sexta-feira, 12 de abril de 2024

512 Buddha Sakra

 



                                         Mulher com espelho. Imagem de Ajanta, Índia


512            Kumbha Jataka

 

       “Quem és tu ....etc.” –  Esta história o Mestre contou enquanto residia em Jetavana relativa as quinhentas mulheres amigas de Visakha, que bebiam  bebida forte. Bem, a história diz que foi proclamado em Savatthi um festival de bebida e estas quinhentas mulheres, após providenciarem bebida ardente para seus maridos, no final do festival pensaram, “Nós também vamos guardar a festa,” e elas todas foram até Visakha e disseram, “Amiga, nós vamos guardar a festa.” Ela respondeu, “Este é um festival de bebida; eu não bebo bebida forte.” Elas disseram, “Você então dê uma oferta ao supremo Buddha: nós guardaremos a festa.” Ela prontamente assentiu e as mandou embora. E após entreter o Mestre e fazer a ele uma larga oferta, ela saiu ao crepúsculo para Jetavana com muitas guirlandas perfumadas na mão, para escutar a pregação da Lei, sendo seguida por estas mulheres. Bem, elas estavam ansiosas para beber, quando partiram com ela e quando permaneciam na câmara oitanada, elas tomaram bebida forte e então  acompanharam Visakha na presença do Mestre. Visakha saudou o Mestre e sentou respeitosamente em um dos lados. Algumas da mulheres dançaram até diante do Mestre; algumas cantaram; outras fizeram movimentos impróprios com as mãos e os pés; outras discutiam. O Mestre de modo a dar um choque nelas, emitiu um raio  de luz da sua sobrancelha; e isto foi seguido de escuridão cega. Estas mulheres foram aterrorizadas e amedrontadas com o medo da morte e assim o efeito da bebida forte passou. O Mestre, desaparecendo do trono em que estava sentado, tomou sua posição no topo do Monte Sineru e emitiu um raio de luz dos cabelos entre as sobrancelhas, como se fosse a elevação de mil luas. O Mestre enquanto estava lá, para produzir um sentimento entre estas mulheres, falou esta estrofe:

 

                    Não há lugar para riso aqui, nem espaço para prazer,

                As chamas da paixão, os mundos de sofrimento destroem.

                    Por que, envolvido na mais escura noite, eu pergunto

             Vocês não buscam uma tocha que as iluminem no seu caminho? 

            No final desta estrofe todas as quinhentas mulheres foram estabelecidas na fruição do Primeiro Caminho.  O Mestre veio e sentou-se no assento de Buddha, na sombra da Câmara Perfumada. Então Visakha o saudou e perguntou, “Santo senhor, quando surgiu este beber bebida forte, que avilta a honra do ser humano e sua tenra consciência  ?” E  contando para ela e relatou uma história do passado. 

                                   ________________________         

 

