quarta-feira, 20 de setembro de 2017

[ n. do tr.: Nícias = Shiva ]


                             Plutarco Védico 
      ( isbn 978-85-906438-0-7 ; à venda no Kindle )

Nícias = Shiva

Nícias fez a Paz ; a paz de Nícias ficou famosa para sempre, paz política em sentido amplo posto que sua ‘Vida de Nícias’ de Plutarco espanta-se no começo e no fim com o fato de ter morrido na guerra ( a maior guerra que já houve de gregos contra gregos ) a qual foi contra todo tempo mas eleito pelo Povo para chefiá-la não o/a desobedece, às ordens da polis, república e acaba sacrificado. A imagem é a mesma do sacrifício de Daksha que exclui Shiva e acaba não realizando-se, destruindo-se por completo antes de acontecer. Os paralelos entre Plutarco e os Puranas são vários.

Vejamos o capítulo V da Vida de Nícias de Plutarco : “Vivendo sempre com temor dos caluniadores não jantava, ceiava, com nenhum dos cidadãos, nem tratava com eles, nem assistia suas ordinárias recreações ; em uma palavra : não gostava de semelhantes passatempos, antes, quando era arconte, permanecia no consistório até a noite e do Senado era o último a sair, sendo o primeiro a entrar ; e quando não tinha negócio público algum, não recebia ninguém nem saía para ser visto, sempre quieto e fechado em casa. Seus amigos recebiam aos que vinham para falar-lhe, lhes pediam desculpas porque estava ocupado em negócios públicos de grande urgência e importância. Aquele que principalmente representava esta farsa e mostrava grande interesse em conciliar-lhe autoridade e opinião, era Hierón que havia se exercitado na música e nas letras. Era filho de Dionísio, a quem apelidaram Calco e de quem se conservam ainda algumas poesias e que enviado comandante de uma colonia na Itália fundou a cidade de Turios ( atual Torre Brodognato ). Este pois tratava com os agoureiros da parte de Nícias na interpretação de prodígios e dos arcanos e fazia correr pelo Povo a voz que Nícias levava, apenas pelo bem da cidade / polis / república, uma vida infeliz e trabalhosa, pois nem no banho nem na mesa deixava de ocorrer-lhe assuntos graves, tendo abandonado os interesses próprios para cuidar dos do Povo ; tanto que nunca deitava senão quando os demais já tinham dormido o primeiro sono. De onde provinha estar sua saúde quebrantada e não ter gosto nem humor para conversar com seus amigos, tendo chegado a perdê-los pelos negócios públicos, junto com sua renda ; enquanto os demais, ganhando amigos e enriquecendo com as magistraturas, passam muito bem e se divertem no governo. E em realidade, de verdade, tal vinha a ser a vida de Nícias, pelo que ele mesmo se aplicou aquele epifonema de Agamemnon : ‘A majestade preside nossa vida ; mas da multidão somos escravos’.”

Há algo semelhante no Shiva Purana ? Há. Quando Kama, o desejo, a diversão, o cupido, dispara flechas para atingir o grande Yoguin em meditação ( Shiva é o pai da Yoga ) ( pg. 544 ) : seu terceiro olho abre-se e transforma Kama em cinzas com um fogo que depois dirige-se para o mar : daí o ritual de beber água do oceano. O terceiro olho prescrutando, intuindo, a realidade espiritual única do momento presente relaciona-se então com o entendimento dos ‘prodígios e arcanos’.

Por outro lado no Shiva Purana ( pg. 395 ) é dito “Sati e Shiva estão unidos juntos como palavras e seu significado. Apenas se desejarem pode sua separação
ser mesmo imaginada.” Sati é a oblação, a doação e devota de Shiva ; mas seu pai, Daksha, a seção sacrifical, exclui seu esposo da cerimônia, o quê causa a
destruição completa do sacrifício posto que Sati vai, mesmo sem ser convidada e diante da ignorância do pai, senta concentrada em meditação e auto imola-se, por força própria, sua energia mesma concentrada na respiração, coloca fogo em si mesma, incendeia-se em auto combustão, para renascer em outro ventre em seguida, ventre de Mena, deixando, largando, aquele corpo e seu pai.

Haveria uma tal separação da palavra e seu significado em Nícias ? Haveria no cap. VII e VIII que trata de Cleón, inimigo de Nícias que quer a guerra para mortificá-lo, diminuí-lo, ele que quer a paz. “Em verdade se fez notável dano a cidade deixando que adquirisse Cleón tanto crédito e poder, com o quê, tomando novo arrojo e ousadia insuportável, entre outros males que acarretou a república, ele fez destruir o decoro da tribuna, sendo o primeiro que nos discursos, arengas, gritou descompassadamente, se deixou aberto o manto, se golpeou as coxas e introduziu dar corridas estando falando ; no que engendrou nos que depois dele manejaram os negócios um absoluto esquecimento e desprezo de toda a dignidade ; causa principalíssima do transtorno e confusão que dali a pouco sobreveio à República.”

