terça-feira, 3 de maio de 2022

[ n. do tr.: Agni = Aristides]



            Agni = Aristides

 

     Na introdução deste livro citamos um capítulo da vida de Aristides em que já colocávamos sua aproximação, paralelo, com a história de Agni e que dizíamos o mesmo paralelo haveria com o fogo olímpico, Agni o fogo do sacrifício também seria este fogo sagrado grego: então, houve um apagamento, desligamento, de todos os fogos da Grécia e subsequente religamento, reacendimento,  com o fogo sagrado de Delphos, Grécia que então fora invadida e destruída pelos persas mas vence a batalha naval de Salamina e em seguida na batalha em terra, de Platea, também vence e expulsa este invasor, ressurgindo vitoriosa no ano 479 a. C..

      A semelhança também existiria com o fogo novo do ritual cristão da morte e ressurreição de IHS uma vez que a ideia é a mesma já que os persas, bárbaros, destroem a Grécia que ressurge das cinzas.

     Cabe então agora confirmar este apagamento, desligamento, com o subsequente religamento, reacendimento, na história de Agni. E o vemos acontecer logo no início do Mahabharata em uma das primeiras histórias, com certeza não à toa. Segue a citação de Mahabharata, Adi parva, seção V-VII :

              “ Bhrigu tinha uma esposa chamada Puloma a quem ele amava carinhosamente. Ela ficou grávida de Bhrigu. E um dia enquanto a virtuosa e continente Puloma estava nesta condição, Bhrigu, grande entre aqueles que são verdadeiros a sua religião, deixando-a em casa saiu para realizar suas abluções. Foi então que o Rakshasa chamado Puloma chegou no domínio de Bhrigu. E entrando na casa do Rishi, o rakshasa viu a esposa de Bhrigu irreprovável em tudo. E vendo-a tornou-se cheio de luxúria e perdeu os sentidos. A bela Puloma entreteve o Rakshasa que queimava de desejo vendo-a, tornou-se satisfeito e resolveu, Ó bom sábio, carregá-la embora, ela que era sem culpa em todos os aspectos. 

           “Meu objetivo está realizado”, disse o Rakshasa e assim tomando esta bela matrona ele a levou. E, realmente, ela de sorrisos agradáveis, tinha sido entregue como noiva por seu pai a ele apesar de posteriormente o pai a ter entregue, de acordo com os ritos devidos, à Bhrigu. Ó tu da raça de Bhrigu, esta ferida inflamou fundo na mente do Rakshasa e ele pensou que o presente momento era oportuno para levar a mulher embora.

           E o Rakshasa viu o apartamento no qual o fogo sacrifical era mantido queimando brilhantemente. O Rakshasa então perguntou ao elemento fogo:  “Diga-me, Ó Agni, esposa de quem esta mulher é por direito. Tu és a boca dos deuses; portanto tu estás obrigado a responder minha questão. Esta mulher de compleição foi primeiro aceita por mim como esposa mas seu pai subsequentemente a entregou ao falso Bhrigu. Diga-me de verdade se esta bela pode ser considerada como esposa de Bhrigu pois a encontrado sozinha, resolvi levá-la à força do eremitério. Meu coração queima de raiva quando penso que Bhrigu tomou posse desta mulher de cintura fina, que foi minha noiva primeiro.

           Desta maneira o Rakshasa questionou o chamejante deus do fogo repetidamente se a mulher era esposa de Bhrigu. E o deus estava com medo de dar a resposta. ‘Tu, Ó deus do fogo,’ disse ele, ‘resides constantemente dentro de todas as criaturas, como testemunha dela ou de seus méritos e deméritos. Ó tu, respeitável, responda minha questão então verdadeiramente. Bhrigu não se apropriou dela que foi escolhida por mim como esposa? Tu deves declarar verdadeiramente se, portanto, ela é minha esposa por escolha primeira. Após tua resposta se ela é a esposa de Bhrigu, eu a carregarei embora deste eremitério diante te teus olhos mesmos. Portanto responda a verdade. 

           O deus das sete chamas tendo escutado estas palavras do Rakshasa tornou-se excessivamente angustiado, ficando com temor de falar uma falsidade e igualmente com medo da maldição de Bhrigu. E o deus por fim respondeu em palavras que saíram lentamente.  ‘Esta Puloma foi realmente primeira escolhida por ti, Ó Rakshasa, mas ela não foi tomada por ti com ritos e invocações sagradas. Mas esta mulher de grande fama foi entregue por seu pai a Bhrigu como um presente com desejo de benção. Ela não foi entregue a você! Ó Rakshasa, esta mulher foi devidamente feita pelo Rishi Bhrigu sua esposa com ritos Védicos em minha presença. Esta é ela – eu a conheço. Não ouso falar uma mentira. Ó tu melhor dos Rakshasas, mentira nunca é respeitada neste mundo.’

             Tendo escutado estas palavras do deus do fogo, o Rakshasa assumiu a forma de um javali e segurando a mulher a levou embora na velocidade do vento – ou mesmo do pensamento. Então a criança de Bhrigu que descansava no corpo dela com raiva de tal violência, caiu do útero de sua mãe, de onde recebeu o nome de Chyavana. E o Rakshasa percebendo que a criança caíra do útero de sua mãe, brilhante como o Sol, deixou de segurar a mulher, caiu e foi instantaneamente convertido em cinzas. E a bela Pauloma, tonta de tristeza, pegou seu filho Chyavana, filho de Bhrigu e saiu andando.  E Brahma o Avô de todos, ele mesmo a viu, a esposa sem manchas de seu filho, chorando. E o Avô de todos a confortou ela que estava junto com seu filho. E as gotas de lágrimas que rolavam de seus olhos formaram um grande rio. E este rio começou a seguir as pegadas da esposa do grande asceta Bhrigu. E o Avô dos mundos vendo aquele rio que seguia os passos da esposa de seu filho deu a ele um nome, e o chamou Vadhusara. E ele passa pelo eremitério de Chyavana. E desta maneira nasceu Chyavana de grande poder ascético, o filho de Bhrigu.

         E Bhrigu viu seu filho Chyavana e sua bela mãe. E o Rishi com raiva perguntou a ela, ‘Quem te fez conhecida àquele Rakshasa que resolveu te levar embora? Ó tu de sorrisos agradáveis, o Rakshasa não poderia te conhecer como minha esposa. Portanto diga-me quem foi que disse isto ao Rakshasa, de modo que possa amaldiçoá-lo com minha raiva.’.E Pauloma respondeu, ‘Ó possuidor dos seis atributos! Fui identificada para o Rakshasa por Agni ( o deus do fogo). E ele (o Rakshasa) carregou-me embora, e eu gritando como a Kurari (fêmea da águia pescadora). E foi apenas pelo ardente esplendor deste teu filho que fui resgatada pois o Rakshasa (vendo esta criança) me deixou ir e ele mesmo caindo no chão transformou-se em cinzas. 

          Bhrigu escutando este relato de Pauloma, tornou-se excessivamente raivoso. E em excesso de paixão o Rishi amaldiçoou Agni, dizendo, ‘Tu comerás de todas as coisas.’ 

        O deus do fogo enraivecido com a maldição de Bhrigu, assim se dirigiu ao Rishi, ‘Que significa esta grosseria, Ó Brahmana, que mostra para comigo?  Que transgressão pode me ser imputada a mim que estava trabalhando para fazer justiça e falar a verdade imparcialmente? Sendo questionado dei a resposta verdadeira. Uma testemunha que quando interrogada sobre um fato do qual tem conhecimento, fala diferente do que é realmente, arruína seus ancestrais e seus descendentes ambos até a sétima a geração. Aquele, também, que sendo totalmente conhecedor de todos os particulares de um caso, não apresenta o que ele conhece, quando questionado, é sem dúvida manchado de culpa. Posso também te amaldiçoar mas Brahmanas são tidos por mim com grande respeito. Apesar destes serem conhecidos por ti, Ó brahmana, ainda assim falarei deles, então por favor escute! Tendo, por poder ascético, multiplicado a mim mesmo, estou presente em várias formas, em lugares do homa diário, em sacrifícios que se estendem por anos, em lugares onde ritos sagrados são realizados (tais como casamentos, etc) e em outros sacrifícios. Com a manteiga que é derramada na minha chama de acordo com as regras prescritas nos Vedas, os Devas e os Pitris são apaziguados. Os Devas são as águas; os Pitris são também as águas. Os Devas tem com os Pitris igual direito aos sacrifícios chamados Darshas e Purnamasas. Os Devas portanto são os Pitris e os Pitris, os Devas. Eles são seres idênticos, venerados juntos e também separadamente nas mudanças da lua. Os Devas e os Pitris comem o que é derramado em mim. Sou portanto chamado a boca dos Devas e dos Pitris.  Na lua nova os Pitris  e na lua cheia os Devas, são alimentados através da minha boca, comendo da manteiga clarificada que é derramada em mim. Sendo como sou, a boca deles, como seria um comedor de todas as coisas (puras e impuras)?

