Segue a citação de Plutarco: “As obras públicas com o dinheiro da liga de Delos, obras que depois de feitas dariam uma glória eterna e que deram de comer a todos enquanto se faziam proporcionando toda espécie de trabalho e uma infinidade de ocupações, as quais, despertando todas as artes e pondo em movimento todas as mãos, assalariaram, digamos assim, toda a cidade que ao mesmo tempo se embelezava e se mantinha a si mesma. Não só os de idade boa e robustos tomavam nos exércitos o que necessitavam do erário público mas toda a multidão de trabalhadores pesados e rudes foram introduzidos em grande número de trabalhos e obras. Porque sendo a matéria prima pedra, bronze, marfim, ouro, ébano, ciprestre, latão (cobre e zinco), trabalhavam nela e lhe davam forma os arquitetos, modeladores, latoneiros, pedreiros, tintureiros, ourives, polidores de marfim, pintores, bordadores e torneiros; além do que para prover estas coisas e transportá-las se entendiam os comerciantes e marinheiros no mar;  e em terra os carreteiros, peões, domesticadores de animais de tração, cordeiros, linheiros, tecedores, construtores de caminhos e mineiros; e como cada arte, a maneira que cada general seu exército, tinha da plebe sua própria multidão subordinada, vindo a ser como o instrumento e corpo de seu ofício particular, repartiam e distribuíam as ocupações a toda idade e natureza, por assim dizer, a todos o bem estar e a abundância.”    Fídias = Vishvakarma ( karma, obra; vishva, todas; todas as obras) ( o arquiteto dos deuses). 

         O raio aparece no capítulo VIII; segue a citação de Plutarco: “A esta ordem de vida e a elevação de seu ânimo procurava acomodar, como órgão conveniente, sua linguagem, para o que consultava frequentemente Anaxágoras, colorindo com a ciência física, como com um tinte retórico, a dicção. Porque reunindo aquele, por seus conhecimentos de física, a razão sublime obradora de tudo, como diz o divino Plato (Fedro), a seu excelente natural e juntando sempre o condizente com o artifício em dizer, se avantajou muito a todos os demais; e de aí dizem que teve o apelido, ainda que há quem diga que dos primores com que adornou a cidade, e outros que de sua autoridade no governo e nos exércitos, lhe veio que lhe chamassem Olímpio: se bem que nada de estranho havia em que todas estas coisas houvessem contribuído naquele homem insigne para esta gloriosa denominação. Mas as comédias de seus contemporâneos lançaram contra ele então muitas vozes sérias ou ridículas; de seu modo de falar mostram haver-se originado principalmente o tal apelido porque diziam dele que trovejava, que lançava centelhas e levava na língua um raio tremendo quando falava em público.”    

           Esta citação termina falando da timidez de Péricles, o que nos leva ao tema da sua diminuição, humilhação, fraqueza, que aparece em vários parágrafos, capítulos. Primeiro neste VIII: “O mesmo Péricles era tímido e circunspecto no falar; e assim ao subir a tribuna, pedia sempre aos deuses que não lhe escapasse, sem que ele percebesse, nem uma só palavra que não fosse acomodada a sua intenção e a que esta exigia.” Antes no VII em que fala de Péricles diminuindo-se sem participar de festas e reuniões “parecendo que na cidade só havia o caminho da praça pública e do conselho. Porque as aglomerações levam a mal tudo que é altivez e é muito difícil na familiaridade conservar aquela gravidade que dá opinião... ele porém fugindo a respeito do Povo a relação contínua e o aborrecimento, não se apresentava senão como fugindo (escasseando-se), nem falava em todo negócio, nem sempre se mostrava em público, senão reservando-se para os casos de importância... as demais coisas as executava por meio de seus amigos ou de oradores do seu partido, dos quais se dizia que um era Ephialtes.” 

               Nos capítulos XX e XXI vemos “os atenienses senhores dos mares e Péricles nem cedia nem condescendia com os esforços que mostravam os cidadãos imbuídos desmedidamente com tanto poder e tanta fortuna que queriam tomar o Egito, a Sicília, Etruria e Cartago. Mas Péricles continha esta inquietude e reprimia esta ambição, voltando principalmente aqueles grandes meios à conservação e segurança do que já dominava, reputando por grande façanha o manter a fronteira aos lacedemônios e manifestando-lhes contrário do que deu provas em muitas outras coisas porém mais assinaladamente na conduta que observou nos sucessos da guerra sagrada (448 a.C.).” Nesta guerra o Lobo consagrado a Apolo próximo do altar principal de Delphos foi tomado por Esparta que nele escreveu que tinha procedência nas consultas da Pítia. Péricles o toma de volta e escreve do outro lado a precedência igual de Atenas. Devemos lembrar, como vimos em Ganesha = Pelópidas, que Apolo nasce em Delos e que a liga de Delos é a base do domínio marítimo de Atenas. “A amphictionia de Delos, cujo oráculo, os panegíricos e os jogos agonísticos contribuíram sob a tutela de Athenas à coesão dos Jônios. É certo em todo caso que a arbitragem de Apolo sob a forma de decisão oracular foi um elemento de apaziguamento e de concórdia no interior mesmo das cidades e Píndaro pode cantar que Apolo fez penetrar nos corações o amor da concórdia e o horror da guerra civil. (...) Apolo primeiro teria sido um deus de pastores e das assembleias humanas, denominadas Apellon ( Apela lac. = sekos e ecclesia ). Deus apotropaico, que caça o mal defendendo os rebanhos e os campos em geral. ”( Apolon in Bailly). E igualmente em Varuna = Pirro, que em Delphos encenava-se a Dolonia, a história do lobo Dolon da Ilíada caçado à noite por Ulisses e Diomedes que, segundo Henri Jeanmaire, representava uma iniciação comum à toda a sociedade dos adolescentes em direção à juventude que por um tempo deveriam viver a vida solitária e sanguinária de um animal nos campos, desertos, florestas.    

                No XXII Plutarco diz explicitamente: “Os fatos mesmos o demonstraram com quanta razão retinha em Grécia as forças dos atenienses.” A diminuição, retenção, contenção acontece com um pretenso suborno de Cleandridas ( pai de Gilipo = Virabhadra, que aparece na vida de Nícias = Shiva ) mas como em seguida é feita uma trégua de 30 anos com os lacedemônios, conclui-se que o dinheiro foi para apoiar o grande general espartano em sua empreitada seguinte em Thurios onde Parmênides foi legislador : vê-se a unidade grega.

         O voltar-se para dentro, o diminuir-se, é mais explícito, no capítulo XXXIII quando lacedemônios e beócios invadem a Ática e Péricles resolve ficar dentro da cidade junto com a população do campo, enviando barcos para que assolassem os países invasores, forçando a retirada deles, tática que deu certo não fora o acúmulo de gente produzir a peste dentro de Atenas. Quando se reclamava das colheitas perdidas ele disse: “As árvores se se podam ou se cortam se reproduzem e pronto; porém se os homens perecem não é fácil fazer-lhes novamente.” Neste momento o chamam de ‘abominação’ lembrando-lhe que era descendente dos que mataram Cilón que acolhera-se no templo de Atenas cem anos antes. Mas aconteceu ao contrário, ele ganhando mais estima de seus cidadãos vendo que tanto o aborreciam e temiam os inimigos.  

              Esta tema da diminuição aparece mais nos três processos que Péricles enfrentou indiretamente, sendo as vítimas atingidas por causa da proximidade com ele, processos que acontecem depois que o período de ostracismo de seu inimigo aristocrata acaba.