Haveria também no cap. XI onde se disserta sobre o fim do ostracismo : “Estavam Nícias e Alcebíades no mais forte de sua discórdia quando houve que tratar-se de desterrar pelo ostracismo segundo costume recebido de que em certo tempo devia o Povo mudar de país por dez anos a um dos que fossem suspeitos, ou por que causavam inveja por seu grande crédito ou por sua riqueza. Estavam ambos em grande agitação e perigo posto que não podia deixar de ser um dos dois a receber o desterro. Porque em Alcebíades vituperavam seu abandono de conduta e temiam sua ousadia e em Nícias, além de vê-lo com inveja por causa de sua riqueza, culpavam o ar pouco afável e popular, ou então intratável e oligárquico que o fazia parecer de outra espécie ; e como rejeitava muitas vezes os desejos do Povo, contradizendo seu modo de pensar, violentando-o de certa maneira, fazia o que acreditava conveniente, mas tornou-se para ele odioso. Em uma palavra : a contenda era dos jovens e amigos da guerra contra os anciãos e amantes da paz, querendo uns que a concha [ a célula eleitoral grega era uma concha ] caísse sobre este e os outros sobre aquele. ‘Mas se dois se altercam por uma honra, não é novidade que recaia sobre um terceiro.’ Também nesta ocasião dividido o Povo entre os dois, deu motivo a que se apresentasse na palestra homens sem vergonha e corrompidos, entre os quais Hipérbolo Peritoide, homem a quem não foi o poder que deu atrevimento mas por ser atrevido passou a ter poder, e de ter adquirido fama na cidade por sua afronta e infâmia. Este pois considerando-se muito distante do castigo das conchas quando o que verdadeiramente o que lhe cabia era um potro, esperava que caindo em qualquer daqueles, ele seria o rival do que ficasse ; assim se via bem as claras que se alegrava com a divisão e abertamente acalorava o Povo contra ambos. Inteirados Nícias e Alcibíades desta maldade, se puseram secretamente de acordo e juntando em um os dois partidos, conseguiram que o ostracismo não caísse em nenhum deles mas sobre Hipérbolo. No começo foi esta mudança matéria de diversão e riso para o Povo ; porém depois sentiram parecendo-lhes que aquele recurso se tinha desonrado, usando-o com um homem indigno pois tinha o ostracismo por uma pena que honrava e acreditavam que, se era castigo para Tucídides, Arístides e semelhantes, para Hipérbolo era uma honra e motivo de jactância que fosse tratado por sua maldade como haviam sido os varões mais excelentes ; segundo o que já disse Platón, o cômico, falando dele nestes versos : ‘Por sua maldade mereceu esta pena ; mas por sua qualidade, dela era indigno : porque não se inventou seguramente o ostracismo para um canalha tão ruim.’ Assim é que depois de Hipérbolo ninguém mais sofreu esta forma de desterro mas ele foi o último, tendo sido o primeiro Hiparco Colargueo, parente do tirano.”

Shiva Purana ( pg 380s ) há um discurso de Shiva sobre a piedade, devoção e desapego como princípios do conhecimento, em um diálogo com Sati, sua esposa :
12. Ó deusa Sati, escute, devo explicar o grande princípio em que criaturas com remorso tornam-se almas liberadas.
13. Ó grande deusa, saiba que o conhecimento perfeito é o grande princípio – a consciência que ‘sou Brahman’ no intelecto perfeito em que nada mais é lembrado.
14. Esta consciência é bem rara nos três mundos. Ó amada, sou Brahman, o maior dos maiores, e muito poucos são aqueles que conhecem minha real natureza.
15. Piedade, devoção é considerada doadora de prazeres e salvação. É alcançável pela graça. Ela é de nove tipos : escutar, elogiar, lembrar, servir, entregar-se, venerar, saudar, amizade e dedicação.
16. Não há diferença entre devoção e conhecimento perfeito. A pessoa que está absorvida em piedade goza felicidade perpétua. Conhecimento perfeito nunca desce numa pessoa viciada avessa à piedade.
17. Atraído pela devoção e como resultado de sua influência, Ó Deusa, vou mesmo nas casas dos outcasts e dos castas baixas. Não há nenhuma dúvida sobre isto. ...
36. Ó amada, assim a piedade com seus vários membros e auxiliares contribui para a salvação já que produz Desapego ( Vairagya ) e Conhecimento ( Jñana ) perfeitos. É o caminho mais excelente.
37. Uma piedade verdadeira é tão cara para mim quanto para você. Ela é produtora de frutos de todos os ritos para sempre. Aquele que tem isto em mente é um grande amigo meu.
38. Não há outro caminho tão fácil e agradável como a piedade, nos três mundos, Ó deusa dos devas, em todos os quatro Yugas de modo geral e no kaliyuga em particular.
39. Conhecimento ( Jñana ) e Desapego ( Vairagya ) ficaram velhos e perderam seu brilho no kali yuga. Decaíram e gastaram, passaram, já que as pessoas que os consegue perceber são raras.”

O capítulo III e IV da ‘Vida de Nícias’ de Plutarco disserta sobre sua piedade, devoção e desapego :
Enquanto Péricles administrou a cidade, estando dotado de uma virtude verdadeira e de uma poderosa eloquência, não teve necessidade de manhas ou de prestígio ; porém Nícias, que não tinha aqueles dons, abundando em bens da fortuna, com eles ganhava popularidade ; faltando-lhe disposição para rivalizar com a flexibilidade e as lisonjas de Cleón, conseguiu atrair com os coros, os espetáculos e com outros meios desta espécie, o favor do Povo, avantajando-se em magnificência e gosto a todos os de seu tempo e ainda a quantos o haviam precedido. Subsistem ainda das oferendas que fez, o Paládio da acrópole, tendo perdido o dourado, e o templete que se conserva no Templo de Baco entre os trípodes oferecidos em ocasiões iguais ; porque conduzindo coros venceu muitas vezes e em nenhuma foi vencido. Diz-se que em um destes coros apareceu representando no adorno a Baco,um escravo seu de bela disposição e figura, ainda imberbe, e que, tendo-se agradado os atenienses com a presença dele, aplaudindo e festejando por longo tempo, levantando-se Nícias, disse que tinha por sacrilégio estivesse na escravidão um corpo celebrado pela semelhança com o deus e deu liberdade para aquele moço. Também se conservam na memória, como brilhantes e dignos de tão alto objetivo, finalidade, os festejos que fez em Delos. Era comum que os coros enviados às cidades para cantar os louvores de Apolo, durante a navegação, fossem com o quê cada um recolhia e que vindo muita gente na chegada da nave, cantavam sem nenhuma ordem, saltando em terra em confusão e tomando as coroas e os trajes da mesma maneira ; mas ele, quando conduziu a Teoria, aportou em Renea com o coro, as vítimas e todo o prescrito e trazendo de Atenas uma ponte, construída com as dimensões convenientes e adornando magnificamente com dourados, cores, coroas e tapetes, durante a noite os arranjou no espaço intermediário entre Renea e Delos, que não é grande [ n. do tr. Sanz Romanillos : Para a melhor compreensão desta passagem, advertimos que Renea é uma ilha montanhosa ( chamada Megalo-Dilos ou Grande Delos ) e Delos, outra ( denominada Mikro Dilos ou Pequena Delos ), ambas pertencentes as Cíclades, no Mar Egeo. Delos estava consagrada a Apolo. A distância entre as duas é pouco mais de meio quilômetro. Teoria ou Teórida era o nome dado a nave que conduzia o cortejo religioso.]. No dia seguinte ao amanhecer conduziu a procissão que se fazia ao deus e o coro adornado primorosamente e cantando os atravessou pela ponte. Depois do sacrifício, do combate e do festim, apresentou ao deus em oferenda, uma palma de bronze e tendo comprado um terreno por dez mil dracmas, o consagrou, destinando de suas rendas que os de Delos tomassem o necessário para sacrificar e dar um banquete, rogando aos deuses a prosperidade de Nícias. Pois isto fez se escrever numa coluna que deixou em Delos como monumento desta dádiva e a palma, quebrada pelos ventos, veio a cair sobre a estátua grande dos de Naxos ( outra das ilhas cíclades )e a fez em pedaços.
IV. Nestas coisas costuma haver muito de ostentação e de vanglória, como se sabe ; porém observando o caráter e os costumes de Nícias para todo o resto, pode-se, não sem violência, inferir que aquele esmero e toda aquela pompa era consequência de sua religiosidade, porque lhe fazia demasiada impressão, o impressionava, as coisas superiores e era dado a superstição, segundo nos deixou escrito Tucídides. Assim se diz em um certo diálogo de Pasifonte, que todos os dias oferecia sacrifícios aos deuses e que tendo em casa um agoureiro, fingia consultar-lhe sobre as coisas públicas quando regularmente era sobre as suas próprias, especialmente sobre suas minas de prata, porque possuía minas deste metal em Laurio ( monte situado no extremo meridional d’Ática ) que lhe era muito útil ainda que o trabalho não era isento de perigo. Mantinha lá grande número de escravos e nisto consistia a maior parte de sua renda, pela qual tinha sempre ao redor de si muitos que pediam e a quem socorria, pois não era menos dadivoso com os que podiam fazer mal que com os que eram dignos de suas liberalidades ; em uma palavra : com ele era uma renda para os maus, seu medo e para os bons, sua beneficência. Dão disto testemunho os poetas cômicos.”