             Então Agni após refletir um pouco se retirou, a si mesmo, de todos os lugares; dos lugares do homa diário dos Brahmanas, de todos os sacrifícios longamente estabelecidos, dos lugares de ritos santos, e de outras cerimônias. Sem seus Oms e Vashats e desprovidos de seus Swadhas e Swahas (mantras sacrificais durante as ofertas), todo o corpo  de criaturas tornou-se muito triste com a perda de seu fogo sacrifical. Os Rishis em grande ansiedade foram até os deuses e dirigiram-se a eles assim, ‘Vós seres imaculados! As três regiões do universo estão confundidas com o cessar de seus sacrifícios e cerimônias em consequência da ausência do fogo! Ordene o que deve ser feito em relação a este assunto para que não haja perda de tempo.’ Então os Rishis e os deuses foram juntos em direção a presença de Brahma. E contaram a ele tudo sobre a maldição de Agni e a consequente interrupção de todas as cerimônias.  E eles disseram, ‘Ó tu, grandemente afortunado! Desta vez que Agni foi amaldiçoado por Bhrigu por alguma razão. Realmente, sendo a boca dos deuses e também o primeiro que come o que é oferecido em sacrifícios, o comedor também da manteiga sacrifical, como será Agni reduzido a condição de alguém que come de todas as coisas promiscuamente?’ E o criador do universo escutando estas palavras deles chamou Agni a sua presença. E Brahma dirigiu-se a Agni, o criador de tudo e eterno como ele, com estas gentis palavras, ‘Tu és o criador dos mundos e tu és seu destruidor! Tu preservas os três mundos e tu és o promotor de todos os sacrifícios e cerimônias! Portanto comporte-se de modo que as cerimônias não sejam interrompidas. E, Ó tu comedor da manteiga sacrifical, porque ages tão tolamente, sendo, como tu és, o Senhor de tudo? Tu apenas estás sempre puro no universo e tu és seu esteio! Tu não serás com todo teu corpo reduzido ao estado de alguém que come de todas as coisas promiscuamente. Ó tu feito de chamas, a chama que está em tuas partes mais vis comerá sozinha de todas as coisas igualmente. Teu corpo que come carne (estando no estômago de todos os animais carnívoros) comerá também de todas as coisas promiscuamente. E como todas as coisas tocadas pelos raios do Sol tornam-se puras, tudo será purificado que se queimar nas tuas chamas. Tu és, Ó fogo, a suprema energia nascida do teu próprio poder. Então, Ó Senhor, pelo teu poder torne a maldição do Rishi verdadeira. Continue a receber tua própria porção e aquelas dos deuses, oferecidas em tua boca.’

             Então Agni respondeu ao Avô, ‘Assim seja’. Então saiu para obedecer a ordem do supremo Senhor. Os deuses e os Rishis também retornaram deliciados para o lugar de onde vieram. E os Rishis começaram a realizar como antes suas cerimônias e sacrifícios. E os deuses no céu e todas as criaturas no mundo ficaram excessivamente felizes. E Agni também ficou feliz com o fato de estar livre da perspectiva de pecado.”

 

                Além do apagamento / religamento propriamente dito o texto mostra Agni : 1) enquanto boca dos deuses, o portador das ofertas, em um papel que deve ser imparcial, de prestar, dar testemunho fielmente segundo a verdade sendo impensável a mentira e consequentemente a injustiça; 2) na tarefa de servir a todos como mensageiro entre deuses e homens em todas as cerimônias e sacrifícios; 3) há também sua presença dentro de todos os seres vivos enquanto fogo interior que digere os alimentos e que vemos em si mesmo purificar todas estas ofertas digeridas. Vejamos como aparecem estas características na vida de Aristides de Plutarco seguindo a numeração dos parágrafos/capítulos.

     III. “Mas o que sobretudo pareceu maravilhoso foi sua igualdade nas mudanças a que se expõe o mando, não envaidecendo-se com as honras e mantendo-se sempre tranquilo e sossegado nas adversidades, por entender que exigia o bem da pátria que em servi-la se mostrasse desinteressado, não só com respeito a riqueza, senão com respeito também à glória. Daí que proveio, sem dúvida, que representando-se no teatro estes yambos de Ésquilo, relativos  a Anfiarao,

                           Quero não parecer, mas ser justo:

                           Em sua alma o saber tem deitadas

                           Fundas raízes e copioso fruto

                           De excelentes e úteis conselhos,

todos se voltaram para olhar Aristides, como que dele era própria aquela virtude.”  

      IV.  “Não só contra a benevolência e o agrado mas também contra a ira e a inimizade, era bastante poderoso em resistir para sustentar o justo. Dizia-se pois que perseguindo uma ocasião a um inimigo no tribunal, como não quisessem os juízes, depois da acusação, ouvir ao tratado como réu, mas pediam para passar a votar contra ele, se pôs Aristides do seu lado a pedir também que lhe ouvissem e fosse tratado conforme as leis. (...) Elegeram-no procurador das rendas públicas e não só descobriu que haviam subtraído dinheiro os arcontes de seu tempo, mas também os que haviam precedido e mais especialmente Temístocles,

                                Que era largo das mãos apesar de sábio.

Por esta causa suscitou este a muitos contra Aristides e perseguindo-o ao dar suas contas, fez com que se lhe abrisse processo e o condenasse por ocultação, segundo diz Idomeneo; porém como por ele se tivessem se desgostado os primeiros e mais autorizados da cidade, não só saiu livre de todo encargo e multa, como de novo voltaram a elege-lo para a mesma magistratura. Fez-se como se estivesse arrependido da primeira atuação, manifestando-se mais benigno; com o que ficaram gratos os usurpadores do dinheiro público, porque não os acusava na cara nem levava as coisas com rigor; de maneira que enriquecidos com suas rapinas, enchiam de elogios a Aristides e intercediam ansiosos com o Povo para que o elegessem outra vez; mas quando iam votar repreendeu os atenienses dura e severamente dizendo-lhes: “Com que quando me conduzi bem e fielmente me maltratastes e quando deixei livres dinheiros crescidos em mãos ladras me tens por melhor cidadão ! Pois mais me envergonho da honra que agora me fazeis que da injustiça anterior; e me indigno contra vocês, para quem parece mais glorioso favorecer os maus que defender os interesses da República.” Dito isto, mostrou as malversações, com o que fez calar a seus defensores e os que o elogiavam e recebeu dos homens de bem um verdadeiro e justo encômio.”

              V. Ano 490 a.C. vitória de Temístocles e Aristides, que ficou tomando conta do saque ao qual ninguém tocou, sendo general Milcíades ao qual Aristides, que era segundo, deixa que permaneça no cargo sem trocar, para mostrar a importância “de governar com o entendimento e disposições de um só, dando maior alento a Milcíades.”   

             VI. “Entre todas as suas virtudes a que mais se deu a conhecer ao Povo foi a justiça porque sua utilidade é mais contínua  e compreende a todos; assim, um homem pobre e plebeu alcançou o mais excelente e divino renome, chamando-lhe todos ‘o justo’; renome a que não aspirou nunca nenhum dois reis nem os tiranos, querendo mais, alguns deles, apelidarem-se sitiadores, fulminadores, vencedores e alguns águias, gaviões, preferindo, ao que parece, a glória que dão a força e o poder àquela que provém da virtude. (segue discurso sobre os três: a indestrutibilidade, o poder e a virtude, sendo esta última o justo e o direito, a razão e a prudência; única que depende de nosso arbítrio).