           Anaxágoras, Fídias e Aspasia, os três são processados devido a sua amizade com Péricles e como forma de derrotá-lo ( Plutarco capítulos XXXI e XXXII ). Como resultado obtiveram apenas o retorno da guerra e o fim de uma paz estabelecida. Anaxágoras foge. Fídias é dito que morre na prisão; mas sabe-se que o Zeus de Olimpia, sua cidade natal, foi feito depois por ele mesmo. E Aspasia é perdoada com o choro do próprio Péricles. Os três processos juntos mostram os três níveis, funções, conforme a historiografia atribui a Indra e seus pecados.

         O parassol que cobre a realeza oriental e que, como vimos no capítulo ‘Hoc Age’ em Plutarco Védico, é o lugar em que aparece a deusa da sabedoria, tem seu lugar no capítulo XIII de Plutarco: “O Odeon arredondado no teto e com pendente terminando em uma ponta a semelhança de um pavilhão do rei da Persia: lugar do concurso de música e dos espetáculos musicais da Acrópole. Um caso maravilhoso ocorrido enquanto o construíam, deu indício de que a deusa, longe de repugnar a obra, tomava parte nela e concorria para a sua perfeição. O mais laborioso e ativos dos artistas tropeçou e caiu do alto, ficando tão maltratado que os médicos perderam toda esperança. Entristeceu-se Péricles e a deusa aparecendo-lhe em sonhos o indicou um remédio com o qual muito rápida e facilmente ele ficou bom. Por este sucesso colocou-se a estátua de bronze de Minerva da saúde junto a ara, que se diz, estava ali antes.”  A imagem é a mesma, a deusa aparecendo no alto do parassol e falando seu oráculo. 

              No capítulo III de Plutarco vemos o nascimento de Péricles, descendente de Clístenes por parte de mãe. “Nasce sem defeito de corpo e somente a cabeça era prolongada e desmedida. Por isto quase todas suas estátuas o retratam com elmo não querendo mortificá-lo os artistas.” Seguem citações de poetas que o chamam de ‘congrega cabeças’ ou de ‘cabeça de todos’.  Outra característica que o aproxima de Indra, líder dos deuses do céu dos Trinta e Três.

         No  capítulo XV e XVI nos leva a entender porque os processos foram não contra Péricles mas contra seus amigos : Péricles era incorruptível; com toda a riqueza circulando na construção dos monumentos símbolos da democracia do Povo, da Philosophia e da Razão, ele não aumentou em um centavo sua riqueza.  Seu ecônomo, administrador, chamava-se Evangelo ( Boa Nova). Evangelo = Matali, o auriga do carro de Indra, posto que os quatro Evangelhos constituem a imagem do carro de Deus com os quatro animais alados descritos em Ezequiel.  Outra característica celeste do Olímpio. 

        Podemos fazer a equação Dadhyanc = Anaxágoras pois assim como o corpo do primeiro escondeu o raio, o corpo do segundo foi o raio escondido no discurso de Péricles. Segue Plutarco capítulo IV: “Quem sempre estava do seu lado (de Péricles), quem lhe infundiu a altivez e o espírito dominador da multidão e quem lhe deu majestade e elevação de costumes foi Anaxágoras de Clazomenes ao qual os da época apelidaram de Inteligência ou admirando sua grande prudência e seus singulares e adiantados conhecimentos nas coisas físicas, ou porque foi o primeiro a estabelecer por princípio ordenador de todos os seres não o acaso ou a necessidade, senão uma razão pura e simples difundida em toas as coisas, e pôs diferença entre os semelhantes e os misturados.”   

           No capítulo V: “Gostava singularmente Péricles deste philosopho e penetrado de sua doutrina sobre os fenômenos celestes e de sua metafísica sublime, não somente adquiriu como era natural, um ânimo elevado e um modo de falar sublime, puro de toda grosseria e vulgaridade, senão com sua continência inacessível ao riso, com seu modo grave de andar, com toda a disposição de sua pessoa, imperturbável no falar, sucedesse o quê sucedesse, com tom inalterável de voz, com todas estas coisas surpreendia maravilhosamente a todos.”

       No VI: “Não só este fruto retirou Péricles da sua comunicação com Anaxágoras senão que parece ter-se feito com ela superior à superstição que infunde terror com os efeitos meteóricos e naturais aos que ignoram suas causas e nas coisas divinas aos que com elas deliram e se assustam por falta de experiência; pois a ciência física a dissipa inspirando em lugar de uma superstição tímida e vã, uma piedade sólida, acompanhada das melhores esperanças.”

            Vemos então que, como não poderia deixar de ser, o Raio = Razão, o raio que Indra joga em Vrtra para despedaçá-lo é a própria razão. O texto de Krishna falando deste confronto antigo para Yudhisthira, comprova a tese.  É a Philosophia da Academia, da Stoa, dos Cínicos, em todas suas escolas, que junta, unida, associada, ao Povo, constrói este lugar celeste eterno da democracia na terra, a semelhança do céu dos Trinta e Três.

           Dos capítulos XXIV – XXVIII temos a guerra contra os de Samos, onde ressalta-se a figura de Melisso, philosopho ( Pitágoras também era de Samos além de ser de Crotona ). Plutarco diz explicitamente que esta guerra foi feita para satisfazer Aspasia que era de Mileto cidade a qual Samos atacava. Este episódio podemos colocar em paralelo com o de Nahusha assumindo o céu no texto da Udyoga parva seções IX-XVIII que já citamos. A equação Sachi = Aspasia comprova a tese pela semelhança do protagonismo que assumem e porque em ambas as histórias pede-se ‘tempo’: Sachi pede a Nahusha que lha dê tempo para decidir o que fazer e do mesmo modo no capítulo XVIII de Plutarco vê-se Péricles dizer: “Se não crês a Péricles, de modo a que não erres, és que esperes junto ao conselheiro mais sábio, que é o tempo.” É dito a Tolmidas, filho de Tolmeo, que por não escutar, fracassa em sua expedição à Beócia. Ressalta-se então a segurança dos empreendimentos militares de Péricles, sempre vitorioso, vencendo também Melisso de Samos utilizando Artemon, o maquinista, que mancava qual outro Hefesto. 

        A diminuição, recolhimento, humildade, é portanto a de não fazer guerra, não entrar em disputas, sem necessidade. É também a reação da direita, o 1%, aristocratas, oligarcas, o mal, contra a esquerda, o Povo, a empresa pública, o bem, tensão, disputa, luta, de classes, que reproduz exatamente o que acontece atualmente no mundo e no Brasil. A  construção da civilização humana tem como antagonista, inimigo, adversário, o próprio ser humano que é tomado, controlado, pela cobiça, ganância, querendo acumular, açambarcar, sempre mais, em detrimento do próximo, do público, do Povo.      

            

                                              BIBLIOGRAFIA

A Biblia de Jerusalém, Edições Paulinas, 1985.

 

Mahabharata, trad. Kisari Mohan Ganguli, MMPublishers, New Delhi, Índia.

 

Satapatha Brahmana, SBE (Sacred Books of the East) vols 12, 26, 41, 43, 44, Atlantic Publishers, New Delhi, 1990.  

 

Ananda Coomaraswamy, Sire Gauvain et le Chevalier Vert : Indra et                Namuci in “La Doctrine du Sacrifice”, Dervy, Paris, 1997.  Tradução de Gerard Leconte. 

 

Anatole Bailly, Le Grand Dictionnaire Grec-Français, Hachette, 1.ed 1894, 2000, Paris.