A imagem da palma caindo, por incrível que pareça, aparece no Shiva Purana justo quando da resolução do conflito entre Brahma e Vishnu ( Aciuta ) ( pg 55s ) em pleno campo de batalha em que os dois deuses jogam armas um no outro, e enfrentam-se com dois exércitos e Shiva aparece na forma de uma coluna de fogo que absorve as armas de ambos – na realidade eles vão até Kailasa e pedem para ele aparecer pois são devotos. Vishnu ( Aciuta ) na forma de Javali cava fundo para ver a raiz da coluna mas não acha, enquanto Brahma na forma de cisne voa para o alto em busca da outra extremidade : é quando encontra uma folha/ flor que cai, que lhe diz que está caindo há muito tempo e que caiu do meio, logo não há fim na altura da coluna e Brahma volta. Shiva acaba pacificando as duas deidades ( as duas tendências ascendente e descendente do universo, yin / yang ), não sem arrependimento inclusive com choro de Vishnu, e ressuscita os guerreiros mortos na guerra ( pg. 62 ). A coluna de fogo é a imagem do Shiva linga que representa a coluna vertebral ereta em meditação e concentração realizando o ideal da Yoga de Livramento, Libertação, bastante semelhante ao Buddhista ; enquanto phalo a coluna de fogo representa seu poder criador, da Yoga mesma e de seus membros : yama, nyama, pranayana, pratiahara, dharana, dhyana, samadhi. Na pg 71 do Shiva Purana fala-se do Gayatri Mantra, Savitri Mantra, em que a coluna de fogo é vista como o Sol, princípio / fim da Vida : ‘nós meditamos na excelente luz do Sol : que ela nos inspire !’ - Gayatri Mantra : deve-se repetir sempre, em devoção, piedade, de manhã ao nascer do Sol, para o Sol ( Cf. Jatakas Buddha Pavão ).

Vejamos o capítulo IX da ‘Vida de Nícias’ de Plutarco, que fala da Paz de Nícias : “ Começava já então a mostrar-se em Atenas Alcibíades ( educado por Péricles e favorecido por Sócrates ), outro orador nãotão decomposto ( quanto Cleón ) porém de quem dizia-se ser como a terra do Egito ; pois como esta, por sua grande fertilidade, produz ‘muitas plantas úteis e a seu lado outras tantas nocivas e funestas’, da mesma maneira a índole de Alcibíades, propensa igualmente ao bem como ao mal, deu ocasião a grandes inovações. Porquanto, ainda que Nícias chegou a ver-se desembaraçado de Cleón, não teve tempo de acalmar e firmar de todo a República, antes, tendo conseguido levá-la por um bom caminho, a afastou dele, a violência e fogosidade de Alcibíades, impelindo-a outra vez à guerra, o que sucedeu desta forma : Os que principalmente se opunham a paz da Grécia eram Cleón e Brasidas, aquele porque na guerra no se mostrava tanto sua maldade e este porque nela resplendia mais sua virtude ; como que a um dava ocasião a grandes injustiças e a outro para gloriosos triunfos. Mas como ambos morreram na mesma batalha, que foi a de Amphípolis ( ocorreu no ano 422 a.C. ), encontrando Nícias aos espartanos desejosos muito de antemão da paz e aos atenienses com pouca confiança de tirar partido da guerra, e a um e outro fatigados e com disposição de depor com o maior gosto as armas, trabalhou para ver como conciliar amizade entre as cidades, e aliviar e dar repouso aos demais gregos dos males que sofria, fazendo daí em diante seguro e estável o saboroso nome de felicidade. Os anciãos, os ricos, as pessoas do campo, desde logo estavam com com disposições pacíficas ; enquanto aos demais falando com cada um em particular e procurando convencê-los, conseguiu também retraí-los à guerra : e quando assim foi executado, dando já esperanças aos espartanos, os excitou e moveu para que se apresentassem pedindo a paz. Creram nele, seja por sua conhecida probidade, seja porque aos cativos e rendidos de Pilos, cuidando e visitando-lhes com humanidade, lhes fez mais leve a desgraça. Havia já antes ajustado tréguas por um ano, durante as quais,reunindo-se uns com os outros, e gostando do sossego e descanso, e do trato com os estrangeiros e os próximos, lhes havia acendido um vivo desejo [ a coluna de fogo ] daquela vida isenta de inquietudes e de riscos ; assim, ouviam com gosto aos coros quando cantavam : ‘Fica, ó lança, qual despojo ( resto ) inútil, onde enredem as aranhas suas teias.’
Era-lhes também saboroso trazer à memória aquele gracioso dito de que aos que em paz dormem não os despertam as trombetas mas os galos. Abominando, pois, e maldizendo aos que supunham ser destino certo aquela guerra se prolongar por três vezes nove anos, trataram e conferenciaram entre si e fizeram a paz. Formou-se então geralmente a ideia de que aquela reconciliação era estável e todos tinham sempre a Nícias nos lábios, dizendo que era um homem amado dos deuses, a quem seu bom gênio havia concedido, por sua piedade, que do maior e mais apreciável bem entre todos tivesse tomado o nome ; porque, realmente, criam sua obra a paz, como de Péricles a guerra ; parecendo-lhes que este, por muitos pequenos motivos, tinha jogado os gregos em grandes calamidades e que aquele os fez esquecer as ofensas mútuas, voltando a ser amigos. Por tanto esta paz, até o dia de ho-je, se chama de Nícias.”