               VII.  “Ainda que a Aristides no princípio lhe foi muito lisonjeiro aquele renome, por fim veio a conciliar-lhe inveja, principalmente pelo cuidado que pôs Temístocles em semear o rumor entre a multidão de que Aristides, fazendo inúteis os tribunais metendo-se a julgar e decidir tudo, aspirava em silêncio a preparar-se sem armas uma monarquia. Além disso, envaidecido o Povo com a vitória e crendo de que tudo era por si capaz, não podia aguentar aos que tinham um nome e uma fama que obscureciam aos demais. Concorrendo pois à cidade de todas as partes, desterram a Aristides por meio do ostracismo, apelidando medo da tirania ao que era inveja da sua glória. (Segue explicação sobre o ostracismo e sua história). Estavam nesta operação de escrever as conchas, quando se diz que um homem do campo, que não sabia escrever, deu a concha a Aristides, a quem casualmente tinha à mão e o encarregou que escrevesse ‘Aristides’; e como este se surpreendesse e perguntasse se lhe havia feito alguma ofensa: “Nenhuma – respondeu – nem sequer o conheço, mas estou já cansado de ouvir continuamente que o chamam ‘o justo’; e Aristides, escutando isto, não respondeu e escrevendo seu nome na concha, a devolveu. Desterrado da cidade, levantando as mãos aos céus, fez uma prece inteiramente contrária à de Aquiles, pedindo aos deuses que não chegasse o tempo em que os atenienses tivessem que lembrar-se de Aristides.”   

              VIII. “Ao cabo de três anos, quando Xerxes pela Tessália e Beócia se encaminhava contra a Ática, aboliram a lei (do ostracismo) e permitiram todos os desterrados que voltassem; por temor principalmente de que Aristides unindo-se com os inimigos, seduzisse e atraísse a muitos dos cidadãos ao partido dos bárbaros; no que manifestaram não conhecer bem a este insigne varão, que antes daquela providência estava já trabalhando em acalorar os gregos para defender sua liberdade e depois dela sendo Temístocles o que tinha o mando absoluto, nada deixou de fazer, de obra ou de conselho, para que com a salvação de todos alcançara seu inimigo a maior glória.” Aristides atravessa a noite as naves inimigas para falar com Temístocles: “esqueçamos de nossa vã e juvenil discórdia e estabeleçamos outra contenda mais saudável e digna de louvor, disputando entre nós dois sobre salvar a Grécia.”

                IX.  Aristides comanda a tomada da ilha de Psitalia local onde foi mais dura a batalha de Salamina e onde prenderam os três filhos de Sandauca irmã do rei persa que o agoureiro de Temístocles sacrificou a Baco Omesta, cruel.

                X.  Mardonio permanece com 300 mil soldados e envia embaixada dizendo que invadiria Atenas novamente: “e (Aristides) voltando-se aos (enviados) de Mardonio, assinalando o Sol disse, ‘Enquanto este astro andar sua carreira, farão os atenienses a guerra aos persas por seus campos assolados e por seus templos profanados entregues às chamas.” 

               XI. A guerra em Platea, o sonho do general Arimnesto que esclarece o oráculo de Delphos sobre como conseguir a vitória na guerra “que fez Aristides pensar muito.” 

               XII. Disputa dos de Tegea sobre o lugar no exército que luta a batalha de Platea  e a fala de Aristides: “Não é próprio desta ocasião que alterquemos com os tegeatas, sobre linhagem e sobre proezas; mas a vocês, oh lacedemônios, e a todos os demais gregos os fazemos lembrar que o lugar não tira nem dá valor. Qualquer que seja o que nos deres, procuraremos, conservando-o e honrando-o, não fazer-nos indignos da glória adquirida nas guerras anteriores; porque não viemos nos indispor com aliados mas para lutar contra os inimigos, nem a exaltar nossos pais mas a acreditar-nos com a Grécia, homens esforçados. Assim este combate fará ver quanto deve ser tido pelos gregos cada um, cidade, general ou soldado.”

              XVII. A citação que aparece em Vishnu = Cimón, imagem da luta entre devas x asuras, anjos x demônios, reproduzindo um conflito primordial no lugar mesmo do sacrifício.

            XVIII. Desgostoso Pausânias daquele estado, vendo que o agoureiro continuamente reprovava as vítimas, voltou-se para o templo de Juno; caindo-lhe lágrimas e levantando as mãos pedia a Juno Citeronia e aos demais deuses que presidiam aquela comarca que, se não estava destinada aos gregos aquela vitória, que lhes desse ao menos o sofrer fazendo algo e mostrando com obras aos inimigos que contendiam com homens de valor e adestrados na guerra.   Feita esta invocação por Pausânias no mesmo momento se mostrou fausto o sacrifício e os agoureiros anunciaram a vitória. Deu-se a todos o sinal de rechaçar os inimigos e de repente todo o exército tomou o aspecto de uma fera que estremecendo-se, se prepara para fazer uso da força.”

              XX. A citação da introdução: o fogo novo.

             XXII. A ideia louca de Temístocles de incendiar a armada dos outros gregos para que os atenienses dominassem os mares: “concordaram que a ninguém se dissesse senão só a Aristides e ele apenas aprovasse: não podia ser mais útil nem mais injusta foi o julgamento: tão amante era aquele Povo da justiça! E tanta era a confiança e segurança que lhe inspirava um homem só!” 

          XXIII.  Nomeou-se Aristides general da guerra juntamente com Cimón e notando que Pausânias e os demais caudilhos espartanos eram orgulhosos e insuportáveis aos aliados, tratando-os eles com brandura e humanidade e fazendo com que Cimón se lhes mostrasse tão bem afável e popular no comando, não perceberam os lacedemônios que ia a arrebatar-lhes a superioridade e o império, não a força de armas, de cavalos ou de naves, senão com a benevolência e a doçura, pois por serem os atenienses bemquistos pelos demais gregos pela justiça de Aristides e pela bondade de Cimón os faziam desejar mais seu comando à cobiça e os maus modos de Pausânias “que tratava mal os caudilhos aliados, açoitando soldados, etc.”  

                XXIV.  “Ainda no tempo em que os lacedemônios tinham o mando, pagavam os gregos certo tributo para a guerra; mas querendo então que a exação se fizesse por cidades com igualdade, pediram aos atenienses que Aristides fosse o encarregado de examinar a extensão do território e as rendas de cada um e determinasse o que, segundo sua dignidade e possibilidade, correspondia pagar. Dono, pois, de tão considerável autoridade e tendo de certa maneira ele só em suas mãos os interesses da Grécia, se pobre saiu a exercer este cargo, voltou mais pobre ainda, tendo feito a determinação das riquezas, não só com pureza e justiça mas com a satisfação e gosto de todos. Portanto assim como os antigos celebravam a vida do reinado de Saturno, da mesma maneira os gregos, tinham em memória e louvor o repartimento de Aristides e mais quando ao cabo de pouco tempo, se lhes duplicou e triplicou o tributo; porque o que lhes impôs Aristides só ascendia à soma de 460 talentos e a ela somou Péricles próximo de 1/3; pois diz Tucídides que no princípio da guerra do Peloponeso recebiam os atenienses dos aliados, 600 talentos. “Posteriormente este valor chega a 1.300 talentos com espetáculos, templos e distribuição de dinheiro.”  A resposta de Aristides a Temístocles que disse que “o dote maior do general era previr e antever os desígnios do inimigo”: Bem é necessário isto, Ó Temístocles, porém o mais essencial e o mais louvável no que manda é por leis às mãos.”