 

Georges Dumézil, Tarpeia, essais de philologie comparative indo-europeene, Gallimard, Paris, 1947. 

--------------, Heur et Malheur du Guerrier, aspects mythiques de la fonction guerrière chez les Indo-Europeenes, PUF, Paris, 1969.

 

Marie Delcourt, Périclès, Gallimard, Paris, 1939.

 

Olivier Masson, A propos d’um rituel hittite pour la lustration d’um armée: le rite de purification par le passage entre les deux parties d’une victime, RHR, 137, 1, 1950, pp 5-25.

----------------, L’experience mystique du profete Elie: ‘Qol De Mama Daqq’, RHR, 208, 3, 1991, pp 243 – 271.

 

Henri Jeanmaire, Couroi et courètes,essai sur l’education spartiate et sur les rites d’adolescence dans l’antiquité hellénique, Lille, France, 1934.  

 

Plutarco, Vida de Périclès, in Vidas Paralelas, (trad. Antonio Sanz Romanillos, Jose Ortiz y Sanz e Jose M. Riaño), Aguillar, Madrid, 1973.  

 

Dominique Briquel, Le regne de Tullus Hostilius et l’ideologie indo-européenne de trois fonctions, RHR, 214, 1, 1997, p. 5-22.

 

Mezzadri Bernard, Jason ou le retour du pécheur. Esquise de mythologie argonautique. RHR, 208, 3, 1991, p. 273-301. 


quarta-feira, 23 de junho de 2021

[ n. do tr.: Vayu = Timoleon ]

 


              Plutarco Brahmin


           Vayu = Timoleon

         Vayu, vento, ar; prana ou sopro vital ( “a raiz ‘an' se encontra com a mesma significação no grego ‘anemos’ ‘sopro’ ou ‘vento’ e no latim ‘anima’ alma cujo sentido próprio e primitivo é exatamente o de ‘sopro vital’” ); com maiúscula o deus do vento ; o mesmo que Hiranyagarbha, Sutratma e Sutra – a primeira manifestação de Brahma no universo relativo cujo corpo é o agregado de todos os corpos sutis e cuja mente o agregado de todas as mentes.     

              No Shiva Purana em seu volume IV, Vaya Vyasasamhita, pg. 1786, há uma descrição de Vayu : “Vayu o discípulo de Brahma, senhor de autocontrole que percebe tudo diretamente ; em cujo comando estão sempre os quarenta e nove Maruts ; que sustenta os corpos de todos os seres vivos incitando-os perpetuamente através de seus próprios funcionários Prana e os outros ; que está dotado com as oito glórias ; que suporta o mundo com suas mãos santas ; que nasceu de Akasha ; que possui as duas qualidades do toque e do som e a quem os filósofos chamam de causa material do princípio ígneo, do fogo.”

            Na fisiologia antiga além do inspirar e expirar haviam mais três sopros sendo cinco no total e sendo Prana o principal, como chefe de um exército mesmo daí a referência aos Maruts, que são sopros, ventos. Os cinco são prana, apana, vyana, udana e samana.  Os dois primeiros, que são para dentro, se opõe como ação e reação e enquanto prana sobe, apana desce e vyana se coloca entre estes dois como sopro difuso, por todo corpo em toda direção. Udana é para fora, expiração e para cima, causa do crescimento. E samana o sopro da digestão que distribui igualmente (sama) para todo o corpo os sucos, sumos, da alimentação. 

              Sísifo, famoso por sua mitologia, é rei de Corinto, a cidade dos coríntios e filho de Eólo, o vento, que ajudou Ulisses a voltar para casa prendendo os ventos em tonéis mas que deviam ficar fechados e os companheiros de Ulisses abriram todos, pensando ser vinho e espalharam os ventos.  Corinto também é de Medeia e Jasão que na nave Argo viajaram unindo oriente e ocidente: governaram a cidade por um tempo. Belerofonte que cavalgava Pégaso, é neto de Sísifo. A cidade de Argos está próxima, junta mesmo. Perseus a governou.  Corinto é também a cidade dos jogos ístmicos (do istmo que une o sul e o norte da Grécia) em homenagem à nutriz de Dionisos / Baco / Iaco : Ino que com seu filho Melicertes  jogam-se no mar fugindo da perseguição de Hera: Ino transforma-se em Leucotea, a Tartaruga e Melicertes é recuperado por um golfinho e vira Palaemon: obra do deus que os protege.

           Tanto na mitologia de Dionisos quanto na de Perséfone, há a ideia da ressurreição: Deméter procura a filha desaparecida e a descobre no reino dos mortos, raptada por Hades, rei dos mortos. A mãe Terra briga para que a filha ressuscite, volte à vida e consegue: qual semente que morre para poder dar fruto, 30, 60, ou 100, segundo o evangelho de IHS XTO. Tanto nos mistérios de Elêusis quanto no cristianismo vemos a imagem da espiga em sua sacralidade: spica a alfa da constelação de Virgem. Já Dionisos é despedaçado ainda criança pelos Titãs mas seu coração é salvo pelos deuses e ressuscita.

          Já vimos no capítulo Nícias = Shiva que a história deste último, com seu terceiro olho, também tem o tema da ressurreição e justamente, qual Perséfone, de uma moça, Sati, filha de Daksha que ao fazer um sacrifício exclui Shiva e Sati devota deste incendeia-se, em autocombustão, yoguine mesma, revoltada com o pai, ato que destrói a sacrifício deste. Ela morre e ressuscita no Himalaia como Parvati que será esposa de Shiva.

         Teria que haver um Zeus com terceiro olho para consolidar a unidade védica oriente e ocidente que defendemos, expomos, descobrimos. E ele existe justamente na acrópole de Argos no monte Larisa: segue a descrição de Pausânias:

                    “No pico do Larisa está um santuário sem teto de Zeus Larisaian ; a estátua de madeira não está mais na base. Mas um santuário interessante de Athena está lá também. Entre as dedicações está um Zeus de madeira com os dois olhos com os quais nascemos e também com um terceiro na testa. Eles dizem que este Zeus era a imagem ancestral que estava no jardim aberto de Príamo filho de Laomedon, e quando Troia foi tomada pelos Gregos foi para este altar deste deus que ele fugiu. Quando dividiram os espólios, Sthenelos filho de Capaneus, ficou com a imagem e assim ela veio a descansar aqui. Pode-se explicar os três olhos deste jeito: Zeus é rei no céu pelo reconhecimento humano universal e um verso de Homero também dá ao senhor do mundo subterrâneo o nome de Zeus:

                  Zeus debaixo da terra e a grande Perséfone (Il. 9, 457);

     enquanto Ésquilo dá o nome de Zeus ao deus do mar. Então a pessoa que fez esta estátua, quem quer que tenha sido, fez Zeus com três olhos como um e o mesmo deus que legisla nestas três esferas.” (II, 24,5).

       A morte e a ressurreição aproximam as duas religiões antigas e aquela da qual a cidade de Corinto participa é a da ilha da Sicília, terra de Perséfone, penhor de seu casamento, lugar em que foi raptada, sendo Siracusa fundada por Corinto e responsável pela liberdade na ilha.