Já sabemos o final da história o partido da guerra eventualmente acaba vencendo, com o lado ruim de Alcibíades, e acontece a maior guerra que já houve entre gregos e gregos : atenienses contra sicilianos & espartanos. Nícias sempre foi contra a guerra mas os atenienses o elegem general dela : essa imagem igual aquela do sacrifício de Daksha que ao afastar Shiva, não convidá-lo, desfaz-se, deixa de existir. O capítulo XIII da ‘Vida de Nícias’ de Plutarco faz um inventário, relata uma lista, elenca uma série, de preságios da ruína da expedição, de acontecimentos contra sua continuação. Corresponde no Shiva Purana pg 395 o ‘estranhamento entre Daksha e Shiva’, com as maldições, não maldições, correspondentes.

Gilipo, o espartano que chega só em Siracusa em um pequeno barco e apenas com sua capa e báculo como sinal distintivo da dignidade de Esparta conquista a todos, equivale a Virabhadra, que destrói o sacrifício todo na briga dos deuses contra Shiva. A derrota em si, de Nícias acontece quando à noite fica muito escura e ninguém vendo nada, acabam se matando entre si. Um eclipse da lua também leva Nícias a introspectar-se em sacrifícios somados a uma doença que também o castiga leva tudo a acabar-se antes de começar. No capítulo XXIX de Plutarco fala-se dos versos de Eurípedes que por todos conhecidos eram por todos recitados a guisa de salvação na desgraça que se segue.



terça-feira, 5 de setembro de 2017

[ n. do tr. : Demétrio = Prthu ]


                                                  Plutarco Védico
            ( isbn 978-85-906438-0-7 ; à venda no Kindle )
Demétrio = Prthu

Em 1943 Georges Dumézil lançou um pequeno grande livro em Paris, dedicado aos professores e estudantes presos então, chamado ‘Servius et la Fortune. Essai sur la fonction sociale de Louange et de Blâme et sur les éléments indo-européens du cens romain.’ Ele compara as histórias do rei Prthu da Índia e do rei Servius Tullius na Roma antiga e mostra a conexão, paralelo, contato, entre as duas. O Louvor e a Crítica estariam presentes nas duas fazendo o autor uma larga e preciosa análise etimológica das palavras relacionadas : censo em latim e sams- em sânscrito, em que aparecem as ideias de ordem, ordenação, apresentação de todos, feira livre ( sim feira livre que junta a todos os diferentes, cada um com sua mercadoria específica ), proclamação, louvor & crítica, ‘vox populi vox dei’, potlach ( a antiga forma econômico-política tratada por Levi-Strauss e Malinowski em que o rei apropria-se de tudo e depois distribui tudo por todos ), etc : este elogio edificante ( que desde o princípio pode ser também crítico ), qualificante, gera uma produção, distribuição das riquezas todas como diz o autor, realiza o personagem, o rei, fazendo-o crescer e apresentar-se, mostrar-se enquanto rei, igual a Indra estando escondido debaixo d’água, purgando os pecados, é encontrado por Agni, o fogo, que tem que se molhar e descer lá embaixo para, elogiando-o, relembrando seus nomes, o fazer crescer e se apresentar, mostrar ( pg 68) : esta apresentação está na imagem mesma da Roda da Fortuna, na Terra gerando e produzindo as riquezas todas : guardamos a imagem dela apenas como vertical mas é também claramente horizontal, com o conjunto de todas as ordens, classes, castas, mostrando-se com seus produtos específicos. Adiantando então o sentido vertical àproxima da Lua que de cheia fica vazia, nova, e depois volta a encher : assim Demétrio perde tudo várias vezes mas consegue voltar a brilhar : como Prthu não consegue realizar seu sacrifício, frustra-se, falha e depois chora arrependido diante de Vishnu : existe o sentido vertical da Roda da Fortuna de ter tudo e de não ter nada, estar no alto da roda e estar embaixo, desapegado das coisas todas.

Dumézil neste grande pequeno livro mostra que a origem etimológica do nome Fortuna é o nome Prthu que teria aspirado em Phrthu e daí Fortuna : a equação Demétrio = Prthu confirma esta etimologia e não há razão alguma para descartá-la, desprezá-la, posto que na ‘Vida de Demétrio’ de Plutarco o autor insiste em aproximar a imagem da Fortuna da imagem deste rei ( caps. I, XXXV, XLV, XLVIII) confirmando o sinônimo posto que Prthu gerou Prthivi, a Terra, igual a De-Meter, Demetrio. A Roda das Riquezas todas em Prthu é realizada ordenhando-se a Vaca da Abundância, ser mítico que nasceu do batimento do mar de leite : a espuma branca do mar batido imagem do comércio marítimo. Todos os alimentos, leites, são gerados de acordo com cada parte da Natureza : segue o texto de Bhagavat Purana IV, 18, 12s :

