segunda-feira, 4 de outubro de 2021

[ n. do tr.: Indra = Péricles]

 

    



                                                                               Plutarco Brahmin

              Indra = Péricles

 

         Na história de Indra sua luta contra Vrtra e a morte deste com o raio, aparece como o acontecimento mais importante, seja no Mahabharata, seja no Satapatha Brahmana. Esta luta contra o mal, o demônio, Mara / Namuci, é o que define o caráter do ‘senhor dos cem sacrifícios’, o chefe do céu dos trinta e três. Cortar a cabeça de Vrtra seria o sacrifício, a vitória contra o mal. Apesar de vitorioso, esta vitória teria sido conseguida com ‘pecados’, o que levaria o deus a diminuir-se, tornar-se pequeno, humilhar-se.  Indra portanto seria um deus que peca, que tem três pecados e com isto perde suas forças, energias, que posteriormente são restituídas através de um ritual. Uma série de livros e artigos dissertam sobre o tema e tentam explicá-lo : cf bibliografia.

         Como já vimos antes em Simão = Vishnu o cortar a cabeça do sacrifício supõe uma restituição, um colocar a cabeça de volta e em Pirro = Varuna um ritual chamado sautramani realiza esta restituição. Em ambas as citações vemos os deuses gêmeos médicos, os Asvins, realizarem-nas para restituir a Vishnu sua cabeça e a Indra suas forças perdidas no sacrifício. O sautramani então constitui-se de três animais cortados ao meio cada um correspondendo a um dos pecados de Indra que seguiriam o esquema das três funções de G. Dumézil que por sua vez segue o tratado ‘da alma’ de Aristóteles - alma vegetativa, alma sensitiva e alma racional - e igualmente repete-se na divisão tradicional das castas, ordens, estados, classes e no arquétipo da cosmologia antiga da teoria dos três mundos - céu, atmosfera e terra. Vemos Abrão no Gênesis realizá-lo depois da vitória sobre o rei de Sodoma e aliados e em seguida a oferta do dízimo de pão e vinho a Melquisedec em Jerusalém, dons que ainda atualmente se lembram em todas as missas. Vale a citação de Gênesis 15, 1-19:

        1 Depois destes acontecimentos a palavra de Iahweh foi dirigida a Abrão numa visão: “Não temas Abrão! Eu sou o teu escudo, tua recompensa será muito grande.”

          2 Abrão respondeu: “Meu Senhor Iahweh que me darás? Continuo sem filho... 3 Abrão disse: “Eis que não me deste descendência e um dos servos de minha casa será meu herdeiro.” Então foi-lhe dirigida esta palavra de Iahweh: “Não será este o teu herdeiro mas alguém saído do teu sangue.” 5 Ele o conduziu para fora e disse: “Ergue os olhos para o céu e conta as estrelas, se as pode contar,” e acrescentou: “Assim será a tua posteridade.” 6 Abrão creu em Iahweh e lhe foi tido em conta de justiça. 7 Ele lhe disse: “Eu sou Iahweh que te fez sair de Ur dos caldeus, para te dar esta terra como herança.” 8 Abrão respondeu: “Meu Senhor Iahweh, como saberei que hei de possuí-la?” 9 Ele lhe disse: “Procura-me uma novilha de três anos, uma cabra de três anos, um cordeiro de três anos, uma rola e um pombinho.” 10 Ele lhe trouxe todos estes animais, partiu-os pelo meio e colocou cada metade em face da outra; entretanto não partiu as aves. 11 As aves de rapina desceram sobre os cadáveres mas Abrão as expulsou. 12 Quando o Sol ia se por, um torpor caiu sobre Abrão e eis que foi tomado de grande pavor (uma obscuridade). 13 Iahweh disse a Abrão: “Sabe, com certeza, que teus descendentes serão estrangeiros numa terra que não será a deles. Lá eles serão escravos, serão oprimidos durante quatrocentos anos. 14 Mas eu julgarei a nação a qual serão sujeitos e em seguida sairão com grandes bens. 15 Quanto a ti, em paz, irás para teus pais, serás sepultado numa velhice feliz. 16 É na quarta geração que eles voltarão para cá, porque até lá a iniquidade dos amorreus não terá atingido o seu cúmulo.” 17 Quando o Sol se pôs e estenderam-se as trevas, eis que uma fogueira fumegante e uma tocha de fogo passaram entre os animais divididos. 18 Naquele dia Iahweh estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos: “À tua posteridade darei esta terra, do rio do Egito até o grande rio, o rio Eufrates, 19 os quenitas, os cenezeus, os cadmoneus, os heteus, os ferezeus, os rafaim, os amorreus, os cananeus, os gergeseus e os jebuseus.”   