         Responsável pela liberdade porque a ilha foi escolhida pela Academia de Atenas de Platão no séc. IV a.C. como o lugar para um governo filosófico. As cartas de Platão para Dionísio, o jovem e para Dion, ambos de Siracusa, sobreviveram a destruição do tempo e ainda podem ser lidas. O primeiro entendeu em parte o ideal filosófico e o segundo entendeu tudo e conseguiu implantar este ideal na capital e na ilha conforme vemos na ‘vida de Dion’ de Plutarco que explicitamente diz que a vitória de Dion era a vitória da Academia de Atenas, de tanto que ele estava imbuído, unido a esta. Mas houve traição que, diz-se, foi traição a própria deusa padroeira da ilha e Dion foi executado e a sua família jogada no mar igual a mitologia de Dionísio: haveria portanto uma aproximação entre a mitologia e a história, a ideal religioso e o filosófico que não estão distantes, muito pelo contrário.

      A ilha é tomada por várias tiranias que a partir de Siracusa espalham-se e cabe a Corinto salvá-la. Embaixadores são enviados e Timoleon é o general escolhido para defender a liberdade na terra da deusa mãe que morta precisa ressuscitar, receber novamente o espírito da liberdade. O sopro, espírito, pneuma (gr.), ruah (hebr.), deve aparecer de algum modo na Vida de Timoleon, de Plutarco de modo a unificar as duas histórias, mitologias. E aparece na conclusão explicando as obras de Timoleon no cap., paragr., XXXV seguindo a citação:

               “Desenraizou pois Timoleon as tiranias e deu fim às guerras... a ilha tornou-se aprazível e Agrigento e Gela repovoaram-se e antigos cidadãos voltaram. Assim buscando não somente segurança e repouso depois de tais agitações, aos que nela se estabeleciam mas proporcionando muitas outras coisas e dando-lhes alento foi de seus cidadãos visto e venerado como fundador. O mesmo era o sentimento de todos em relação a ele e nem no término de uma guerra nem na formação de uma lei nem no estabelecimento de uma colônia nem uma ordenação de um governo parecia ter-se acertado se ele não intervinha e se como aperfeiçoador de uma obra não contribuía a adorná-la somando certa graça que sobressai e como que divina.” 

             Plutarco portanto está ciente do paralelismo e em negrito vemos a comparação com Vayu justamente o alento, sopro, vento, espírito que na carta aos Coríntios, s. Paulo tanto ressalta junto com a ideia de hierarquia que em várias camadas, de-graus, níveis, ranks, estratos, carismas, sacramentos e virtudes formam o corpo, humano também, imagem da Igreja. Tanto Plutarco quanto s. Paulo, contemporâneos e conterrâneos, porque escreveram em grego, têm consciência de Corinto e sua história. Segue a citação de s. Paulo nas suas cartas aos Coríntios para entendermos a ideia de espírito em questão:

          3,16s  Não sabeis que sois um templo de Deus e que o espírito de Deus habita em vós ?  Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo e este templo sois vós.   

          6,19s  Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do E.S. (Espírito Santo) que está em vós e que recebestes de Deus ? ... e que portanto não pertenceis a vós mesmos ?  Alguém pagou alto preço pelo vosso resgaste; glorificai portanto a Deus em vosso corpo. // em 7,23. 

         12,4s  Há diversidade de dons mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministérios mas o Senhor é o mesmo ; diversos modos de ação mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um o Espírito dá mensagem de sabedoria, a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda o dom de as interpretar. Mas é o único e mesmo Espírito que isso tudo realiza, distribuindo a cada um os seus dons, conforme lhe apraz.  Com efeito o corpo é um e não obstante tem muitos membros mas todos os membros do corpo apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim acontece com Cristo. Pois fomos todos batizados num só Espírito para ser um só corpo, judeus e gregos, escravos e livres e todos bebemos de um só Espírito. O corpo não se compõe de um só membro mas de muitos. Se o pé disser: ‘Mão eu não sou logo não pertenço ao corpo’ nem assim deixará de fazer parte do corpo. E se a orelha disser: “Olho eu não sou logo não pertenço ao corpo’ nem assim deixará de fazer parte do corpo. Se o corpo todo fosse olho onde estaria a audição? Se fosse todo ouvido onde estaria o olfato? Mas Deus dispôs cada um dos membros do corpo segundo a sua vontade. Se o conjunto fosse um só membro, onde estaria o corpo?   Há portanto muitos membros mas um só corpo. Não pode o olho dizer à mão: ‘Não preciso de ti’; nem tampouco pode a cabeça dizer aos pés: ‘Não preciso de vós’. (...) Ora vós sois o corpo de Cristo e sois os seus membros, cada um por sua parte. E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, doutores Vem a seguir os dons dos milagres, das curas, das assistências, do governo e o de falar diversas línguas. Porventura são todos apóstolos? Todos profetas? Todos doutores? Todos realizam milagres? Todos têm o dom de curar? Todos falam línguas? Todos as interpretam? ”.  (segue hino à Caridade).

      Na segunda carta aos Coríntios 3,17 há mais : “Pois o Senhor é o Espírito e onde se acha o Espírito do Senhor aí está a liberdade.” 

                  A linha que por dentro de todas as contas, as mantêm unidas em um colar, o sopro vital em suas diferentes fases que listamos acima, tem sua analogia com os diferentes níveis que constituem a Igreja, em que a imagem do Barco, Nave, também se inclui com seus diferentes membros constituindo esta hierarquia. Ou como n’ Arca de Noé o mundo mesmo em seus três andares, níveis, degraus. A mesma disputa entre as partes do corpo que s.Paulo ressalta aparece nos Upanishads entre os sentidos e o sopro, prana, para saber quem é o principal.        

                Esta insistência de falar sobre o Espírito aos Coríntios é porque a cidade é de Eólo, o vento, Sísifo seu filho, Belerofonte seu neto: na acrópole de Corinto como em outras da região, havia a ‘hipocrene’, fonte, rio nascido, dos pés de Pégaso o cavalo alado, nela Atena o domesticou e selou. O castigo mesmo, famoso, de Sísifo é imposto como pena por ter esta água abundante regando sua cidade. Esta fonte chama Peirene de onde a etimologia da palavra ‘perene’ posto que ainda hoje àgua jorra e flui das ruínas desta cidade grega. Na Samaria a samaritana junto ao poço de Iacó pede a IHS que lhe dê àgua viva e IHS lhe diz em resposta: ‘Deus é espírito’.

             Dá para fazer o paralelo Iesus / Iason (Jesus / Jasão), onde a nave Argos com todos os heróis gregos, Heracles incluso, seria a Igreja, Barco, Nave.  Nela estava o velocino, tosão, pele do carneiro de ouro que levou, salvou, voando pelos ares, Frixus e Helles, caindo esta última no mar justamente no Helles-ponto, Frixus chegando e sacrificando o carneiro na Media, terra da Medeia que volta junto levando o velocino de ouro com a nave Argo; volta com todos do oriente para o ocidente. Os coríntios, a quem s.Paulo prega, têm esta mitologia na cabeça, nas estátuas, nas histórias. 

              A ideia é de que os ventos, sopros, vayus, com Prana como sopro chefe, formam a fisiologia humana, as partes do sopro, segundo a ciência antiga. Nesta mesma ciência antiga, este prana, espírito, segundo os oito acessórios da Yoga (oito partes, oito faculdades, oito membros) deve ser controlado, direcionado, para que a mente entre em samadhi, transe: desde já, àgua que jorra, dos pés de Pégaso ou do poço de Iacó / Iaco.

         No Yoga Sutras de Patañjali temos em seu capítulo primeiro a dissertação sobre isto, qual seja, o estado de transe, samadhi, que permite à mente entender, compreender todos os níveis da realidade, estado que necessariamente deve ser atingido para a realização, a libertação, a iluminação, a meta desta ciência antiga. Esta ciência não é necessariamente experimental, empírica, materialista, mas é essencialmente espiritual: a meta do conhecimento não é uma realização material, experimental e daí existente mas realiza-se espiritualmente.