Aceitando a agradável e saudável palavras de conselho da deusa da terra, o rei fez Svayambhuva Manu como bezerro e ordenhou todas as ervas e plantas tais como cereais etc com sua própria mão.
Similarmente outros sábios também extraíram essência de tudo em toda a parte. Então outros quinze sábios tiraram seus objetos de desejos da vaca terra domesticada por Prthu.
Oh muito correto Vidura ! Então os sábios fizeram Brhaspati bezerro e retiraram da deusa terra leite na forma de sagrados Vedas, em seus próprios órgãos dos sentidos i.e. ouvidos, fala, mente.
Os deuses fizeram Indra de bezerro e extraíram em um vaso de ouro sumo de Soma e leite néctar doador de vigor mental, esplendor, energia e força física.
As tribos demônicas Daityas e Danavas fizeram Prahlada o maior detodos os Asuras como bezerro e ordenharam seu vinho e cocções licores fortes em um vaso de ferro.
Os artistas celestiais Gandharvas músicos celestes e Apsaras ninfas celestes fizeram Vishvavasu de bezerro e extraíram o leite em um copo de flor de lótus e tornou-se o mel Gandharva especial doador de beleza e doçura de voz.
Os manes veneráveis Pitrs, as deidades que presidem a cerimônia Sraddha realizada em memória às almas que partiram, fizeram Aryaman o chefe dos Pitrs como bezerro e reverentemente ordenharam leite em um vaso de barro não cozido e ele tornou-se Kavya alimento para os manes.
Os Siddhas seres semi divinos fizeram Kapila bezerro e extraíram novaso do céu os oito superpoderes humanos ( Siddhis ) exequíveis por mera vontade. Os Vidyadharas tribo de semideuses ordenharam o leite na forma da arte de mover-se pelos ares no mesmo vaso com Kapila bezerro.
Outros tais como os Kimpurusas, tribo semidivina conhecida por seu poder de conjurar truques ( máyacos ) fizeram Maya bezerra e tiraram dela poderes mágicos que possuem seres maravilhosos que podem se tornar invisíveis à vontade.
Os Yakshas e Rakshasas demônios, Bhutas e Pisacas, fantasmas e espíritos maus que alimentam-se de carne crua fizeram o senhor dos fantasmas Rudra bezerro e extraíram num crânio o vinho sangue.
Do mesmo jeito, répteis, escorpiões, serpentes fizeram Takshaka o chefe das Nagas bezerro e retiraram veneno como leite em suas bocas como vasos.
Bestas herbívoras fizeram o touro de Rudra, Nandi, bezerro e retiraram grama como leite no vaso na forma da floresta. As bestas carnívoras com seus grandes dentes e alimentando-se de carne crua com o leão de bezerro o rei das bestas retiraram no vaso na forma de seus corpos seus leites. Os pássaros que usaram Garuda o chefe dos pássaros como bezerro, tiveram móveis como vermes e insectos e imóveis como frutos por leite.
Com árvore Banian de bezerro, as árvores extraíram seus próprios respectivos sucos como leite. Montanhas tiveram a mais alta delas Himalaia por bezerro e ordenharam vários minerais como leite nos vasos na forma de seus cumes.
Todas as espécies de seres usaram seus próprios chefes como bezerro e extraíram largamente em seus próprios vasos o leite especificamente útil como alimento para suas próprias espécies, da terra que produz todos os objetos desejados quando ela foi domesticada por Prthu.
Oh Vidura filho da família Kuru ! Deste jeito Prthu e outros existiram de alimento obtido da terra diferentes tipos de leite na forma de seu alimento específico, usando diferentes tipos de bezerro e de vasos de leite.
Com isto Prthu, o senhor da terra ficou altamente agraciado com a deusa terra que produziu todos os objetos de desejo e afeito como era por filhas, ele a viu como sua filha, com afeição paternal.

Há algo semelhante na ‘Vida de Demétrio’ de Plutarco ? Há.
No cap I fala-se da musicista Ismenias de Tebas que pedia que tocassem bem de um lado e mal de outro para se conhecer os dois lados do som exemplo que Plutarco usa para todas as artes e para a vida mesma que for dada a extremos.

No IX do encontro com Estilpon, mestre de Zenon e discípulo de Diógenes, que questionado sob se perdera algo diz que não há como se perder a ciência que sendo algo interior é portanto inalienável. A questão da autarkeia, bastar-se a si próprio, ser autossuficiente.

No III, IV, XIX, XXVIII, XXIX, XL, fala da relação pai e filho, excepcional no caso posto que amava seu pai e vice versa sendo o normal a briga, disputa : no último capítulo indaga-se : ‘Darás seu pagamento aos mortos ?’ indicando que em Plutarco podemos ver um sraddha, a oferta dos Pitrs, pais, antepassados que trata justamente disso da oferta aos mortos, os antepassados conforme vimos no Purana acima.

No XX das máquinas e naves construídas por Demétrio e da sua excelência na mecânica ciência que buscava fazer coisas grandiosas, dignas de rei, como sua ‘helepolis’ a torre desmontável de ataque a fortalezas. Nomeia os reis e suas atividades : Eropo de Macedonia se entretinha quando fazia mesas e lamparinas ; Atalo chamado Filometor cultivava ervas venenosas não só o beleño e o eléboro mas também a cicuta, o acônito e o doriemo semeando-os e plantando-os em jardins reais e tendo cuidado de conhecer seus sucos e frutos e colhê-los no tempo. Com o suco do último da lista muito venenoso impregnava-se as pontas das flechas ( não lembra o leite das cobras, serpentes, do Purana acima ? ) ; os reis dos partos eram vaidosos da sua destreza em afiar a ponta dos dardos, flechas, lanças.

No XXII da pintura de Protógenes de Caunio em Rodes, pintura dos filhos do Sol, sobre a qual depois Plínio dissertará, famosa que foi. Substitui o pelo, retrato, rasgado na acrópole pela borrasca, substitui enquanto símbolo na história toda deste rei.

No XXV recenseia-se o império : Demétrio rei, Seleuco chefe dos elefantes, Ptolomeu general da armada, Lisímaco tesoureiro, o siciliano Agatocles governador das ilhas.