                    XXV. “Sujeitou Aristides com juramento aos demais gregos e ele mesmo jurou pelos atenienses, apagando ferros candentes no mar em seguida às imprecações mas ao fim obrigando o estado dos negócios, segundo parece, a mandar com maior rigor, propôs aos atenienses que o acusassem de perjúrio e consultassem nas coisas públicas à utilidade. E Teofrasto falando em geral, disse que este homem, que como particular e para com seus concidadãos era estreitissimamente justo, nos negócios públicos se acomodou muitas vezes a situação da pátria que dele precisou de mais de uma injustiça, porque tratando-se a proposta dos de Samos de trazer para Atenas as riquezas de Delos, contra o estipulado nos tratados, se diz ter expressado Aristides que aquilo não era justo porém convinha. Mas por fim, com ter alcançado que Atenas imperasse sobre tantos povos, não por isto deixou de ser pobre e de honrar-se tanto com a glória de sua pobreza como com a de seus troféus; e a prova é esta: Calias o assistente, era parente seu; acusavam-lhe seus inimigos de causa capital e depois que falaram o que era próprio sobre os objetos da acusação, saindo fora dela, dirigiram a palavra aos juízes para tratar de Aristides dizendo-lhes: ‘Já conheceis a este filho de Lisímaco e quão grande opinião goza entre os gregos; pois como pensais que acontecerá em seu caso, quando vês que com aquela túnica se apresenta no tribunal? Por que não é indispensável que o que em público tem que tiritar de frio em sua casa esteja miserável e com falta das coisas mais necessárias? Pois Calias o mais rico dos atenienses sendo seu primo não faz caso de um homem como este, abandonando-lhe na miséria, com mulher e filhos, apesar de não ter deixado de valer-se dele e mais de uma vez ter desfrutado de sua influência.’  Viu Calias que esta fala tinha causado grande impacto sobre os juízes e os haviam indisposto contra ele, pelo que pediu que se chamasse a Aristides, para que testificasse diante dos juízes que, tendo-lhe oferecido dinheiro repetidas vezes e rogando-lhe que aceitasse nunca havia condescendido, respondendo que mais ufano devia estar ele com sua pobreza que Calias com todos seus bens; porque cada diz estava vendo a muitos usar, uns bem, outros mal das riquezas, quando não era fácil encontrar quem levasse a pobreza com ânimo alegre; e que da pobreza se envergonhavam os que não estavam bem em ser pobres. Entendeu Aristides que Calias dizia bem e não saiu dali nenhum que não quisesse mais ser pobre como Aristides que rico como Calias. Assim nos deixou escrito Esquines, discípulo de Sócrates. Platão tendo por dignos e grandes muitos atenienses, disse que só a este era digno de memória porque Temístocles, Cimón e Péricles encheram a cidade de pórticos, riquezas e muitas superfluidades e só Aristides a inclinou com seu governo à virtude. Ainda com o mesmo Temístocles deu grandes mostras de sua equidade e moderação ... não se alegrando com a desgraça do inimigo assim como antes não havia invejado a felicidade.”  

                   

             Em outros dois capítulos deste livro, ‘Agni, liturgia’ e ‘Roma e Índia (2)’  vemos também citações de textos da história de Agni: a busca de Agni, sua procura, refere-se a seu sumiço, o desligamento/apagamento do fogo do sacrifício e que para ser acendido/ligado novamente precisa ser encontrado. Fizemos então um paralelo com a liturgia, a busca e reencontro, do fogo sacrifical, seria a busca litúrgica na/da união do ser humano com Deus. Este re-acendimento, re-ligamento (re-ligião), é aquele do indivíduo diante, com, no, fogo do altar, produtor então de um novo ser, de uma nova vida. Àproximação de Agni do latim agnus, cordeiro, explica-se neste quadro uma vez que sabemos que a oferta litúrgica diária é a oferta do cordeiro.

             A santificação da Pobreza pode-se entender na medida que o fogo interior existe dentro de todos os seres e sua atividade é universal neste sentido. Vejamos para finalizar o hino primeiro do Rig veda dedicado a Agni com comentário do tradutor para entendermos esta atividade interior do fogo:

                  1. Venero a energia vital (Agni) que está colocada dentro de mim e a qual me fornece a luz da inteligência e a combustível necessário para todos os meus esforços. Sempre que convocado expõe tudo de bom que guarda dentro de si-mesmo.

                  2. Este Agni foi elogiado pelos primeiros rishis, do mesmo modo que está sendo pelos novos atualmente. Ele é aquele que dirige e estimula nossos sentidos aqui neste corpo. (nota do tradutor: a palavra rishi foi usada aqui no sentido de transmissores de conhecimento. Pensadores que transmitem seus conhecimentos e experiência para o benefício dos outros são todos rishis. Dentro do corpo físico as faculdades dos sentidos que transmitem todas as percepções para a mente (aferente e eferente) também são chamadas rishis).

                   3. Qual comida alimentando o corpo, nosso zelo (energia) para o trabalho também torna-se rapidamente plena por Agni no dia-a-dia. Isto é feito bem regularmente e com máximo vigor.

                    4. Ó Agni! Qualquer sacrifício (de energia) que fazemos, é você que o permeia em todo lado no céu (mente) e além. É esta energia que também entra em nossos sentidos. (nota: a energia é imperecível; a energia nos sentidos é a mesma do cosmos; o céu é figura da mente.)

               5. Para o que o invoca, este Agni cria inteligência, dispersa a escuridão causada por imagens flutuantes na mente e revela a realidade. Direciona para dentro a luz, para as faculdades dos sentidos. (Gosh)

 

 

Bibliografia: 

               Mahabharata, tradução de Kisari Mohan Ganguli, MMPublishers, New Delhi, 2004, Índia. 1.a edição 1896. 

                Plutarco, Vida de Aristides in Vidas Paralelas (trad. Antonio Sanz Romanillos, Jose Ortiz y Sanz e Jose M. Riaño), Aguillar, Madrid, 1973   

                Shyam Gosh, Rgveda for Layman, MMPublishers, 2002, New Delhi, Índia.         

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

[ n. do tr.: Yama = Focion ]

 


                                                   Plutarco Brahmin


           Yama = Foción ( 400 – 318 a.C.)

        A apresentação de Yama aparece em três autores com os livros respectivos na bibliografia.

      “Yama ou Vaivasvata, filho de Vivasvat e Saranyu, filha de Tvastri, com uma irmã gêmea Yami. Foi o primeiro homem a morrer, alcançou o outro mundo e mostrou aos outros o caminho para aquele mundo. Ele guia outras pessoas para lá e os reúne em uma casa que lhes está assegurada para sempre. Todavia em nenhum lugar no período Védico é representado como um punidor, castigador, dos pecados; contudo ainda é objeto de terror. Ele tem dois cachorros cada um com quatro olhos e narinas largas que guardam a estrada para este último domicílio dos mortais. Em um lugar ele é realmente identificado com a morte. Mais tarde a mitologia o reduziu a situação de guardião da região dos mortos e como deidade presidente do lugar ele está investido com os poderes de avaliar a qualidade e quantidade de pecado cometido por cada alma e conferindo punições proporcionais: como dispensador de justiça ele é também conhecido como Dharmaraja.  Ele é dito ser o pai de Dharma, o mais velho dos cinco Pandavas (pai de Yudhisthira no Mahabharata).” (Gopinata  Rao, pg 525 ).  

     “ ‘Yama primeiro encontrou o caminho para nós, este pasto nunca nos será tirado’ (RV, X, 14,2). Grande parte das palavras dos ‘hinos fúnebres’ do Rigveda, faz referência a Yama como guia e reunidor de pessoas e legislador das pessoas aqui no mundo-iluminado; sua ligação com os Patriarcas é como guia deles e líder na estrada que leva à tão desejada continuidade da sua ‘linhagem’, ele é o patrão daqueles viajantes no pitryana (caminho dos antepassados), quer dizer, daquelas potencialidades individuais, cujo curso é para cá e só depois daqui. (...). Os ‘Cães’ malhados de Yama (sem dúvida o Sol e a Lua, ‘com quatro olhos’ enquanto eles contemplam os quatro Cantos) que guardam o Caminho, são protetores ‘das pessoas’ contra poderes demoníacos, o lobo (vrka) e tais; como ‘vigias das pessoas’ estes ‘Cães’ podem ser identificados com os ‘espiões vigias de pessoas’ de RV IX, 73, 5-6, que ‘fazem voltar o cego e o mudo (pois realmente) aqueles que são malformados não passam no Caminho da Lei (...). Qual o significado da exclusão do cego e do surdo ou o de outro modo malformado? Ser cego ou surdo é o mesmo que ser não-desperto, não-inteligente e estúpido (...) destituído de qualquer ‘intelecto humano’ (nrmanas) tal como Agni também o é (...).” “Yama que encontra uma casa e une os Antepassados pela primeira vez aqui nos mundos (RV X, 14,2) (...) Também em SB VII, 1, 1,1 e 4 onde está claro que são os primeiros a se estabelecer, primeiros moradores que construíram um altar de fogo em qualquer terra, a realização deste rito constituindo o ato legal de tomar a terra. Yama é o legislador: ‘Alguém se estabelece (avasyati) quando constrói o garhapatya e quem que que seja construtor do altar de fogo e ‘morador’, ‘assentado’ (avasitah) ... Os Patriarcas (pitarah) fizeram este mundo para ele ( - ambas as passagens implicando um estabelecimento de veneração aqui e que Yama é ‘não um Deus de mortos mas de vivos’); Yama é o poder temporal (ksatra) e os Patriarcas os assentados (visah).” (A. Coomaraswamy, pgs130 e 125 respectivamente).   