               Certa  vez quando Brahmadatra reinava em Benares, um mateiro chamado Sura, que residia no reino de Kasi, foi para os Himalaias, em busca de artigos para fazer comércio. Havia uma certa árvore lá que espalhava-se na altura de um ser humano com os braços estendidos acima da cabeça e então dividia-se em três partes. No meio das três forquilhas havia um buraco grande como um jarro de vinho e quando chovia este buraco enchia-se de água.  Ao redor dele crescia duas plantas myrobalans ( Terminalia Chebula e Emblica officinalis ) e um arbusto de pimenta ; e os frutos maduros destes, quando se quebravam caíam dentro do buraco. Não distante desta árvore havia algum arroz selvagem. Os papagaios arrancavam as cabeças do arroz e as comiam pendurados nesta árvore. E enquanto eles estavam comendo o arroz com e sem casca caía lá. Assim, àgua, fermentando com o calor do Sol, assumia uma cor vermelho sangue. Na estação quente, bandos de pássaros, estando sedentos, bebiam ali, e intoxicando-se caíam aos pés d’árvore e após dormirem um pouco voavam embora gorjeando alegremente. E a mesma coisa acontecia com os cães selvagens, macacos e outras criaturas. O mateiro, vendo isto, disse, “Se fosse veneno eles morreriam mas após um sono curto vão embora como querem ; não é veneno.” E ele mesmo bebeu do buraco e tornando-se intoxicado ficou com desejo de comer carne e então fazendo um fogo ele matou as perdizes e galos que caíam ao pé d’árvore e assou a carne deles em carvão ardente e gesticulando com uma mão e comendo carne com a outra ele permaneceu um ou dois dias no mesmo lugar.  Não distante deste lugar vivia um asceta de nome Varuna. O mateiro em outras vezes costumava visitá-lo e um pensamento o atingiu então, “Beberei este licor com o asceta.”  Encheu um tubo de bambu com ele e levando junto alguma carne tostada veio para a cabana de folhas e disse, “Santo senhor, prove este licor,” e ambos beberam dele e comeram a carne.  Assim do fato desta bebida ter sido descoberta por Sura e Varuna ela foi chamada pelo nome deles ( sura e varuni ). Ambos pensaram, “Este é o jeito de lidar com isto,” e encheram seus tubos de bambu e pendurando numa vara chegaram numa vila da fronteira e enviaram mensagem para o rei que alguns mercadores de vinho  tinham chegado. O rei mandou chamá-los e eles ofereceram a ele a bebida. O rei a bebeu duas ou três vezes e ficou intoxicado. Isto durou nele um ou dois dias. Então ele perguntou a eles se havia mais. “Sim senhor,” eles disseram. “Onde?” “Nos Himalaias, senhor.” “Então tragam para cá.” Eles foram e colheram o líquido duas ou três vezes. Então pensando, “Não podemos ficar sempre indo lá,” tomaram nota de todas as partes constituintes e começando com a casca d’árvore, eles reuniram todos os outros ingredientes e fizeram a bebida na cidade. Os homens da cidade beberam dela e tornaram-se desgraçados indolentes. E o lugar tornou-se como uma cidade deserta. Então estes mercadores de vinho fugiram dela e vieram para Benares e enviaram mensagem para o rei anunciando a sua chegada. O rei mandou chama-los e deu-lhes dinheiro e eles fizeram vinho lá também. E esta cidade também pereceu do mesmo modo. Então fugiram para Saketa e de Saketa eles foram para Savatthi. Naquele tempo havia um rei chamado Sabbamitta em Savatthi. Ele mostrou favor para estes homens e perguntou-lhes o que queriam. Quando eles disseram, “Queremos os ingredientes principais e arroz da terra e quinhentos cântaros,” ele deu a eles tudo o que pediram. Então armazenaram o licor em quinhentos cântaros e para guardá-los amarraram gatos um em cada cântaro. E quando o licor fermentou e começou a escapar, os gatos beberam a bebida forte que fluía de dentro dos cântaros e ficando intoxicados deitaram dormindo; e o ratos vieram e roeram os ouvidos, narizes, dentes e rabos. Os oficiais do rei vieram e contaram a ele , “Os gatos morreram porque beberam o licor.” O rei disse, “Certamente estes homens devem ser produtores de veneno,” e ordenou que ambos fossem decapitados e eles morreram gritando, “Dê-nos bebida forte, dê-nos hidromel” ( outra leitura é, ‘Vinho, Ó rei, hidromel, Ó rei’). O rei, após ter matado os homens, deu ordens para que os cântaros fossem quebrados. Mas os gatos, quando o efeito do licor passou, levantaram andaram ao redor e brincaram.  Quando viram isto , falaram para o rei. O rei disse, “Se fosse veneno eles teriam morrido; deve ser hidromel; beberemos dele.”  Então decorou a cidade e levantou um pavilhão no jardim do palácio e tomando seu lugar neste esplêndido pavilhão em um trono real com parassol branco levantando sobre ele e cercado por seus cortesãos, começou a beber. Então Sakra, o rei do céu, disse, “Quem há que no dever do serviço para mãe e semelhantes diligentemente cumpre os três tipos de reta conduta?” E, olhando o mundo, ele viu o rei sentado para beber bebida forte e ele pensou, “Se ele beber bebida forte toda a Índia perecerá: verei para que ele não a beba.”  Então, colocando um cântaro cheio de licor na palma da sua mão, ele foi, disfarçado como um brahmin e permaneceu nos ares, na presença do rei e gritou, “Compre este cântaro, compre este cântaro.”  Rei Sabbamitta, vendo-o pousado nos ares, falando deste jeito, disse, “De onde pode ter vindo este brahmin?” e conversando  com ele repetiu três estrofes: 