No XXVII de Lamia, a velha, anciã, que encantou Demétrio e se tornou sua principal amante : dita a Ogra enquanto Demétrio seria o conto, a história : a referência aos Jatakas de Esopo Buddhista aqui é clara : vemos em várias histórias a Ogra justamente como Lamia seduzindo o rei : o leite da história.

No XXXIII e XXXIV libertando e trazendo comida para Atenas que passava fome na época de Epicuro e Crates. Entregando comida com as próprias mãos para Epicuro seria a imagem.

No XXXVIII fala do grande médico-filósofo Erasístrato, natural de Queos, e de Seleuco médico curando seu filho : este estava apaixonado por uma das esposas do pai paixão fulminante que matava o jovem e Seleuco soube curar o filho.

No XLIII fala-se novamente da excelência da armada, das naves, de Demétrio,
exemplo artístico no tempo que Euclides vivia e ensinava e Arquimedes era criança. Se pensarmos que a descoberta do peso específico dos metais é a origem da tabela periódica temos aqui toda a química. Arquimedes correndo nu no meio da rua dizendo ‘eureka’ lembra o desapego de Diógenes, o grande cão largado no meio da rua e a todos indagando como Sócrates o primeiro da grande escola que é a Philosophia e desde já a doutrina mesma do cinismo de desapego do mundo e das coisas materiais conforme veremos mais a frente com Crates.

No XL – XLIV fala de Pirro e do caráter teatral de Demétrio : a cena em Plutarco é hilária : os soldados simplesmente passam do lado do segundo para o lado do verdadeiro rei o primeiro : define-se o caráter do rei por elogio & crítica, teatral mesmo, de Demétrio, que veremos a frente

No XLVI do encontro com Crates o filósofo, o quarto na linha de sucessão da Philosophia : Sócrates, Antístenes, Diógenes, Crates, Zenon.

Cada um destes grandes personagens que aparecem na ‘Vida de Demétrio’ é um dos bezerros atado à vaca das riquezas produzindo o leite de cada espécie, de cada arte, de cada parte da sociedade, cidade, leite bebido em diferentes copos, taças, vasos, como são diferentes as artes e ciências : e Plutarco fala das diferentes artes e ciências no cap. I ! , sobre o meio termo em cada uma delas entre o excesso e a falta, paralelo na ética eudemiana as potências d’alma.

Quem fala de Crates, o médico das almas, é Padre André Festugière, este grande historiador, tradutor, do séc. XX, cf. bibliografia pg 141 : “Chamavam-no pois em todas as casas e ele entrava em todo lado como se fosse sua casa : “Crates o philósopho que entrava em todas as casas e que era recebido honrada e amigavelmente, era chamado ‘o que abre as portas’.” ( Plut., qu. Conv., II, 1, 6, o mesmo termo também em Diog. Laer., VI, 86 ). E Apuleio é mais explícito em um capítulo de suas ‘Floridas’ ( XXII ) que é inteiramente dedicado a Crates : “O célebre Crates, discípulo de Diógenes, foi honrado como um tipo de gênio doméstico ( ut lar familiaris ) pelos Atenienses de seu tempo. Jamais alguma porta lhe estava fechada ; nenhum pai de família tinha assunto tão secreto, tão íntimo, que a intervenção de Crates nele parecesse intempestiva ; em todos os processos, todas as disputas entre próximos, ele fazia o ofício de mediador e de árbitro “( tr. Vallette ). O método de Crates parecia ser de se mostrar sempre feliz, alegre : “Ainda que apenas possuísse seu saco ( alforje ) e seu manto curto, Crates, como em uma festa, passava seu tempo a se divertir e a rir.” Vemos se mostrar aqui um personagem bem mais simpático que o cínico que se debate sem cessar contra as pessoas ; é o cínico que ao contrário tem piedade delas e se coloca a seu socorro, delas, pessoas, como o fez Hércules. A comparação é clássica, a encontramos na passagem citada acima das ‘Floridas’: “É que o quê Hércules outrora, no dizer dos poetas, foi para os monstros malignos, humanos ou bestas, que ele domou pela força e dos quais purgou a superfície da terra, Crates o foi para a cólera, a inveja, a avareza, o deboche ; contra todos os monstros e todas as doenças da alma humana, este philósopho foi o Hércules ; ele caçava dos corações as pestes, purgava as famílias, domava os maus instintos. Semi nu ele também e reconhecido por seu porrete pesado, ele era de Thebas, como Hércules.” ( tr. Vallette, salvo ligeiras variantes ).
Talvez este cuidado de Crates pelos seres humanos venha de que ele mesmo tenha sofrido muito. Nascido em 365 ele viu em 334, na idade de 31 anos sua cidade ser completamente destruída por Alexandre. Quando algumas décadas mais tarde, Cassandro, restaurando Thebas lhe propôs de viver lá de novo, ele recusou : “Para que ? Um outro Alexandre a destruirá de novo.” E ele não tinha mais pátria de verdade e podia dizer ( Trag. Gr. Fr., Crates, 1 ) : “Não possuo que uma só fortaleza como pátria, não tenho que um só teto : é em todo lugar da terra
cidade e casa que me são preparadas para que eu viva.” Não é o cosmopolitismo moderno para quem todas as partes do mundo formam uma unidade. É antes o sentimento que o verdadeiro sábio, na medida que é autarkès, onde é autossuficiente, pode viver em todo lugar. Ele leva para todo lado suas misérias : não importa qual polis todas tem para ele o mesmo valor : “há apenas uma só fortaleza ( purgos )”, ou antes sua verdadeira fortaleza é ele mesmo, as outras não são que muros que a Fortuna pode fazer desmoronar. (…) O poema de Crates mais célebre foi aquele do Saco / Alforje ( Pèra ). Ele é citado por Diógenes Laércio, Démétrius de elocutione, Clemente de Alexandria Paidagogos, Apuleio de magia. Aqui a tradução a partir do livro citado acima de H. Diels, Poetarum philosophicorum fragmenta ( 1901 ) ( fr. 4-5 ) : “Há uma cidade, o Saco ( Pèra ), no centro da vã glória ( typhô ) cor de vinho ; ela é bela e fecunda e não possui nada do que escorre a seu redor. Nela não entra nada de parasita doido nem de debochado que faz de nádegas prostituídas sua delícia mas ela carrega tomilho, alho, figos e pães. De onde resulta que nela não se briga por estas coisas pobres, os homens não tomam armas por uma pequena moeda nem pela glória … Seus habitantes são livres da escravidão do prazer e sem dobrar o pescoço eles buscam a realeza imortal e a liberdade ( Athanaton basileian. A realeza é aquela do homem que possui autossuficiência, autarkeia, ele é por todo lado rei, como o sábio dos estóicos e livre posto que não tem necessidade de nada ).”
Assim o ser humano é de agora em diante livre, e de agora em diante seu rei, se se contenta com seu saco e seus alimentos que ele contêm, que em verdade são suficientes para alimentar um ser humano : tomilho, alho, figos e pães, este era durante muito tempo a ração daquele que partia em campanha. Por exemplo, Lamachos que reclama “do sal misturado com tomilho e cebolas” ( Aristoph., Ach., 1099 ). Somos sempre reconduzidos a mesma conclusão : Crates ‘humanizou’ o caminho de vida instituído pelo Kuôn [ Cão, Diógenes ], ele a tornou possível e por isto mesmo a tornou eficaz. Um outro [ IHS XTO ] dirá mais tarde : “Não leveis nem ouro nem prata nem guardeis moedas nos cintos, nem saco para a estrada, nem duas túnicas, nem sapatos, nem cajado : pois o operário merece seu alimento.” A expressão mudou um pouco porque a ideia não é mais complemente a mesma. O predicador do Evangelho está em princípio certo de conseguir seu alimento em qualquer casa onde ele passe. O mendicante cínico não está certo de todo de ser satisfeito, atendido, daí que carregue consigo o pouco que lhe é necessário. Mas com a reserva desta ligeira diferença, o princípio de vida é o mesmo : tornei-vos livres. Livres, nos Apóstolos, de pregar o Evangelho sem misturar nenhuma outra preocupação. Livres, entre o Cínico, de passar sem se preocupar de uma parada a outra, indiferente aos golpes da Fortuna.” É justamente esta a lição da ‘Vida de Demétrio’ de Plutarco.