        Os oito acessórios, membros, partes, faculdades, da Yoga são: yama, nyama, asana, pranayama, pratyahara, dharana, dhyana, samadhi : os cinco primeiros exteriores e os três últimos interiores compondo uma unidade, os três últimos, chamada samyama : concentração, meditação e transe (ou contemplação) respectivamente.  

            Yama é restrição: não matar, não roubar, não mentir, não cobiçar.

           Nyama é observância, de limpeza, contentamento, purificação, estudo e ‘fazer do Senhor o motivo de todas as ações’ ‘samadhi siddhi Ishvara pranidhanat’ a consecução do transe fazendo do Senhor o motivo de todas as ações (II, 45) - os outros membros acessórios, partes, não ficam inúteis, sem uso, com o transe atingido mas ‘a mesma coalhada que serve ao ser humano serve também ao sacrifício’ significando isto que os outros acessórios são condições e preparativos para esta consecução.

            Asana é postura, as posturas da hatha yoga que todos fazem; ‘postura é quando não há mais movimento do corpo e assim cessa a perturbação dos pares de opostos’ frio e calor, tristeza e alegria, etc.

          Pranayama é o controle da respiração; tatah ksiyate prakasa avaranam então é destruído o que cobre a luz (II,52) – ‘pelo panorama máyaco do desejo, a Essência, que é luminosa por natureza, é coberta, e o mesmo é direcionado para o vicio’, com pranayama, esta cobertura, véu, é destruída. Dharanasu cha yogyata manasah, e a aptidão da mente para a concentração (II,53).

          Pratyahara/Abstração é aquela pela qual os sentidos não entram em contato com seus objetos e seguem a natureza da mente (II,54).

          Dharana/Concentração é a permanência da mente, Desah-bandhah Chittasya Dharana (III,1), ‘Concentração significa a mente tornar-se ligada em tais lugares como a esfera do umbigo, a lótus do coração, a luz no cérebro, a ponta do nariz, a ponta da língua, e outras tais partes do corpo’. Mas a permanência pode ser também estar ligada no monossílabo sagrado que é o nome de Deus mesmo, AUM ou em outro tema de concentração.

          Dhyana/Meditação é a continuação do esforço mental para entender, Tatra pratyaya ekatanata dhyanam (III,2), ‘meditação é a continuidade, i.e., o fluxo imutável, do esforço mental para entender o objeto de meditação’ – vemos aqui nossa água que corre, flui, contínua, em uma direção única, ekatanata.

         Samadhi/Contemplação ‘o mesmo quando brilhando com a luz do objeto apenas e destituído, como se fosse, de si mesmo’ (III,3) - é o transe. ‘Treta ekatra samyamah, os três juntos são samyama’ (III,4) – concentração, meditação e transe. ‘Tad jayat prajña lokah, atingindo isto vem a visibilidade do conhecimento’ (III,5) atingindo este samyama vem a visibilidade do conhecimento-em-transe. Este samyama, que vemos aqui confunde-se com prajña, é o fluxo imperturbável, imutável, o transe água viva.

       ‘Vayu dotado com as oito glórias’, conforme vimos acima na citação do Shiva purana, seria então Vayu dotado com estes oito acessórios, partes, membros. 

         De djhanas e samadhi, Buddha fala bastante nos Nikayas todos (diga-se de passagem, traduzidos para o português por Michael Beisert e acessível gratuitamente em acessoaoinsight.net na internet que junto com os Jatakas, vidas passadas de Buddha em vidasdebuddha.blogspot.com compõe bastante texto canônico buddhista gratuito, livre, de graça, na rede: nada custa). E a descrição tanto de Buddha quanto de Patañjali, é de um fluxo imperturbável, fluxo imutável, qual água que flui. 

        Em Chandogya Upanishad VII,1: “Apesar do mundo estar amarrado apertado por todos os lados pelos fortes laços do desejo que são paradoxalmente tão delicados quanto as fibras de caule de lótus, é ao mesmo tempo seguro e suportado por Prana que é não apenas imanente no mundo como uma linha em contas mas  também o envolve por fora. É este Prana que é conhecido  como Prajñatma por conta da suposta identificação da upadhi de prana como prajña com o Atman ...”.

Texto que comprova nossa tese de aproximar prana e prajña. 

          Recorrendo a Ananda Coomaraswamy, o grande historiador da primeira metade do séc. XX, temos: “No Rig-Veda o ato da criação é referido sob nenhum aspecto mais fundamental do que aquele da soltura das Águas (apah) que foram confinadas dentro de profundezas ocas (kha) da rocha ou Montanha (asmi, adri, budhna, himavat) onde Vrtra as segura. Quando as Águas são figurativamente chamadas de Vacas, então a Montanha é o curral de pedra no qual elas estão aprisionadas. A soltura, libertação, das Águas ou das Vacas é também o Encontro da Luz Escondida. A Rocha é do mesmo modo o lugar de nascimento de Agni (RV II,12,3) e deste lugar ele consegue seus cavalos ctônicos (budhnya) e outros tesouros (RV VII,6,7 e X,8,3). O poço inexaurível, aí, jorra o Rio da Vida, Saraswati...” (cf. Rig Veda I,56,5 ; I,62,3 ; I,130,3 ; II,12,3 ; II,15,3 ; IV,3,11 ; V,41,12 ; X,89,4 ; X,113,4). “Se fosse necessário justificar a designação de Saraswati ou as vezes Asmanvati (obviamente um nome essencial da corrente, fluxo, que flui da Rocha, asmano hy apah prabhavanti, SB, IX,1,2,4 = srnvantu apah...adreh RV V,41,12), como o Rio da Vida (ou no plural quando as sete irmãs são mencionadas) pode haver referência a tais expressões como ‘ as Águas molharam (ensoparam)(sarayanta) as terras gastas (dhanvani), RV IV,17,2 – o tema do Graal – e mais especificamente ‘A ti, Saraswati, angélica, pertence toda vida angélica, conceda-nos progênie ( toc visva... RV II,41,17); novamente a qualidade da maternidade é constantemente atribuída a todos ou qualquer dos ‘Rios’.” (pg 118).  Imagem da criação e a libertação do rio da vida junto da árvore da vida.

              Mais adiante o mesmo autor diz : “A palavra ‘giri’ (A.A.II,1,8) traduzida acima por ‘garganta’(n.) leva a si mesma a uma exegese mais ampla. Keith a traduz por ‘lugar de esconder’ (de Brahma) e em uma nota diz muito acertadamente que ‘é chamado ‘giri’ porque ‘prana’ está engolido e escondido pelos outros sentidos’