          Olivier Masson em seu artigo ‘A propos d’um rituel hittite pour la lustration d’une armée: le rite de purification par le passage entre les deux parties d’une victime’ mostra que o ritual em questão é largamente difundido pelo mundo e, como vemos na permanência do Povo no Egito na citação de Abrão, é purificador, apotropaico (para evitar o mal) e para recobrar forças : sair do Egito é sair do mundo, purificar-se, purgar-se, antes de entrar na terra prometida, é largar o corpo para entrar n’alma. Relaciona-se à purificação dos pecados que na história de Indra seriam de três tipos, seguindo o esquema referido, cada animal para cada parte d’alma. G. Dumézil comprova esta tese no seu livro ‘Tarpeia’ em que há um capítulo apenas sobre o Sautramani e seu correspondente romano a Souvetaurilia.

             Na realidade este ritual apenas aparece no Satapatha Brahmana que é um livro de rituais sendo que no Mahabharata não aparece, nem os Asvins médicos. No Mahabharata na Udyoga parva seções IX-XVIII conta-se a história de Indra e sua esposa Sachi. Segue um resumo : Fala-se sobre o infortúnio que aconteceu com Indra e sua esposa Sachi. O filho de Tvastri com três cabeças é morto pelo raio de Indra e conforme as cabeças são cortadas, pássaros saem de dentro delas. Um carpinteiro termina o serviço de Indra e corta finalmente as cabeças todas. Tvastri cria então Vritra. Na luta contra este, Indra foge e vae pedir ajuda a Vishnu que elabora um plano para enganar Vritra fingindo amizade e este aceita dizendo que não poderá ser morto nem de dia nem de noite, nem com seco nem com molhado, nem com pedra nem com madeira, nem com arma para perto, nem para longe. Vritra está na praia e Indra também está na praia. Indra o mata então com a espuma do mar que não é nem seco nem úmida com o raio escondido nela e Vishnu escondido também, a aurora que não é nem noite nem dia. Indra então torna-se culpado e desprovido dos sentidos e de consciência indo habitar diminuto em um caule de flor de lótus. O ser humano Nahusha, qual outra Medusa a quem ninguém podia olhar, torna-se rei do céu, Indra. Ele que pegar Sachi para ele mas ela não quer. Sachi então pede um tempo. E procurando Indra o encontra diminuto no caule da flor de lótus. Indra sacrifica a Vishnu purifica-se mas foge de novo e fica novamente minúsculo. Sachi por sua vez engana Nahusha que passa a andar em um carro puxado por rishis, ascetas e humilhando Agastya acaba virando serpente amaldiçoado por Bhrigu. E então Indra retorna.

             O primeiro pecado seria o matar um brahmin, o filho de Tvastri que tinha três cabeças, desde já, este antigo regime, antiga ordem social que dividia-se em três castas. O segundo pecado seria de quebrar a palavra, trato, com Vritra com quem havia um pacto de não morte situando-se neste meio termo tão difícil de estar. O terceiro seria o da esposa Sachi que engana Nahusha, ser humano.

                   No mesmo Mahabharata na Adi parva seção CLXXII fala-se assim sobre o raio de Indra: “Em dias de outrora o raio foi criado para o chefe dos celestiais de modo que pudesse matar (o asura) Vritra com ele. Mas atirado na cabeça de Vritra ele quebrou em mil pedaços. Aquilo que é conhecido nos três mundos como glória é apenas uma porção do raio. A mão do Brahmana com a qual ele derrama libações no fogo sacrifical, a carruagem sobre a qual o kshatriya luta, a caridade do Vaisya e o serviço do Sudra rendido para as outras três classes, são todos fragmentos do raio.”  