Passemos para a parte relativa a Louvor & Crítica que caracteriza o personagem. Cap. X – XIII e XXIII – XXVI expõe a oposição Estratocles orador demagogo e Filípedes comediógrafo do palco, inimigos que eram, em dois momentos diferentes da ‘Vida de Demétrio’ : são estes dois lados de louvor & crítica, leite com seus respectivos bezerros em vasos, potes, diferentes. “E tendo sido Demétrio um benfeitor grande & magnífico o fizeram molesto & odioso com as desmedidas honras que lhe decretaram. … Estratocles o que mais inventou estas coisas a ele atribui-se tão excessivos e singulares modos de adular. Era todo insolente este Estratocles tendo vida dissipada e imitando em despudor e imprudência a falta de respeito pelo Povo do antigo Cléon.” Em dois momentos a adulação insana, louca mesmo, é confrontada em versos pela comédia. Num primeiro momento o peplo, retrato dos deuses foram pintados com o rosto de Demétrio e Antígono mas uma tempestade rasgou o retrato em plena exposição daí o verso de Filípides sobre Estratocles ‘por quem as vinhas foram abrasadas pela borrasca, e por cuja impiedade se rasgou o peplo, dados a homens os divinos cultos : isto, não a comédia, arruína o Povo.’ Sábias palavras que mostra a comédia do lado da crítica.
No segundo momento os versos de Filípides sobre Estratocles são dois também, falando de dois acontecimentos diferentes. O primeiro : ‘O que a um mês só, há reduzido um ano’ : Demétrio quer se iniciar nos mistérios maiores e menores em Atenas mas o intervalo entre eles é de um ano : precisando da força do elogio / louvor o ano é reduzido a um mês e Demétrio recebe o grau de inspeção dos maiores tendo iniciado-se apenas um mês antes nos menores. O segundo : ‘O que por albergue teve a fortaleza, e da virgem o sagrado templo, introduziu as torpes cortesãs.’ : tendo Demétrio libertado novamente a cidade deixaram ele residir num prédio às costas do Partenon de Atena para honrar-lhe e obsequiar-lhe e o ato mostrou-se loucura insana posto que introduziu Lamia e suas amigas no templo da virgem. Há a morte de Damocles que não quer se entregar, quer ser virgem e há o exílio de Damocares que ao escutar que Estratocles devia estar louco diz : ‘estaria se não o estivesse’ “porque realmente Estratocles serviu muito a cidade com estas adulações”.

No ano 301 a.C. Antígono e Demétrio perdem a batalha de Ipsos, Frígia na planície da atual Eskikara-Hisar e começa o rei a se tornar uma pessoa comum, humilde, sem posses, “dando nisto o mais relevante testemunho da sentença de Platão que exorta ao que quer ser verdadeiramente rico a que em lugar de aumentar a riqueza diminua o desejo insaciável de ter, possuir, pois o que não sabe aplacar a avareza jamais se verá livre da pobreza e da miséria.” Neste momento que liberta Atenas da tirania e alimenta Epicuro, o grande philósopho : “o Povo com a alegria prorrompia em diferentes aclamações tratando de sobrepujar os elogios que os demagogos pronunciavam desde a tribuna ...”. Reuniu um resto de forças e foi tomar Esparta : “Quase nada faltava para fazer-se dono dela, não tendo nunca sido tomada até então ; porém a Fortuna parece que não usou jamais com rei nenhum de tão grandes e súbitas mudanças, nem com ninguém foi tantas vezes pequena e grande, humilde de exaltada, e poderosa outra vez de pobre e abatida ; assim se diz que o mesmo Demétrio em uma das mais notáveis destas vicissitudes, empregou, exclamando contra a Fortuna, este verso de Ésquilo : ‘tu me alentaste e tu queres perder-me’. Porque então indo prosperamente seus negócios [ conseguiu se restabelecer da derrota ] em relação ao império e ao poder, o avisaram primeiro que Lisímaco tomara as cidades d’Ásia ; e em seguida que Ptolomeu apoderara-se de toda Chipre, exceção da cidade de Salamina e esta estava sitiada estando dentro seus filhos e sua mãe. Mas ao mesmo tempo a Fortuna que como aquela mulher dos versos de Arquíloco, ‘Enganosa e falaz em uma mão, levava água e na outra fogo’, tendo-se apartado da Lacedemônia com tão desagradáveis e terríveis novidades se apresentou outras esperanças de novos e grandes sucessos com a ocasião seguinte.” Segue o relato, cap. XXXVI, da morte de Casandro e depois de seu filho Alexandro, relato estranho de uma morte na porta, Demétrio passa por uma porta e diz quando passa que matem o que lhe está seguindo ‘acabem com o que me segue’.