(nota: Os ‘outros sentidos’ (vista, ouvido, etc.) identificados com o giri de Brahma são extensões ou envios, remessas, (Mund. Up. II,1,8 ; Kaus. Up. III,5) do Sopro central (pranah) ou espírito (atman) do qual eles se originam e para o qual eles retornam...). Em uma nota em A.A. II, 2,1, ele adiciona, ‘O sol e prana são usualmente identificados, um sendo a representação ‘adhidaivatam’, o outro a ‘adhyatman’. O primeiro atrai a visão, o último impele o corpo’. É de fato dentro de nós que a deidade está ‘escondida’ (...) lá que o Védico ‘rsayah’ buscado pelos seus rastros, lá no coração que o ‘Sol escondido’ (...) é para ser ‘encontrado’, ‘pois este em nós mesmos está escondido (...) estas deidades (os sopros); (...) com ‘giri’ (radical gir, ‘engolir’) comparar ‘grha’ (radical grah, ‘agarrar’); ambos implicam lugares fechados, refúgios, um ser dentro de alguma coisa. Ao mesmo tempo ‘giri’ é ‘montanha’; e ‘garta’ (da mesma raiz) ambos ‘assento’ e ‘grave’ (túmulo)( pode-se ser engolido por ambos). As semânticas são paralelas no ger. Berg, ‘montanha’ e seus cognatos Eng. barrow, (1) monte e (2) ‘monte fúnebre’, ‘burgh’ cidade, ‘borough’ e finalmente ‘bury’ ; cf. Skr. Stupa, (1) cume, elevação e (2) monte fúnebre. Nós somos então, a ‘montanha’ na qual deus está ‘enterrado’ justo como numa igreja ou stupa e o mundo mesmo, são Seu túmulo e a ‘caverna’ (nota grande sobre os poderes da alma enterrados qual branca de neve e os sete anões) na qual Ele desce para nosso despertar (MU II, 6). O que tudo isto leva a ter em mente, que ambos os Maruts e os brotos de Soma são equacionados com os ‘sopros’ (SB IX,3,1,7 etc), é a probabilidade que giri no Rigveda apesar de traduzível por ‘montanha’ é realmente antes ‘caverna’ (guha) que ‘montanha’ e ‘giristha’ ‘na montanha’ antes de sobre ela...” (pg. 385s).  

       Temos, portanto, estabelecida que a imagem d’água que jorra do monte, livre, de presa, contida, que estava, é imagem do ser humano atingindo o transe enstático, extático, chamado também de insight místico, samyama, samadhi, após o controle da respiração e da abstração dos sentidos, pranayama e pratyahara respectivamente. E assim o fluir do rio Saraswati, o fluir da contemplação, da meditação.

        A citação do Shiva Purana acima diz que Vayu ‘nasce de Akasha’. Este último seria o quinto elemento, o éter, ou espaço, comum na cosmologia oriental e ocidental síntese de todos os elementos.  Novamente recorramos a Ananda Coomaraswamy para entendermos o que é esta origem do sopro, espírito, no éter - segue a citação:

                “Kha, do grego Khaos, é geralmente ‘cavidade’ e no Rigveda particularmente o buraco no cubo da roda através do qual o eixo roda (Monier-Willians). A.N. Singh mostrou conclusivamente que no uso matemático Indiano, corrente durante os primeiros séculos do Cristianismo, ‘kha’ significa ‘zero’; Suryadeva, comentando sobre Aryabhata, diz que, ‘os ‘khas’ referem-se a vazios (khani sunya upa laksitam)... assim Khadvinake entende os dezoito lugares explicados por zeros’. Entre outras palavras que denotam zero estão sunya, akasha, vyoma, antariksha, nabha, ananta e purna. Somos imediatamente atingidos pelo fato que as palavras sunya, ‘vazio’ e purna, ‘plenum’, tem uma mesma referência; a implicação sendo que todos os números estão virtualmente ou potencialmente naquilo que é sem número; expressando isto como uma equação temos que 0 = x-x, é aparente que zero está para número como possibilidade está para atualidade. Novamente, o emprego o termo ‘ananta’ com a mesma referência implica uma identificação do zero com infinito; o começo de todas as séries sendo assim o mesmo que seu fim. Esta ideia última, devemos observa, encontra-se já na literatura metafísica antiga, por exemplo, RV IV, 1,1, onde Agni é descrito como ‘escondendo ambos os seus fins, términos’ (‘guhamano anta’); AB, III,43, ‘o Agnistoma é como uma roda de charrete, sem fim (‘ananta’)’ ; JUB, I,35,’O Ano é sem fim (‘ananta’), seus dois términos (‘anta’) são Inverno e Primavera... assim também o canto é sem fim (‘anantam saman’).” (pg 249)

   Mais adiante o mesmo autor continua : “O cubo da roda então, ‘kha’ ou ‘nabli’, da roda do mundo é visto como receptáculo ou fonte de toda ordem, ideias formadoras e bens : por exemplo, II,28,5, rdhyama te varuna khan rtasya, ‘possamos, Ó Varuna, ganhar o teu eixo, cubo, da Lei’ ; VIII, 41,6 onde Trita Aptya ‘todos os oráculos (kavya) estão colocados como que no cubo dentro da roda (‘cakre nablir iva’)’; IV,28, onde Indra abre os cubos ou rochas fechados ou escondidos (apihita...khani no verso 1, apihitam asna no verso 5) e assim liberta os Sete Rios da Vida. Em V,32,1, quebra e abre a Fonte da Vida (‘utsam’), isto é novamente um esvaziamento para fora dos vazios (‘khani’) onde os dilúvios encadeados são libertados. De acordo com uma formulação alternativa, todas as coisas são pensadas ‘ante principium’ como fechadas dentro e ‘in principio’ como procedendo de, um chão comum, rocha ou montanha (budhna, adri, parvata, etc) : este chão, é pensado como uma ilha descansando dentro do mar indiferenciado da possibilidade universal (X,89,4...). Isto significa que a priori espaço não dimensionado (kha, akasha,etc) está na base e é a mãe do ponto, antes deste último ter uma origem independente; e isto de acordo com a ordem lógica de pensamento, que procede da potencialidade ao ato, do não ser para o ser. Este chão ou ponto é, de fato, a ‘rocha das idades’ (asmany anante, I,130,3; acyutam, VI, 17,5). Aqui ‘ante principium’ Agni descansa oculto (guhan santam, I, 141,3,etc) como Ahi Budhnya, ‘no chão do espaço, escondendo ambos seus términos’...”. (pg 252).

            Outra referência, desta vez dos Upanishads, BU (Brhradanyaka Upanishad) III,7s quando Yajñavalkya (o grande autor do Satapatha Brahmana) responde a Uddalaka Aruni conhecido como Gautama. Segue a citação:

                        “Certa vez, o Gandharva questionou Patañcala se ele conhecia bem aquele Sutra (Linha) que segura todos os seres e todos seus nascimentos presente e futuro, como uma linha que mantem juntas as contas de uma guirlanda. ‘Não senhor, não conheço este sutra’ respondeu o kapya. (...) ‘Vayu é este Sutra; pois por seu poder são seguros todos os seres e seus nascimentos. Daí porque, Ó Gautama, quando uma pessoa morre, isto é, quando Vayu a deixa, todos seus membros se tornam sem força. Sendo sutil igual akasha, ele é o suporte da terra e dos outros seres: ele é mesmo o ‘Lingadeha’, o corpo sutil consistindo dos cinco elementos, dez órgãos dos sentidos, prana e antahkarana; resumindo ele consiste em ambos o cosmos e o acosmos. (...). Há, Ó Yajñavalkya, o mundo celestial acima na parte de cima do hemisfério qual ovo que forma este universo; abaixo no hemisfério inferior deste há a terra; e entre as duas metades há a região intermediária. Agora, diga-me o que é aquilo no qual tudo que está acima, abaixo e no meio assim como também tudo que aconteceu no passado, está acontecendo no presente e acontecerá no futuro está inteiramente contido’. Yajñavalkya respondeu, ‘Tudo isto que você descreveu, Ó Gargi, não é outro que o Sutra sobre o qual já te falei. Como a terra n’água, ele está contido no não manifesto Akasha e reside lá apenas, durante todos os três tempos, isto é durante os períodos de originação, continuação e dissolução.’”.