      E na seção XLII e seguintes da Vana parva, vemos Arjuna no palácio de seu pai Indra/Sakra/Vasava levado pelo carro de Matali, o auriga e sentando no trono de seu pai : “Aquele que não tem mérito ascético não é competente nem mesmo para olhar ou tocar este carro, muito menos andar nele. Ó abençoado, após subir nele e após os cavalos sossegarem, irei nele, como um homem virtuoso andando na autoestrada da honestidade.”  

                É assim com este nome de Sakra que Indra aparece muitas vezes nos Jatakas, vidas passadas de Buddha, com seu trono amarelo no céu esquentando quando algo errado acontece na terra e ele vigiando (episcopando)  acaba  descendo para resolver a situação.

             Ainda no Mahabharata vemos no Aswamedha parva seção XI, Vasudeva/Krishna falando com Yudhisthira sobre Vritra e Indra, este joga o raio sucessivamente enquanto Vritra foge e esconde-se nos diferentes elementos corrompendo seus atributos respectivos: terra/odor, água/ paladar, fogo/ cor e forma, ar/tato, éter/som e por fim entrando no corpo mesmo de Sakra este ficou cheio de grande ilusão. “E escutamos que Vasistha confortou Indra (quando ele estava assim aflito) e que o deus de cem sacrifícios matou Vritra em seu corpo por meio do raio invisível, e saiba, Ó príncipe, que este mistério religioso foi recitado por Sakra para os grandes sábios e eles por sua vez me contaram ... O tempo chegou quando você deve lutar a batalha que cada um deve lutar sozinho com sua mente. Portanto, Ó chefe da raça Bharata, tu deves agora preparar-se para efetuar a luta contra a tua mente; e por meio da abstração e mérito de teu próprio karma, tu deves alcançar o outro lado (atravessar) da misteriosa e ininteligível (mente). Nesta guerra não há necessidade de mísseis, nem de amigos, nem de ajudantes. A batalha que deve ser lutada sozinho e com as mãos chegou para você.”

             Ananda Coomaraswamy em um artigo compara a história arthuriana, da távola redonda, de ‘Galvão e o cavaleiro verde’ com esta história de Indra e Vritra. O autor diz que a perda da cabeça é a mesma e que o sofrimento de Galvão durante um ano assemelha-se ao de Indra. Segue citações :

     “Deve-se lembrar sempre que o rito humano do sacrifício imita aquele que foi feito no princípio, e que o sacrificante, enquanto tal, é identificado a Indra o matador de Vritra ( S. Br. V,3,2,27) e enfim que todo homem deve matar seu próprio Dragão para em seguida se reconstituir.” ( pg 122)  A alma sensível é o próprio dragão. ( pg 115 ).  

      “ ‘Indra o divide’, ‘ Ele se divide a si mesmo’, estas duas afirmações não são contraditórias. Deve-se compreender claramente - o que do ponto de vista cristão será completamente inteligível – que o sacrifício é sempre uma vítima que consente se impondo a ela mesma a ‘paixão’, ao mesmo tempo que ele é a inocente vítima de uma paixão que se lhe impõe injustamente; são duas maneiras diferentes de considerar um único e mesmo ‘acontecimento’.( pg 108)

      “ ‘O mito da criação é igualmente um mito da redenção’ como no cristianismo os dois planos estão ligados.” ( pg 116 ). 

    “ ‘A propósito do mito de Perseu ... poderia-se propor esta significação: Perseu, o herói solar, corta a cabeça toda manhã do Sol noturno simbolizado pela Górgona, para que do tronco surja os símbolos da luz que, como os filhos de Poseidon, saem do Oceano. O mito de Perseu teria assim a significação: morra e transforme-se!’ Esta é indubitavelmente a significação mais profunda do Sacrifício: Mors janua vitae ( morte porta da vida).” ( pg 120 ). 

       “Nossa cabeça é o nosso si mesmo e cortar a cabeça é o abandono de si mesmo, a negação de si mesmo, a abnegação; inversamente, ‘apenas fazer o que dá na cabeça’ ( onde ‘fazer’ = engrandecer, exaltar, valorizar) vem a ser, afirmar sua individualidade.” (pg 128).