               “Uma coisa é clara: a ordem do mundo implica que há pessoas que oferecem os sacrifícios aos deuses. A humanidade sacrificante é feita de gerações sucessivas. Mortais por definição, os homens têm acesso a duas formas, solidárias, de imortalidade: eles se prolongam aqui embaixo em sua progenitura; eles vivem pessoalmente no mundo onde Yama os espera após ter traçado o caminho que para lá conduz: mas eles só chegam lá para se tornarem Patriarcas; é necessário pois que eles tenham filhos qualificados para executar os ritos funerários que unicamente tornarão possível a transformação dos defuntos em ancestrais. É desta maquinaria que Yama está encarregado: os descendentes são um “tecido  (tantu) que se tece no tear (paridhi) estendido (tata) por Yama” (RS VII, 33,9 e 12).  

         “O comentário explica que a morte está presente no rito de consagração real porque o rei, quando for consagrado, será um ‘dharmaraja’ deverá matar os seres nocivos e proteger os bons (O comentário de Sayana ad TB VII 7, 15, 2 entende que a morte é o rei ele mesmo assim chamado porque ele é levado a exercer a justiça: o rei é justo como Yama. Ora, Yama é a Morte. Daí o rei é com direito chamado “Morte”). É menos o dharma como regulação harmoniosa que o dharma como sistema de obrigações que é o domínio de Yama. Sua arma é o bastão, danda, que é também a insígnia real por excelência. E a palavra danda é correntemente empregada no sentido de ‘castigo’, ‘poder repressivo’, ‘disposição penal’.(...) De resto a necessidade para os sobreviventes de fazer para os defuntos os ritos que lhes permitirão se tornar ancestrais e súditos do rei Yama é nela mesma uma das obrigações fundamentais que constitui a lei.” (Ch. Malamoud, pgs 20 e 28 respectivamente).

           Na ‘vida de Foción’ escrita por Plutarco apareceria alguma destas características de Yama? Uma primeira imagem a procurarmos seria a do bastão, danda: ele aparece castigando nosso protagonista mesmo, prendendo-o e silenciando-o; enquanto senhor da morte, ele é o primeiro a morrer, entrega-se a morte, mortifica-se, faz penitência.  A cena no parágrafo/ capítulo XXXII já faz parte do final da história quando da tomada de Atenas pelos macedônios, com a assembleia, junta, do Povo sendo preenchida por infames, escravos, estrangeiros e desterrados que vendidos aos macedônios votam a condenação a morte de Foción e dos que com ele estavam insultados em documento de Polisperconte como traidores da pátria parágrafo capítulo XXXIII. Nesta reunião prévia que acontece no campo, debaixo de um dossel dourado com a presença do rei e presidida por Polisperconte: “ porém os macedônios e outros forasteiros que presenciavam a junta, estando de passagem, queriam ouvir e por sinais rogavam aos embaixadores que fizessem ali sua acusação. Mas o partido era muito desigual porque tendo começado a falar Foción, Polisperconte se opôs a ele muitas vezes; e tendo dado por fim um bastonaço no solo (um golpe com o bastão no chão), aquele (Foción) se deteve e calou;”  

             A imagem de guia do Povo, conduzindo os Antepassados, os Patriarcas, aparece primeiro no capítulo VII: “Como visse que o que manejavam então os negócios públicos se tinham repartido como por sorte o mando militar e a tribuna, não fazendo uns mais que falar ao Povo e escrever ( Eubulo, Aristofón, Demóstenes, Licurgo e Hiperides)  enquanto Diopetes, Menesteo, Leostenes e Cares se enriqueciam mandando nos exércitos e fazendo a guerra, formou o desígnio de restabelecer enquanto dele dependesse o modo de governar de Péricles, de Arístides e de Solón, como mais completo, abraçando ambos os objetivos. Porque cada um destes três varões era, segundo a expressão de Arquíloco:

                           Um e outro, do deus das batalhas,

                          Não desdenhado aluno e com os dons

                          Favorecidos das doutas musas;

e observava, além disso, que Atena é ao mesmo tempo guerreira e política e baixo os dois aspectos é venerada. Conduzindo-se desta maneira suas disposições se dirigiam sempre a paz e ao sossego; mas, contudo, ele sozinho mandou como chefe (general de guerra) em mais guerras que todos os do seu tempo e também dos tempos anteriores, não porque se apresentasse para isso nem fizesse solicitações; porém tampouco se desculpava ou se retraía quando a Polis o chamava. Porque é sabido que quarenta e cinco vezes teve mando, não tendo-se encontrado nenhuma vez nas juntas de eleição, mas sendo chamado e nomeado em sua ausência; tanto que os de pouco juízo se maravilhavam de que o Povo, sendo Foción o único que comumente se lhe opunha, não dizendo nem fazendo nunca nada que pudesse agradá-lo, nas coisas de pouca importância fazia caso como por burla dos demagogos mais faladores e mais ocos, da maneira que os reis gostam de ouvir aos aduladores e lisonjeiros, e que quando se tratava de dar o mando, sempre sóbrio e solícito, empregava o cidadão mais severo e prudente, e que era o único , ou ao menos o que mais contradizia seus desejos e projetos. Assim é que, tendo-se lido um oráculo de Delfos em que se dizia que estando de acordo todos os demais cidadãos, um só pensava de distinto modo que a cidade, se apresentou Foción e disse que não se perturbassem porque era a ele que buscavam; pois que a ele só não agradava nada do que faziam. Em uma ocasião, como tendo exposto ao Povo sua decisão encontrasse aprovação e visse que todos uniformemente o aceitavam voltou-se para seus amigos e disse: “Propus sem perceber algum desatino!”.   

                 Já vimos (Simão = Vishnu) que Yama é o protagonista do Katha Upanishad em que orienta, guia, o jovem Nachiketas, que se inicia na vida religiosa. Guia e orientador da mortificação enquanto caminho para Brahma, Deus: daí seu olhar invertido, e seu pensar ao contrário do Povo que vemos explicitamente citado neste texto de Plutarco da ‘vida de Foción’. O caminho para Deus não é o caminho do mundo, diria o cristão, avesso ao mundo como o mundo é avesso ao XTO. Caminho dos Antepassados também como teoria e prática já que a palavra e a guerra devem se unir na mesma pessoa que fala na tribuna e que luta na fronteira. Assim como orientador e educador vemos no capítulo seguinte, VIII, várias frases e ditos de Foción que se concluem com uma resposta que deu ao que queria enviá-lo a Alexandre Magno: “Muitas coisas boas e úteis lhes aconselhei; porém não fazem caso de mim.”

               No capítulo IX aparece a questão dos malformados expulsos pelos ‘Cães’ de guarda: “Aristogitón, o delator das juntas públicas, estava sempre pela guerra e inflamava o Povo a empreendê-la; porém quando chegou o tempo do alistamento, se apresentou com uma muleta e com uma perna enfaixada; e logo que Foción o viu de longe, do banco de onde estava gritou ao secretário: “Inscreve também a Aristogitón, coxo e doente.” Era portanto coisa de maravilhar-se como um homem tão irritável e tão severo tinha o conceito e ainda o nome de bom; e é em minha opinião, ainda que que difícil, não é impossível que, como o vinho, uma pessoa seja ao mesmo tempo doce e picante; assim como outros que são tidos por doces sejam licenciosos e danosos para os que os experimentam; e ainda de Hiperides se refere ter dito falando ao Povo: Não olheis, oh atenienses, se sou amargo, mas se o sou à toa”; como se a multidão temesse e se aborrecesse só com os que são molestos e danosos com sua avareza e não estivesse pior com os que abusam do poder por desprezo e inveja  ou por rancor e rixa. Pois no referente a Foción, por inimizade jamais fez mal a ninguém, nem a ninguém teve por contrário e só no necessário fez frente aos que se lhe opunham a que pelo bem da pátria executava, sendo em tais casos áspero, inflexível e implacável; porém, fora disso, no transcurso de sua vida a todos se mostrou benigno, compassivo e humano, até vindo em auxílio dos de partido contrário, se lhes faltava algo e colocando-se do lado deles se estavam em perigo. O censuravam certa vez seus amigos de que tinha falado em juízo a favor de um homem mau e os respondeu que os bons não necessitam de auxílio. Aristogitón, o delator, depois que por sentença foi condenado, o chamou e rogou que o fosse ver, e condescendendo com sua súplica, se encaminhou para o cárcere; mas como seus amigos o estorvassem: “Deixa-me – disse – simplório; em que lugar poderíamos ver com mais prazer a Aristogitón ?”.