                 Em IV,1 e 3 continua: “Prana significa portanto que a divindade de Vayu (vento) é o corpo de pranas (órgãos dos sentidos) e que akasha é o suporte dele.” E segue uma bela passagem sobre samsara: “Consistente com isto, foi então explicado que justo como as aparências de uma serpente, uma miragem e da prata estão super impostas a corda, ao deserto e à concha, respectivamente, do mesmo modo o conjunto do samsara está super imposto ao Atman por conta das upadhis do antahkarana, etc, devido à ignorância.”       

              Há ainda uma última citação em CU (Chandogya Upanishad) IV,10 :

      “Então aproximando-se Upakosala, lhe disseram que Prana é Brahman, ‘ka’ é Brahman e ‘kha’ é Brahman. (...) ‘ka’ significa felicidade que dura apenas por um momento e ‘kha’ que significa akasha é um elemento inconsciente. (...) justo como o adjetivo ‘azul’ na frase ‘lótus azul’ exclui todas as lótus vermelhas, assim ‘kha’ como adjetivo de ‘ka’ exclui outros tipos de felicidade que são causadas pelo contato da mente com os sentidos e seus objetos. Portanto entenda que o que chamamos de ‘kha’ é o mesmo que ‘ka’. Do mesmo modo quando ‘ka’ (felicidade) se torna o adjetivo de ‘kha’ (akasha) ele exclui o akasha inconsciente do conteúdo de ‘kha’. Isto significa que quando a felicidade está alojada no (não consciente) akasha, ela é Brahman; ou, o que é a mesma coisa, quando o não elemento, não inconsciente akasha (kha) é suportado por felicidade (ka) ele é Brahman. Aqui pode-se dizer que se ambas as afirmações significam uma e a mesma coisa, uma delas apenas “ou ‘ka é kha’ ou ‘kha é ka’” será suficiente. A outra afirmação é supérflua. Mas, como é demonstrado acima, devemos excluir portanto ambos os prazeres sensíveis empíricos assim como o akasha inconsciente (...)”.   No Grego mantem-se a comparação pois Chaos, espaço escancarado (que em latim fará hio, de onde hiato), boquiaberto, abismo, também significa nobre, venerável, formando o radical de Chara, alegria, prazer, de onde vem Chariatides e a Caridade mesma.  

                    Ainda em Yoga sutras III,40 é dito que em akasha reside todos os poderes de escutar e todos os sons e a ausência de obstrução é uma indicação também de akasha, que é provado a tudo penetrar, tudo permear.

           

                  Este processo fisiológico e espiritual estaria contido dentro da Vida de Timoleon de Plutarco que teria consciência do paralelismo com o deus védico Vayu chamando a ambos de alento, apropriadamente, como vimos antes. A linha, sutra que junta todas as contas de uma guirlanda, colar, aparece de algum modo? Sim aparece. Primeiro no capítulo VIII quando vemos as sacerdotisas de Prosérpina/Perséfone seguindo a expedição em um barco próprio só delas. À noite rasga-se o céu e aparece sobre a nave principal uma grande coluna de fogo resplendente e que se fixou no ponto da Itália para onde se dirigiam, levantada uma tocha, qual dos mistérios e seguindo o mesmo curso, o fogo do céu indicando que as deusas protegiam a expedição.  A coluna de fogo é a linha, sutra, que atravessa toda a realidade do corpo, mundo, sendo o princípio/fim de todas as coisas. A mesma coluna não guiava Israel/Iacó/Iaco pelo deserto?  

      A segunda vez que aparece a linha é no capítulo XII logo em seguida quando já desembarcados em Adrano acontece das armas do templo da cidade se mexerem sozinhas e a estátua onde elas se apoiavam suar, soltar suor, automatismo atribuído a estátuas e armas comum na antiguidade; o automatismo aconteceu quando Timoleon correndo, junto com os seus, para enfrentar o inimigo, ao invés de parar para descansar abraça o escudo e continua a correr sem descansar e ganha a batalha por isto. É o Prana principal, o sopro primeiro seguido dos outros sopros em seguida: o abraçar o escudo no peito, na região da caixa toráxica indica isto. O automatismo é a linha: Pinóquio de Collodi divulgou o tema: somos marionetes manipuladas por Deus. Uma linha nos puxa para cima e por ela somos arrastados a fazer a vontade de Deus.

       No capítulo XI anterior temos uma imagem de akasha, o suporte do sopro, o princípio/fim de todas as coisas: a palma da mão para cima é o princípio, começo, origem, enquanto a palma da mão para baixo é o fim, término, destruição. Um cartaginês ameaça Andrômaco, aliado dos gregos, com estes gestos das mãos mas nada consegue. A imagem é a mesma dos Upanishads na citação de Yajñavalkia com o Ovo em seus dois hemisférios superior e inferior e uma região intermédia - céu, terra e atmosfera – akasha, o éter, o espaço, estaria por dentro e por fora, antes e depois do surgimento do mundo, ovo.  

      Outras imagens do akasha, éter, aparecerão como no capítulo XVI quando em Adrano em um sacrifício num templo, dois inimigos o querem assassinar mas um deles é morto por um terceiro e o vivo conta tudo: “maravilharam-se com a destreza com que a Fortuna move umas coisas por meio de outras e reunindo-as e combinando a todas, desde longe se serve das que parecem mais distantes e não tem nada de comum entre si, fazendo com que o fim de umas seja o princípio de outras.” Então foi considerado homem sagrado que realizava a vontade dos deuses, vingador da Sicília. O que prova que o que fizeram a Dion e sua família está na mente do Povo, sua morte e ressurreição qual outro Dionisos, morte da liberdade destruída, sufocada e apagada pela tirania. 

          Os capítulos de XIII-XV tratam do destino de Dionisio, o jovem que fica do lado dos gregos e de Timoleon, entregando a acrópole para os coríntios enquanto os cartagineses ficam com a cidade baixa. Dionisio vai para Corinto e fica vivendo numa taberna como a mais simples das pessoas simples: fala-se então muito da roda da fortuna que eleva as pessoas para o mais alto e depois as faz descer para o mais baixo. Seria um dos sopros com o pessoal da acrópole e os que chegam de barco formando outro sopro (capítulos XVII-XIX).

         A tomada da Siracusa é um passeio em que se vê a falta de obstáculo que caracteriza o akasha e sua permeabilidade, tudo permeando, por fora e por dentro, conforme as referências anteriores – segue citação do capítulo XXI : “Timoleon se apresenta dia seguinte e dividido em três partes o exército, ocupa Siracusa; de maneira que quando em Corinto se duvidava se a armada havia aportado, no mesmo momento receberam a notícia da chegada e da vitória; tão prosperamente ocorreram os sucessos e tanto se agradou a fortuna em somar a presteza ao brilhantismo daquelas façanhas.” 

          No capítulo anterior, XX, temos o último sopro, samana, da digestão, quando em trégua e paz nas belas praias de Siracusa soldados gregos de ambos os lados pescam enguias e comem juntos, colocando dúvidas em Magón cartaginês, este foge sem lutar: quando chega em Cartago o crucificam. 