         Uma vez estabelecido este caráter interior de Vrtra, como ele aparece na vida de Péricles com a qual comparamos, colocamos em paralelo, a de Indra ?  Vrtra seria a aristocracia, oligarquia, poder de poucos, a qual, para a democracia de Péricles se estabelecer, precisa derrotar, cortar a cabeça, posto que demônio é (por incrível que pareça continua tudo do mesmo jeito que há milhares de anos atrás com o mesmo demônio redivivo precisando ter a cabeça cortada, a esquerda política tendo que cortar a cabeça da direita que continua a roubar o Povo de seus direitos, riquezas, etc : os poucos, 1%, açambarcando a riqueza de todos : a vitória do comunismo, socialismo, em tod’Ásia, garante este cortar de cabeça no mundo todo e a subsequente vitória da democracia que diga-se de passagem tem seu nome usurpado pela direita, oligarcas que são). Deixemos Marie Delcourt falar :

              “Clístenes se apresenta como o homem que após um parêntese de cinquenta anos, recolocará em vigor a constituição de Sólon. (...) Este encontrou o Povo pequeno dos campos miserável e endividado; os camponeses viviam de um sexto da colheita que lhes deixavam o proprietário e arriscavam ser reduzidos à servidão como os hilotas de Esparta. Sólon suprimiu as dívidas, interditou a escravidão dos corpos e fez uma desvalorização que aliviou os camponeses. Pisístrato que encontrou apoio entre os pobres, deu aos que viviam do sexto a propriedade das terras que cultivavam. Clístenes pode pois partir de uma situação social saneada: Athenas não se tornaria uma segunda Esparta e a primogênita das filhas da Jônia não seria cultivada por escravos. Tratava-se agora de dar uma existência política às pessoas estabelecidas na terra e acostumadas a independência pessoal. (...) Clístenes deixou os thetas de fora dos cargos individuais, como a estrategia e o arcontago, mas ele tratou de fazer a educação política deles os introduzindo nos corpos coletivos, a Assembleia, o Conselho, o Tribunal. Este último era composto unicamente de cidadãos agindo como jurados. Mais tarde, cabia indenizar toda esta gente pequena que doava seu tempo ao Estado: é Péricles que deverá realizar, até suas últimas consequências, as reformas de seu tio-avô ( Clístenes).”( pg 24)

        “Ora, Athenas tornou-se uma democracia tipo (do mesmo modo que Esparta era uma aristocracia tipo) somente em seguida às reformas de Ephialtes em 462/461 a.C.. E é anteriormente a estas reformas que Simão/Cimón dá a Esparta uma prova decisiva de amizade conduzindo um destacamento ateniense em socorro dos reis ameaçados pela revolta de Messênia.” (pg. 52).

       “Ephialtes fez contra ele (o Areópago) uma guerra longa e eficaz. Ele o desacreditou atacando individualmente um grande número de Areopagitas e mostrando sua indignidade. Depois, em 462/461 a.C., aproveitando a ausência de Simão, ele fez passar uma decisão que tirava do Areópago ao mesmo tempo o direito de julgar (excetuando os crimes relativos aos deuses, mortes premeditadas quando o processo era todo religioso e relativo a administração dos bens sagrados) e o direito de vetar os projetos de lei se o julgavam contrário à constituição. O Areópago deixa de ser o grande tribunal ateniense e o guardião das tradições políticas. De repente o Tribunal toma uma importância maior. (...) A reforma de Ephialtes tira a maior parte das atribuições judiciárias dos antigos magistrados mas é para lhas dar àqueles que já exercem o poder legislativo, isto é aos cidadãos simples. As leis eram simples, pouco numerosas, redigidas em palavras de todo dia. Os homens do Povo, após prestar juramento, decidiam soberanamente, não apenas de fato mas também de direito.”  “Ephialtes encarregou o Povo de vigiar as tradições e de assegurar a justiça, exatamente com Temístocles o encarregou de defender o Estado. Péricles colocou o Povo a fazer o mesmo criando o soldo. Os corpos coletivos (exceto a Assembleia) recebiam uma indenização: aos conselheiros cabiam uma dracma por dia, aos juízes, dois óbulos e se reembolsava a cada cidadão o preço da entrada no teatro. O Povo-rei se pagava a si mesmo para exercer o ofício senhorial do governo, para fazer as leis, tomar decisões, pronunciar julgamentos, remar nas trirremes.” ( pg 62). 