                   Os malformados são aceitos, com os pecados perdoados na infinita misericórdia de Deus que é comparada a esta bondade de Foción de amar inclusive aos inimigos, aos do partido contrário e aos maus.

                   Bondade, compaixão e misericórdia que aparecem no capítulo/parágrafo seguinte de Plutarco, X : “Os aliados e habitantes das ilhas, aos enviados de Atenas, quando outro general os conduzia, os olhavam como inimigos, reforçavam as muralhas, barreavam as portas e introduziam do campo as populações, os víveres, os escravos, as mulheres e as crianças;  e se o general era Foción, saiam coroadas a recebê-lo em suas próprias naves, e alegres os levavam a suas próprias casas.” 

                Nos parágrafos seguintes XI e XII já descrevendo a guerra contra os macedônios aparecem não só os dois ‘Cães’ que guardam o general como também a imagem do sacrifício enquanto garantidor, conquistador, da terra. XII  “Quando se apresentaram os inimigos, deu a sua tropa ordem de que permanecessem imóveis sobre as armas até que houvesse terminado o sacrifício; e foi longo o tempo que se deteve, ou porque os sinais não fossem faustos ou porque quisesse atrair para mais próximo os inimigos. Por esta razão receando então Plutarco de Eretria covardia e atraso meditado, acometeu só com os estipendiários, o que, visto pela cavalaria, já não aguentou mais tempo, mas se dirigiu naquele momento contra os inimigos, saindo desordenada e desunida do acampamento. Vencidos os primeiros, se debandaram todos, e Plutarco fugiu (isto aconteceu no ano 350 a.C.). Acometeram então ao valado alguns dos inimigos, trataram de rompê-lo e abrir-lhe passagem, pensando que estavam todos subjugados. Nisto, concluído já o sacrifício, atacaram os atenienses e expulsaram logo aos do acampamento, destroçando a maior parte deles enquanto se entregavam a fuga ao redor das trincheiras. Foción dispôs que o grosso de suas tropas parasse e estivessem atentos para esperar e recolher àqueles que no princípio haviam se dispersado na fuga, e ele, com os mais escolhidos, atacou aos inimigos. Travou-se uma renhida batalha em que todos pelejaram valorosamente e a todo transe; porém Talo, filho de Cinea, e Glauco, filho de Polimedes, que estavam ao lado do general todavia sobressaíram; e não só estes mas também Cleofanes conseguiu um mérito muito singular nesta batalha: porque fazendo voltar da fuga aos cavaleiros e gritando-lhes e chamando-lhes que corressem em auxílio ao general que estava em risco, conseguiu com sua volta que fosse mais certo o triunfo da infantaria.”    

         Cinea quer dizer cachorrento, encachorrado, e portanto não deve ser à toa.

          No XI há a preparação do sacrifício. Foción é enviado com poucos soldados porque presume-se que os soldados locais, da região, se unirão a ele. Aqui no caso uniram-se muitos insubordinados, faladores, maus e a estes Foción permitiu que desertassem ou se afastassem do acampamento para não ter que ficar ouvindo-os e não atrapalharem os que guerreavam. 

   No XIII acontece exatamente isto, qual seja, dos soldados da região se unirem a ele e juntos vencem a Filipe da Macedônia. Cleon, bizantino era colega de Academia de Foción, da Academia platônico-socrática.

   No XIV Foción com uma trombeta lidera o exército que vai salvar Megara saindo da junta, da assembleia do Povo que decide a ajuda. Ligam a cidade com o mar, porto, construindo dois ramais. Aproximando-se assim do mar e de Atenas.

    XV Filipe vence em 338 a.C. e morre logo em seguida. Foción contra a guerra mas voto vencido. Acabam a perdendo, a guerra, para Filipe e retornando para Foción que diz sobre os Patriarcas : “Me opus antes; mas já que fizestes um pacto é preciso leva-lo com paciência e com bom ânimo, tendo presente que nossos maiores, mandando as vezes e as vezes mandados, porém executando um e outro do modo que convém, salvaram a cidade e os gregos.” “Morto Filipe, não permitiu que o Povo fizesse festejos pela boa nova, primeiro porque parecia coisa indecente e segundo porque as forças que os tinha vencido em Queronea não diminuiu mais que de uma só pessoa.”

             Prescrição fúnebre que lembra as funções de Yama, assim como as que aparecem no XVI e seguintes.

      XVI Tebas é destruída em 335 a.C. por Alexandre magno que quer que entreguem políticos, olhando todos então para Foción : “E chamado Foción muitas vezes pelo nome, se levantou, tomou pela mão um dos seus amigos um dos mais íntimos que tinha e a quem mais amava e disse: “Colocaram a polis em tal precipício que eu ainda que pedissem este Nicocles, seria de juízo que o entregassem; pois o que cabe a mim mesmo, se se tratasse que morresse por vocês teria-o por grande felicidade. Me compadeço – continuou – oh atenienses, destes que de Tebas se hão acolhido entre nós; porém basta aos gregos o chorar por Tebas. Mais vale pois persuadir e rogar por uns e outros a quem tem a superioridade do que contender com eles.”  Foción acaba se tornando íntimo de Alexandre magno e é dito que depois que venceu Dario e tornou-se magno mudou a saudação das cartas menos as que enviava a Foción e a Antípatro.

   XVII   Neste parágrafo/capítulo aparece a casa de Foción famosa se pensarmos na casa de Yama. Casa que na época de Plutarco ainda estava de pé, diz o autor. A casa é dita ser humilde e simples com Foción tirando água do poço e a mulher cozinhando. Foción tem voto de Pobreza a quem venerava: recusa todos os presentes que Alexandre tenta lhe dar. Talentos de dinheiro, cidades, feudos: a tudo recusa. Quando Alexandre insiste, pede que liberte certos presos. Mortifica-se o senhor da morte.

 XVIII   A humildade também da esposa.

  XX   Harpalo tesoureiro de Alexandre que pegara dinheiro do tesouro corrompe Atenas. Menos a Foción: “fortaleza inexpugnável com o ouro.” Novamente a elevação da Pobreza enquanto virtude suprema, a humildade, a simplicidade, longe, livre, da riqueza que corrompe, do vil metal.

   XXI  “Tendo dado Asclepiades, filho de Hiparco, aos atenienses a primeira notícia da morte de Alexandre (323 a.C.), disse Demades que não se fizesse caso pois sendo verdade devia já estar exalando a morte toda a terra; e Foción vendo o Povo vaidoso e inflamado para pensar em novidades, tratou de distrair-lhe e entreter-lhe; porém como muitos corressem a tribuna e gritassem ser certa a notícia de Asclepíades e que Alexandre tinha falecido: “Pois se hoje está morto – lhes disse – não estará também amanhã e depois de amanhã e podemos portanto deliberar com mais sossego e segurança?” 

   XXII “Depois que Leostenes impeliu a cidade para a guerra chamada Helênica, muito contra a vontade de Foción, perguntou a este, por mofa, o que havia feito de bom em tantos anos de comando; ao que lhe respondeu: “Não pouco; que os cidadãos hajam sido enterrados em seus próprios sepulcros.”   

    XXIII “Mas resolvendo os atenienses marchar contra os beócios, a princípio se opôs e fazendo-lhe entender os amigos que os atenienses o matariam se os recusassem “injustamente – respondeu – se proponho o que é útil; mas se me afasto disto, com justiça.”  