         No XXII-XXIV vemos que Siracusa então está uma ‘terra gasta’, desolada pelas construções dos tiranos e por suas estátuas; diz-se então que a queda de Dion foi por ter preservado ambos, razão de seu insucesso enquanto Timoleon chama os siracusanos para as destruírem, aplanarem e levantarem prédios públicos significando que a liberdade está acima do despotismo, com as estátuas sendo julgadas e leiloadas. A praça pública então está tomada de animais selvagens de tão abandonada que estava – é esta terra que será tomada pelo rio da vida que sai da árvore da vida no meio do monte da vida. O repovoamento a partir de Corinto é anunciado por toda a Grécia e Ásia terminando com as tiranias na Sicília e com os tiranos indo para a metrópole Corinto.  Aqui estamos na abstração e na concentração prontos para entrar em samadhi, transe, samyama e em seu fluxo imutável, o que acontece nos capítulos seguintes.

             No capítulo XXV alguma passagem de Plutarco indica que Timoleon está fora de si neste momento, entrando em transe, em samadhi, em samyama? Sim, Plutarco diz que dizia-se que Timoleon delirava. Os cartagineses vieram em massa com um exército de 70.000 infantes, cartagineses, é dito, de Amílcar e Asdrúbal, chegam junto do rio Cremiso/Crimeso e trava-se a batalha com Timoleon saindo de Siracusa com apenas 5.000 infantes e o general tinha então 70 anos: estava doido? Perdeu os sentidos? Está fora de si? Entrou em transe?

            No XXVI acontece então o episódio d’Árvore da vida: “Subiam um monte, do alto do qual veria-se os inimigos, quando encontraram um carreto de aipos / salsão. Os soldados acharam mal sinal, pelo uso de coroar por piedade os monumentos dos mortos com aipo e daí o provérbio de quem está gravemente enfermo que está pedindo aipo. Querendo pois afastá-los de semelhante superstição e dissipar sua desconfiança, parando a marcha falou Timoleon: “Que antes da vitória a coroa lhes vinha por si mesma às mãos deles porque os coríntios coroam com aipo àqueles que vencem nos Jogos Ístmicos, tendo esta planta por uma insígnia sagrada e própria de seu país.” Pois então era de aipo a coroa dos jogos Ístmicos como agora o é a dos nemeos (de Nemeia) e não muito antes havia sido de pinho.” Todos os soldados então se coroam e aparecem duas águias, uma segurando uma serpente e outra gritava alto. Imagem de dhyana, jhana, meditação,  com a coroa sagrada na cabeça justificando plenamente a tese. 

       Segue capítulo XXVII onde a nata dos cartagineses em brancos escudos e armaduras atravessam em carros o rio, compacta, unida e os estrangeiros das demais nações, empreendiam a passagem em desordem e confusão. Mirou os inimigos divididos pelo rio e dividiu o exército mas deu uma parada e gritou muito alto para acertar o ataque “pareceu que sua voz foi mais forte e penetrante que de ordinário bem fosse porque naquele conflito e naquele calor se acrescentasse efetivamente a voz ou porque algum gênio, segundo então muitos o creram, o ajudasse a gritar e gritasse com ele”.  Esta aparição do som duas vezes seguidas (neste grito e com àguia) é explicada por A. Coomaraswamy : “As inumeráveis alusões Védicas à descoberta do Sol ou Fogo, perdido nas Águas, nas Profundezas (guha) ou na Escuridão (tamas) – e.g. Rgveda V,40,6 – se referem primariamente ao escurecimento da Luz antecedente à Aurora de um ciclo-do-mundo e à descoberta desta Luz por meio de hinos ou ritos cantados ou realizados por Anjos ou homens. Naturalmente ritos análogos são realizados e os mesmos hinos são cantados aurora de cada dia, ou durante um eclipse para o retorno da luz escondida. Não se deve deixar de ver que as Águas, as Profundezas e a Escuridão são também as Profundezas do Coração e que para aquele que entende os mesmos hinos e ritos são meios para a visão interior daquele Sol Superno do qual o brilho e a escuridão são sem sucessão nem sujeitas a qualquer acidente do tempo (pg 91).”  Soma-se a  isto a proximidade de akasha com o som com vimos no Yoga sutras.  

           Segue a imagem do transe, samadhi, no capítulo XXVIII:

     “Aos golpes de lança aguentaram bem as couraças de ferro e os escudos largos mas depois na luta com espada, o peso que os cartagineses carregavam os fizeram afundar n’água porque passa a chover torrencialmente e na cara dos cartagineses e nas costas dos gregos, relâmpagos sem fim, granizos, estrondos nos céus e nas armas, vento, chuva espessa, muito barulho não se escuta as ordens, os cartagineses pesados e os gregos lisos e rápidos, os primeiros se caíam era impossível se levantar da muita lama. O rio enche e transborda. Morreu muito cartaginês e não líbio, númida ou espanhol: a batalha que mais cartagineses morreram.”  

           No capítulo XXIX fala-se da distinção dos vencidos: poucos despojos de ferro e bronze e muito despojo de ouro e prata! Eis o tesouro escondido e liberado. As couraças mais bonitas foram enviadas para Corinto.

              No capítulo XXXVI (depois do XXXV com a conclusão em que aparece Timoleon como alento) temos a comparação com Pelópidas, Agesilao e Epaminondas, generalatos com dificuldades e esforços e o de Timoleon com facilidade e esplendor adicionados. “Edificou ao lado de sua casa um templo ao Khaos (Acaso, igual a akasha e encontrando neste a sua real explicação)(sucesso imprevisto) em que fez sacrifício e à casa mesma a consagrou ao gênio.” Ficou em Siracusa com a família e foi feliz para sempre. Logo depois esta cidade produziria Arquimedes, o grande cientista.

             Yama e Nyama apareceriam nos capítulos III-VI onde se conta como Timoleon tinha um irmão tirânico ao qual ele salva numa guerra protegendo-o com seu corpo e este mesmo irmão ao não largar a tirania é morto por Timoleon o que faz com que a família e a mãe lhe fechem as portas e assim “vive anos em lugares solitários passando uma vida infeliz e inquieta nas mais desertas solidões”, o que indica a purificação e limpeza de modo que diz Plutarco : “Desta maneira se os juízos não dominam as ações, tomando segurança e força da razão e da filosofia, flutuam e são facilmente transtornados por qualquer elogio ou repreensão, destituídos do fundamento do discurso, razão, próprio.” que seria o estudo. É então que ocorre sua indicação no meio da assembleia “inspirada quiçá por algum deus.” Neste momento Plutarco compara Timoleon com Focion ateniense e com Aristides locrio nesta luta solitária para manter a razão e a liberdade.

 

Bibliografia 

Plutarco, Vida de Timoleon, em Vidas Paralelas, tradução de Antonio Sanz

            Romanillos, Jose Ortiz y Sanz e Jose M. Riaño, Aguilar, Madri, 1973.

Ananda Coomaraswamy, Perceptions of The Vedas, Manohar & IGNCA, New    

             Delhi, Índia, 2000.

Shiva Purana, vol.4, Motilal Barnasidass Publishers, Delhi, 1970, Índia.

Patañjali, Yoga Sutras, com comentário de Vyasa e glosa de Vachaspati Misra  

            traduzido por Rama Prasada e introdução de Rai Bahadur Srisa Chandra  

            Vasu, MMPublishers, 1.a edição 1912, 3.a 1982, New Delhi, Índia.

V.H.Date, Upanishads Retold, MMPublishers, 2 vol., New Delhi, Índia,1999.

René Guénon, L’Homme et son devenir selon le Vedanta, Ed. Traditionneles, Paris,

                   1984.

A Bíblia de Jerusalém, Paulus, SP, 1985.

Pausanias, Guide to Greece, 2vol, trad. Peter Levi, Penguin Books, London,

                      England, 1979.