O relato de Prthu no Purana, Bhagavat Purana, talvez explique a cena do filme que é Plutarco : sim Plutarco em todas suas ‘vidas’ de grandes personagens vê uma imagem, transmite uma cena : ponto. Dois pontos : há uma tradição de imagem. Voltando ao relato, Prthu não consegue realizar seu sacrifício, perde, frustra-se, chora. Igual Demétrio. Levanta-se realiza a iniciação com Vishnu e aprende de Sanatkumara :
Quando seu apego e prazer em Brahman torna-se firmemente estabelecido, uma pessoa procura um preceptor espiritual. Justo como fogo ligado em arani um pedaço de madeira de árvore Sami usada para acender fogo por fricção consume sua própria fonte o pedaço de madeira do qual surge, o ser humano, por força de seu conhecimento e desapego queima seu corpo sutil que consiste de cinco elementos sutis [ Pañcatmakam : (i) Consiste dos cinco kilesas i.e. avidya ( ignorância ), ahamkara ( ego ), raga ( apego ), dvesa ( aversão ) e abhinivesa ( apego instintivo à vida mundana e gozo corporal e o medo de ser privado disto – ASD. 39) ; ( ii ) Consistindo dos cinco Kosas ( envelopes ) que descansando um dentro de outro faz do corpo relicário da Alma. Eles são : (1) annamaya,(2) manomaya, (3) Pranamaya, (4) Vijñanamaya e (5) anandamaya. ] que envolve sua Alma, de tal modo a torná-lo não vivo.
Quando a tela ou envólucro do corpo sutil que envolve Alma, até então intervindo entre Alma superior ( Paramatman ) e a Alma, é destruído, a pessoa torna-se livre de todos os atributos ( como amor aversão que merecem ser entornados, expulsados ( heya-gunah ) pertencendo ao corpo sutil que foi queimado. Daí em diante ele não percebe seus estados subjetivos de prazer, dor, etc. Que estão dentro dele ( culpas internas ), nem objetos ( p. ex. Um pote, um pedaço de roupa ) que são externos a ele, justo como uma pessoa acordada de um sonho não vê os objetos percebidos no sonho. É neste estado de vigília e sonho enquanto este upadhi ( condição ) da mente continua, que o ser humano pode perceber a si mesmo o vidente, objetos dos sentidos e o que está além deles – o que vê e o visto e não de outro modo quando dormindo.”

Uma vez que Demétrio acabara de ser iniciado em Atenas, a morte de Alexandro na porta ( ‘acabem com o que me segue’ ) parece ser a morte, queima, deste corpo sutil de que fala Sanatkumara no Purana. Ele está diminuindo e tornando-se si-mesmo. Em 287 a.C. quando os soldados passam para o lado de Pirro e Demétrio reduz-se ainda mais diz Plutarco : “Demétrio com o desígnio de recolher os restos daquele naufrágio navegou para a Grécia e reuniu os generais e amigos que ali tinha. A comparação que Menelao de Sófocles faz com sua fortuna quando diz :
O fado meu na inconstante roda, da Fortuna volta continuamente, trocando sempre seu presente estado ; com seu aspecto de lua vária, que duas noites não fica igual, mas ho-je de escura nova sai, embelecendo e redondando o rosto, e quando maior brilho e luz ostenta, outra vez cai e toda desaparece.’
parece que enquadraria melhor com as coisas de Demétrio com seus crescentes e seus minguantes, seus brilhantismos e suas obscuridades ; pois parecendo que então desfalecia e se apagava de todo, voltou outra vez a resplandecer seu poder e juntou ainda alguma forças com as quais recobrou algum tanto de esperança. Foi então que pela primeira vez andou recorrendo as cidades como simples particular, despojado das insígnias reais ; e vendo-o um dos de Thebas nesta situação lhe aplicou não sem graça estes versos de Eurípedes :
de Deus mudada a esplendente forma, na de homem mortal a nossa vista, junto ao cristal de Dirce se apresenta, e do Ismeno na aprazível margem.’”
O capítulo LII da Vida de Demétrio de Plutarco sobre o sossegar da alma do personagem ao fim da vida, parece confirmar a hipótese, confirmar seu sucesso na busca do viver livremente.

Bhagavat Purana III, 22, 52 também confirma a tese com relação a Prthu : “Justo como o Sol permanece intocável e imaculado pelos objetos em que brilha, o rei, apesar de levar vida de dono de casa e dotado com majestade imperial e esplendor, permanece livre do egoísmo ( ahamkara ) e daí desapegado dos objetos dos sentidos.”

Georges Dumézil em 1956 lançou pela Latomus de Bruxelas o livro ‘Déesses latines et mythes védiques’ em que um capítulo fala de Fortuna Primigênita e outro de Lua Mater. No primeiro discute-se o fato de Fortuna ser mãe e filha de Dius-pater como Atena é filha de Ju-piter e o salva qual mãe na luta contra os gigantes, os titãs, etc. A mesma coisa acontece na história de Demétrio em que sua filha Estratônica casando com o filho de Seleuco acaba por salvá-lo.

Bibliografia :

Plutarco, Vida de Demetrio ( tr. de Antonio Ranz Romanillos ), Aguillar, Madrid, 1973.
A.-J. Festugière, La vie spirituelle em Grèce à l’époque hellénistique, Picard, Paris, 1977.
Georges Dumézil, Servius et la Fortune, Gallimard, Paris, 1943.
The Bhagavat Purana ( tr. G.V. Tagare ), Motilal Barnasidass, Delhi, India, 2002.