“Vendo que não cediam, mas que levantavam grande gritaria, mandou anunciar a voz de pregão que os atenienses que estivessem compreendidos entre a puberdade e os sessenta anos pegassem provisão para cinco dias e os seguissem a partir da assembleia, junta, mesma. Move-se com isto grandíssimo alvoroço e como os mais anciãos começaram a clamar e sair, “não há que incomodar-se – disse - ; eu, o general, que conto já oitenta anos, estarei com vocês”; e com isto os apaziguou e os fez mudar de propósito por então.”     

        Junto com a injunção, ditame, sobre a morte, a atividade de líder e guia do Povo em guerra mesmo com oitenta anos!

        XXVII Os macedônios tomam Atenas e o cenário é de morte : “Deste modo receberam os atenienses guarnição dos macedônios e por chefe dela Melino homem bondoso e amigo de Foción. A condição contudo pareceu efeito do orgulho e mais demonstração de poder para humilhar que ocupação ditada pelo estado dos negócios, tendo-a feito menos tolerável o tempo em que teve execução. Porque entrou em Atenas no dia 20 do mês boedromion, estando-se celebrando os mistérios, e precisamente quando levam a Iáco desde a capital até Elêusis. Turvada, pois, a festa, muitos se puseram a comparar o que aconteceu nos antigos prodígios e os atuais. Porque antes, nas grandes prosperidades da cidade, haviam aparecido visões e escutado vozes místicas, com assombro e terror dos inimigos, e agora na mesma festividade, eram espectadores os deuses dos mais insofríveis males da Grécia, e de haver chegado ao último desprezo o tempo para eles mais santo e mais doce, tendo começado a época mais calamitosa. Pois, em primeiro lugar, alguns anos antes, as Dodonides                    (sacerdotisa de Dódona; só comiam castanha) haviam trazido um oráculo que previa se guardassem os promontórios de Artêmis (promontórios da Atica) para que outros não o tomassem, e então, naqueles mesmos dias, as faixas com que se adornam os leitos místicos, posta n’água para lavar-se, em lugar de sua cor púrpura, haviam tomado uma cor fúnebre e de luto, o que era de tanto maior cuidado quanto que todas as dos particulares tinham conservado sua cor. Além do que, a um iniciado que estava lavando um leitão na parte mais aberta e clara do porto, o arrebatou um tubarão e comeu todos os membros inferiores do corpo até o ventre; significando-lhes claramente o deus que, privados do território de baixo e marítimo, conservariam o superior e da cidade. E sobre a guarnição em nada incomodou, por causa do comandante Menilo; mas os cidadãos excluídos do governo por sua pobreza, que passavam de doze mil, os que haviam permanecido sofriam uma sorte muito miserável e afrontosa, e os que mesmo abandonando a pátria e passado a Tracia, donde Antípatro os dava cidade e terras, pareciam os exterminados depois de um cerco.” 

    Cenário de morte onde vemos os tecidos de Yama, referidos nas citações acima, nas faixas que ficam com cor fúnebre sem causa aparente mas sinalizando a morte que se aproxima.     

      XXVIII  “Depois, por ter morrido Antígono e ter começado os que o mataram a a mortificar e afligir os Povos, disse em Frígia um rústico, que como cavasse um campo e lhe perguntassem o que fazia, respondeu: “Busco a Antígono”; (...) contudo Foción livrou a muitos do desterro intercedendo com Antípatro e conseguiu para os desterrados que não fossem como os demais excluídos de todo da Grécia, sendo transladados para além dos montes Ceraunios e do Tenauro (montanhas do Épiro) mas que habitassem no Peloponeso, de cujo número foi Agnónides o Sicofanta.”            

    XXIX “Propondo Menilo a Foción fazer-lhe uma expressão e dar-lhe certa quantidade de dinheiro, lhe respondeu que nem ele valia mais que Alexandre nem a causa que queria que abraçasse era melhor que aquela que naquele tempo nada recebeu e como Menilo insistisse para que admitisse para seu filho Foco, “a Foco – respondeu – se tem juízo mudando de conduta lhe bastará o que ficar de seu pai; porém se segue como agora, não alcancará nada.” A Antípatro que queria valer-se dele para uma coisa injusta, lhe respondeu com dureza: ‘Não podes Antípatro valer-se de mim ao mesmo tempo como amigo e como adulador’. Refere-se que Antípatro dizia que em Atenas tinha dois amigos, Foción e Demades, de um nunca conseguiu que recebesse nada seu; e de outro nunca conseguiu contentar, satisfazer; é que Foción ostentava como uma virtude a Pobreza, na qual envelheceu, havendo sido tantas vezes general dos atenienses e contando reis entre seus amigos e Demades exibia-se como rico ainda que a custa de injustiças e cometendo-as intencionalmente.”        

                 Novamente a santa Pobreza.

   XXX – XXXV  Paixão de Foción executado igual Sócrates bebendo cicuta. A vítima é a oferta sacrifical. Transportado qual criminoso no carro dos bandidos é cuspido e maltratado pela cidade que tanto defendeu. A cicuta acaba e os executores estão sem dinheiro para comprar mais (12 dracmas) e Foción paga esta última despesa dizendo que a cidade nada deixa de graça, nem a morte.

      XXXV  “Dissolvida a junta, levaram os sentenciados ao cárcere e os demais vendo-se rodeados e estreitados entre os braços de amigos e clientes, iam aflitos e desconsolados; porém ao ver ao rosto de Foción, tão sereno como quando indo de general o acompanhavam desde a junta pública, todos geralmente admiravam sua imperturbabilidade e sua grandeza de alma, ainda que seus inimigos no caminho lhe enchiam de impropérios e teve um que se aproximou e cuspiu; de modo que ele se voltou para os arcontes  e lhes disse: “Não haverá quem contenha a este sem vergonha?” Como Tudipo estando já no cárcere e vendo moída a cicuta, se irritasse e lamentasse sua desgraça, pois não havia motivo para que fora colocado junto de Foción: “Com o que não tens em muito – lhe disse este – o morrer com Foción?” (...) Como todos beberam se acabou o veneno e o executor público disse que não moeria mais se não lhe dessem 12 dracmas, que era o que custava uma porção. Passava-se o tempo e a detenção era longa; chamou pois Foción a um de seus amigos e dizendo: “Bom, nem mesmo o morrer o dão de graça em Atenas!” e o encarregou que pagasse aquela miséria.”

   XXXVI  “Mas os inimigos de Foción acreditavam que seria incompleto seu triunfo se não faziam que até o cadáver de Foción fosse desterrado e que não houvesse ateniense que acendesse fogo para dar-lhe sepultura; assim é que não houve entre seus amigos quem se atrevesse nem sequer a tocá-lo. Um tal Conopión, que por salário ocupava-se destas obras, tomou o corpo e levando-o para depois de Eleusine, o queimou, acendendo o fogo em terra de Megara (no istmo de Corinto). Chegou lá uma mulher megarense com suas criadas, e levantando um túmulo vazio, fez as libações solenes.  Tomou depois em seu seio os ossos e levando-os durante a noite para sua casa, abriu uma cova no pátio, dizendo: “Em ti, amado pátio, deposito estes despojos de um homem justo e tu os devolverás ao sepulcro paterno quando os atenienses converterem-se do seu trato.”

              ‘O sacrifício dos ossos’ é nome de um capítulo do livro de Charles Malamoud citado na bibliografia. “A ação realizada por pessoas vivas por meio dos ossos é interpretada como uma ação realizada pelos ossos por meio destas pessoas vivas. Os viventes que fazem agir os ossos, que colocam os ossos em ação, são comparáveis aos oficiantes que (com remuneração) fornecem ao sacrificante os serviços aos quais ele tem necessidade para poder oferecer seu sacrifício.” (pg. 102) Neste mesmo livro o autor fala da irmã gêmea de Yama, Yami, que seria o dia, como Yama é a noite: seria Demades, Yami, esta realidade gêmea, junta, que diferente de Foción está do seu lado.  Do mesmo modo o fato de Yama não ter filhos, progenitores, aparece na crítica a Foco, o filho de Foción, que a tradição transmitida por Plutarco reiteradamente acusa de ruim, “sem prendas recomendáveis”(XXXVII), “andando com más influências” ( XIX), e como vimos na citação do capítulo XXIX acima.