               Ephialtes seria então o carpinteiro que termina o serviço de Indra quando da morte do tricéfalo o primeiro filho de Tvastri sendo este portanto o Areópago e seu antigo regime aristocrático. O que aparece na Vida de Péricles de Plutarco no seu capítulo, parágrafo, IX. Aqui também aparece o confronto com Simón e seu ostracismo não merecido posto que muito ajudou Athenas com os espólios de guerra. No capítulo X vemos que este ostracismo será revogado diante da invasão de Tanagra ficando Simón a cargo da esquadra e Péricles da cidade: Elpinice esposa e irmã de Simón ajusta este acordo com Péricles. Se Simón = Vishnu, Elpinice = Lakshmi, que justamente nasce da espuma do mar batido, quando do batimento do mar de leite ( cf capítulo ‘sobre a ambrosia’ de Plutarco Védico) figura, imagem, do comércio unindo os Povos, deuses e demônios. Elpinice é chamada de ‘velha’ por conta deste nascimento não-humano da deusa Lakshmi. Vemos Vrtra e Indra ambos na praia do mar e a espuma do mar escondendo o raio: imagem da talassocracia, domínio dos mares, ateniense. 

               No capítulo XI temos a recomposição deste mesmo partido aristocrata, oligarca, que não acaba mas revive enquanto Vrtra: “ Os aristocratas reúnem-se em um partido tendo como líder Tucídides (general não o historiador), cunhado de Simón, e a população fica dividida, como a pegadura do ferro, em duas partes, o partido da plebe, do Povo e o de poucos, oligarcas, aristocrático. Por isto solta mais Péricles as rendas ao Povo”, “enviando todo ano sessenta galeras em que navegavam muitos cidadãos assalariados pelo espaço de oito meses e ao mesmo tempo se exercitavam e aprendiam a ciência náutica.” “Iam para todas as colônias aliviando a cidade da multidão e remediando a miséria do Povo e também servindo de guarda entre os aliados habitando entre eles para que não tentassem nada.” Novamente vemos o mar como o lugar da vitória sobre Vrtra. 

           A morte de Vrtra estaria no capítulo XIV da Vida de Péricles em que fala do esfarelamento do partido aristocrático e do ostracismo de seu líder Tucídides. Junto está a crítica a Péricles por gastar muito nas obras da cidade quando responde que então vae pagar ele as obras e ficar só seu nome na dedicação ‘ao o que o Povo volta atrás devido à glória de ter seus nomes nas obras’: as obras dos templos imortais carregam o nome do Povo. É obra do Povo. A derrota da oligarquia aristocrática é a construção da coisa pública, do que pertence a todos e não apenas a alguns, a propriedade privada da Povo, a empresa/empreendimento público/a.

           No capítulo XII fala-se das grandes obras realizadas em Atenas então, por todo o Povo, obras que vão dar sentido a forma de governo chamada democracia porque “a todos repartiu o bem-estar e a abundância”. Segue a citação de Plutarco: “As obras públicas com o dinheiro da liga de Delos, obras que depois de feitas dariam uma glória eterna e que deram de comer a todos enquanto se faziam proporcionando toda espécie de trabalho e uma infinidade de ocupações, as quais, despertando todas as artes e pondo em movimento todas as mãos, assalariaram, digamos assim, toda a cidade que ao mesmo tempo se embelezava e se mantinha a si mesma. Não só os de idade boa e robustos tomavam nos exércitos o que necessitavam do erário público mas toda a multidão de trabalhadores pesados e rudes foram introduzidos em grande número de trabalhos e obras. Porque sendo a matéria prima pedra, bronze, marfim, ouro, ébano, ciprestre, latão (cobre e zinco), trabalhavam nela e lhe davam forma os arquitetos, modeladores, latoneiros, pedreiros, tintureiros, ourives, polidores de marfim, pintores, bordadores e torneiros; além do que para prover estas coisas e transportá-las se entendiam os comerciantes e marinheiros no mar;  e em terra os carreteiros, peões, domesticadores de animais de tração, cordeiros, linheiros, tecedores, construtores de caminhos e mineiros; e como cada arte, a maneira que cada general seu exército, tinha da plebe sua própria multidão subordinada, vindo a ser como o instrumento e corpo de seu ofício particular, repartiam e distribuíam as ocupações a toda idade e natureza, por assim dizer, a todos o bem estar e a abundância.”    Fídias = Vishvakarma ( karma, obra; vishva, todas; todas as obras) ( o arquiteto dos deuses). 