 

                     Quem és tu, Ser das alturas,

                     Cuja forma emite raios de luz brilhantes,

                     Qual vívido raio através do céu,

                        Ou lua iluminando a mais escura noite?

 

                   Viajar sobre os ares sem caminhos,

                       Mover-se ou permanecer no espaço silencioso –

                   Real é o poder que tu hás ganhado,

                     E prova que és de raça divina.

 

                  Então, brahmin, declare quem és tu,

                      E o que dentro de teu cântaro pode haver,

                  Que assim aparecendo no meio dos ares,

                       Tu anseias em vender tua mercadoria para mim.

 

             Então Sakra disse, “Me escute então,” e expondo as más qualidades da bebida forte, ele disse:

         

                    Este jarro não sustenta nem óleo nem ghee,

                        Nem mel nem melado aqui,

                   Mas vícios maiores do que podem ser ditos

                      Estão armazenados dentro de suas redondas curvas.

 

                     Aquele que beber cairá, pobre tolo idiota,

                        Dentro de algum buraco ou poço impuro,

                    Ou de cabeça para baixo afundará em um poço de sujeira

                          E comerá o que disposto abjura.

                    Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

                   Aquele que bebe, com os sentidos todos distraídos,

                       Qual gado pastando que ama se extraviar,

                   Vaga a mente, uma criatura sem amparo,

                       E canta e dança todo o dia.

                Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

                  Aquele que bebe correrá tudo sem nenhuma vergonha,

                     Como o asceta nu através da cidade,

                  E tarde toma descanso – tão tonto ele está –

                      Esquecendo quando deitar-se.

                Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

                 Aquele que bebe, como alguém que move-se assustado,

                         Cambaleia como se não pudesse ficar de pé,

                E, tremendo, balança cabeça e braços,

                       Qual boneco de madeira com as mãos movido. 

                Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

                Aqueles que bebem queimam até a morte na cama,

                    Ou então caem presas de chacais,

                São levados para prisão ou para morte,

                     E sofrem perda dos bens também.

              Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

             Aquele que bebe perde a decência

                    E fala de coisas que são obscenas,

             Sentará sem roupa numa reunião,

                   Está doente e de todo modo impuro.

             Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

               Elevado está o homem que bebe,

                    Sua visão de modo algum é clara,

              O mundo é todo meu, ele pensa,

                   Não sou páreo para nenhum senhor de terra.

             Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

            Vinho é uma coisa de orgulho assoberbado,

                  Um diabo feio, nu e covarde,

             Aliado da discórdia e da calúnia,

                     Uma casa que abriga ladrão e alcoviteiro.

            Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

            Apesar das famílias poderem ser ricas,

                    E gozarem de tesouros incontáveis,

            Tendo em feudo os mais ricos dons da terra,

                Isto destruirá sua herança.

             Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

            Prata e ouro e utensílios domésticos,

                 Gado, campos e celeiros de grãos –

            Tudo, tudo é perdido: bebida forte, eu temo,

                Está provada ser, da riqueza da casa, o veneno.

             Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

          O homem que bebe está cheio de orgulho,

                E a seus próprios pais insultará,

          Ou, laços de sangue e parentesco desafiará,

                Ousará a cama de casamento desonrar.

          Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

          Aquela que bebe também em seu orgulho

                  Insultará pai e marido,

          E a dignidade da raça desafiará,

                Escrava da loucura, enganará.

         Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

             O homem que bebe ousará matar

                   Um padre correto ou um brahmin verdadeiro,

             E então em mundos de sofrimento para sempre

                 O ato de pecado terá de lamentar.

             Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

           Aqueles que bebem errarão de três maneiras,

                Pela palavra, pela ação e pelo pensamento,

           Então afundam no Ínfero, para agonizar

                 Por todo o mal que obraram.

           Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

          O homem de quem as pessoas pedem em vão,

                 Mesmo ao preço de montes de ouro,

          Dele quando bêbado seu pedido eles ganham

                E prontamente a mentira é contada.

          Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

          Alguém que bebe deve levar uma mensagem

                  E olhe! Uma grande emergência

           Surge de repente, ele vai praguejar

                  A coisa fugiu de sua memória.

          Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                   Cheio até a borda do vinho mais forte.

              Mesmo o Povo humilde, intoxicado

                     Com vinho, se tornará o mais indecente,

              E o mais sábio dos homens, quando bêbado, tagalerá

                    E murmurará bem tolamente.

              Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

                Através da bebida as pessoas, jejuando, deitam,

                    A dura terra nua seu lugar de descanso,

                Amontoados como porcos, um ajuntamento sem vergonha,

                   Eles suportam a desgraça mais imunda.

                Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

               Qual gado abatido até o chão

                    Caídos, aos montes eles jazem;

                Tal fogo é encontrado na bebida alcóolica,

                    Nenhum poder humano rivaliza com ela.

               Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

               Quando todas as pessoas, como de serpente mortífera,

                      Aterrorizadas com o veneno fogem,

               Que herói é corajoso o suficiente para matar

                      Sua sede com tal drinque fatal?

               Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

                Foi após beber isto, eu suponho,

                     Que a raça dos Andhakas e de Vrishni,

                Vagando pelas costas, foram vistas

                        Cair, todas pelo porrete de seus parentes.

                Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

               Anjos enfatuados de vinho

                      Caíram do céu eterno, Ó rei,

               Com todo seu poder mágico divino:

                     Então quem provaria esta coisa amaldiçoada?

               Compre então, Ó rei, este meu cântaro,

                     Cheio até a borda do vinho mais forte.

 

               Nem coalhada nem o doce mel estão aqui,

                     Mas lembre-se sempre

                O que está guardado dentro destas curvas redondas,

                     Compre, compre meu cântaro, Ó rei.

 

    Escutando isto o rei, reconhecendo a miséria causada pela bebida, ficou tão agraciado com Sakra que cantou seus louvores em duas estrofes:

 

                    Não tenho pais sábios que ensinem como tu,

                    Mas tu és gentil e misericordioso, eu vejo;

                    Buscador da Mais Alta Verdade de todo modo;

                    Portanto obedecerei tuas palavras ho-je.

 

                   Olhe! Cinco cidades escolhidas que tenho são tuas,

                   Duas vezes cinquenta empregadas, sete centenas de gado,

                   E estes dez carros com corcéis do mais puro sangue,

                   Pois tu me aconselhaste para meu próprio bem.

 

      Sakra escutando isto revelou sua divindade e se fez conhecido e permanecendo nos ares ele repetiu duas estrofes:

 

                   Estas centenas de escravas, Ó rei, podem ficar contigo.

                   E também as cidades e os rebanhos de gado;

                   Não quero charretes puxadas por corcéis puro sangue;

                   Sakra, chefe dos Trinta e Três deuses, é meu nome.

 

                    Goze de teu ghee, arroz, leite e carne mal passada,

                   Fique ainda contente ao comer teus pães de mel.

                   Assim, rei, deliciando-me nas Verdades preguei,

                   Continue teu caminho sem culpa, até alcançar o Céu.

 

    Assim Sakra o advertiu e então retornou para seu domicílio no Céu. E o rei, abstendo-se de bebida forte, ordenou que os cântaros de bebida fossem quebrados. E encarregando-se de manter os preceitos e de dar esmolas, tronou-se destinado ao Céu. Mas o beber bebida forte gradualmente desenvolveu-se na Índia.

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           O Mestre aqui terminou sua lição  e identificou o Jataka: “Naquele tempo Ananda era o rei e eu mesmo era Sakra.”