          XXXVII  “Não tinha passado muito tempo quando os acontecimentos mesmos fizeram ver ao Povo que zelador e guarda da modéstia e da justiça era o que haviam perdido. Erigiu-lhe pois uma estátua de bronze e por conta do erário público deu sepultura a seus ossos. ... Enfim, o que aconteceu a Foción fez os gregos recordarem o que aconteceu com Sócrates por ser este erro muito semelhante àquele e causa igualmente para a cidade de grandes infortúnios.”  

     Charles Malamoud ainda fala sobre o sacrifício : “A operação sacrifical comporta pois dois momentos: aquele do início, onde o sacrificante não quer oferecer outra coisa que ele mesmo, depois o momento onde este sacrifício é estendido, prolongado, desdobrado. O sacrificante oferece uma vítima outra que ele mesmo, mas que, justamente por esta razão, é um outro ele mesmo. Duas fases, pois, nesta sequência, marcadas cada uma pela duplicação do sacrificante, a segunda sendo uma reprise da primeira. (...) Se pois o sacrifício é uma série de identificações (do sacrificante com a vítima, do indivíduo mortal com o Purusha primordial, do terreno do sacrifício com o cosmos, do altar de tijolos com o tempo estruturado do ano), ele é também um encadeamento de dualidades: sequências de duas fases, projeções de substitutos. (...) Os textos nos levam mais longe: se o sacrificante, mortal ou em busca de imortalidade, não cessa de projetar imagens dele mesmo no cosmos sacrifical, não é somente porque a identidade do sacrifício e do sacrificante se amoedam em uma infinidade de correspondências e homologias é também porque pelo ser humano todas as coisas são medidas aqui (SB X, 2,2,6).”  (pgs. 31-33)

             A palavra colocada em itálico aqui, amoedam, se repete no parágrafo/capítulo V da vida de Foción: “No obstante ser de costumes benignos e humanos, em seu semblante parecia inacessível e carrancudo, de maneira que com dificuldade se chegava nele os que antes não tinham marcado. Por causa disto, tendo falado em certa ocasião Cares contra sua seriedade, como os atenienses rissem: “Nenhum mal – lhes disse – os há feito minha seriedade, enquanto o riso destes deu muito o que chorar à Polis.” Por estas expressões a linguagem de Foción, sendo útil pelas sentenças e saudáveis pensamentos, encerrava uma concisão imperiosa, severa e algo picante: pois assim como dizia Zenón que o filósofo devia colocar de molho sua dicção no juízo, deste mesmo modo a dicção de Foción em poucas palavras mostrava grande sentido; e a isto parece que aludiu Polieucto de Esfecia quando disse que Demóstenes era melhor orador, porém Foción mais eloquente. Porque assim como a moeda, a que se dá grande estima publicamente, tem muito valor no pequeno volume, da mesma maneira a verdadeira eloquência consiste em significar muitas coisas com poucas palavras. Assim se conta de Foción que em certa ocasião estando já cheio o teatro se passeava pela cena estando todo embebecido dentro de si mesmo e dizendo-lhe um dos seus amigos: “Parece, oh Foción, que estás meditando”, lhe respondeu: “Sim, medito o que poderei tirar do discurso que vou fazer aos atenienses.” O mesmo Demóstenes, que olhava com alto desprezo aos demais oradores, quando se levantava Foción dizia em voz baixa a seus amigos: “Eia, está aí o machado dos meus discursos.” Mas talvez isto devesse se atribuir a seus costumes posto que em uma palavra só, ou um sinal de um homem de bem, tem uma força e um crédito que equivale a milhares de argumentos e de orações.”      

       No primeiro texto a moeda parece reproduzir a analogia do celeste com o terrestre em suas duas faces, dois lados. No segundo parece que também a palavra esconde seus significados dentro de uma concisão. O sacrificante e o sacrifício - a palavra e seu significado. Economia politica monetária faz da palavra na tribuna, o sacrificante e o sacrifício. O guia das pessoas na guerra é também guia espiritual pela palavra, pela fala.

          IV “A linhagem de Foción conjecturamos que não seria de todo obscura e abatida : pois se fosse filho de cozinheiro como disse Idomeneo, Glaucipo, filho de Hiperides, que em seu discurso recolheu e proferiu contra ele milhares e milhares de picardias, não teria omitido seu baixo nascimento, nem ele tampouco teria podido ter uma vida acomodada nem receber uma educação tão liberal, até o ponto de ter escutado, sendo muito jovem, a escola de Platão e depois a de Xenócrates, na Academia, fazendo-se imitador desde o princípio dos que tinham mais levados pensamentos. Pois nenhum dos atenienses viu facilmente a Foción nem rir nem chorar, nem lavar-se em banho público, como escreveu Duris, nem tirar a mão para fora da capa nas poucas vezes que a usou: porque assim como nas viagens e no exército, ia sempre descalço e desnudo, a não ser que fizesse um frio excessivo e inaguentável, de maneira que seus camaradas diziam brincando que era um sinal de frio rigoroso ver Foción com roupa.”   

                      Descalço e pelado, nosso herói, que se mortifica.            

        Yama é o primeiro braço, membro, anga, dos oito membros, da Yoga conforme vimos em  Vayu = Timoleón. Yama então significa restrições, obrigações, que são cinco: ahinsa       ( não matar), satya (verdade), asteya (não roubar), brahmacarya (continência), aparigraha       ( não cobiçar).  Em Ganesha = Pelópidas  vimos a doutrina dos dois caminhos pitr yana e deva yana, justamente sendo este pitr os antepassados, patriarcas, que Yama representa. Seria a vida ativa enquanto a contemplativa seria a deva yana. Haveria alguma imagem destes dois caminhos neste texto da vida de Foción ? Vejamos o capítulo XXIV.

        “Sendo roubada a parte marítima por Mício que com grande número de macedônios e estipendiários desembarcou em Ramnunte e assolava tudo, conduziu ( Foción) aos atenienses contra ele. Começaram a se apresentar uns por uma parte outros por outra querendo dar sugestões, disposições: “Deve-se tomar – lhe diziam – tal monte: a cavalaria deve-se enviar àquele ponto, aqui se deve tomar posição”; o que o fez exclamar: “Por minha vida, que estou vendo aqui muitos generais e poucos soldados!” Tendo formado a infantaria, um se adiantou um espaço bem longe dos demais; depois por medo, saindo contra o inimigo, retrocedeu à formação e Foción lhe disse: “Não te envergonhas, oh jovem, de ter deixado dois postos, aquele que te colocou o general e depois aquele em que tu te havias colocado?” Atacou o inimigo e os venceu com morte de Mício e muitos outros.”  

                          Com certeza esta citação de Plutarco é a mais antiga para esta frase famosa com cacique e índios no lugar de soldados e general.  E os dois lugares o que o general colocou e o que a pessoa mesma se coloca, a vida ativa e a vida contemplativa, respectivamente.  Afinal Yama é o legislador. “Em RV X, 14,8 (continuação do texto sobre Yama citação de Coomaraswamy acima) ao que se apresenta é exortado que ‘Afaste a maldição, busque novamente tua casa e brilhando bem, assume um corpo’ (...), onde uma reencarnação, não no tardio e mais literal sentido (Buddhista), mas dos princípios procriativos na aurora de uma nova criação, está implicado.  Cf. X, 58, certamente não ‘uma fala para chamar o intelecto fugidio (manas) de uma pessoa a ponto de morrer’ (Griffith) mas em trazer de volta um intelecto no tempo indicado para nascer.  Mors janua vitae, morte porta da vida.

 

Bibliografia: 

   Vida de Foción em “Vidas Paralelas” de Plutarco, Aguilar, Madrid, Espanha, 1973.

                           ( trad. Antonio Sanz Romanillos, Jose Ortiz y Sanz e Jose M. Riaño).   

Ananda Coomaraswamy, Perceptions of The Vedas, IGNCA/Manohar, New Delhi, 2000,

                             Índia.

T. A. Gopinatha Rao, Elements of Hindu Iconography, vol2, Delhi, Low Price Publications,   

                            1999, 1.a edição 1914 Madras, Índia. 

Charles Malamoud, Le jumeau solaire, Seuil, 2002, Paris.