         O raio aparece no capítulo VIII; segue a citação de Plutarco: “A esta ordem de vida e a elevação de seu ânimo procurava acomodar, como órgão conveniente, sua linguagem, para o que consultava frequentemente Anaxágoras, colorindo com a ciência física, como com um tinte retórico, a dicção. Porque reunindo aquele, por seus conhecimentos de física, a razão sublime obradora de tudo, como diz o divino Plato (Fedro), a seu excelente natural e juntando sempre o condizente com o artifício em dizer, se avantajou muito a todos os demais; e de aí dizem que teve o apelido, ainda que há quem diga que dos primores com que adornou a cidade, e outros que de sua autoridade no governo e nos exércitos, lhe veio que lhe chamassem Olímpio: se bem que nada de estranho havia em que todas estas coisas houvessem contribuído naquele homem insigne para esta gloriosa denominação. Mas as comédias de seus contemporâneos lançaram contra ele então muitas vozes sérias ou ridículas; de seu modo de falar mostram haver-se originado principalmente o tal apelido porque diziam dele que trovejava, que lançava centelhas e levava na língua um raio tremendo quando falava em público.”    

           Esta citação termina falando da timidez de Péricles, o que nos leva ao tema da sua diminuição, humilhação, fraqueza, que aparece em vários parágrafos, capítulos. Primeiro neste VIII: “O mesmo Péricles era tímido e circunspecto no falar; e assim ao subir a tribuna, pedia sempre aos deuses que não lhe escapasse, sem que ele percebesse, nem uma só palavra que não fosse acomodada a sua intenção e a que esta exigia.” Antes no VII em que fala de Péricles diminuindo-se sem participar de festas e reuniões “parecendo que na cidade só havia o caminho da praça pública e do conselho. Porque as aglomerações levam a mal tudo que é altivez e é muito difícil na familiaridade conservar aquela gravidade que dá opinião... ele porém fugindo a respeito do Povo a relação contínua e o aborrecimento, não se apresentava senão como fugindo (escasseando-se), nem falava em todo negócio, nem sempre se mostrava em público, senão reservando-se para os casos de importância... as demais coisas as executava por meio de seus amigos ou de oradores do seu partido, dos quais se dizia que um era Ephialtes.” 

               Nos capítulos XX e XXI vemos “os atenienses senhores dos mares e Péricles nem cedia nem condescendia com os esforços que mostravam os cidadãos imbuídos desmedidamente com tanto poder e tanta fortuna que queriam tomar o Egito, a Sicília, Etruria e Cartago. Mas Péricles continha esta inquietude e reprimia esta ambição, voltando principalmente aqueles grandes meios à conservação e segurança do que já dominava, reputando por grande façanha o manter a fronteira aos lacedemônios e manifestando-lhes contrário do que deu provas em muitas outras coisas porém mais assinaladamente na conduta que observou nos sucessos da guerra sagrada (448 a.C.).” Nesta guerra o Lobo consagrado a Apolo próximo do altar principal de Delphos foi tomado por Esparta que nele escreveu que tinha procedência nas consultas da Pítia. Péricles o toma de volta e escreve do outro lado a precedência igual de Atenas. Devemos lembrar, como vimos em Ganesha = Pelópidas, que Apolo nasce em Delos e que a liga de Delos é a base do domínio marítimo de Atenas. “A amphictionia de Delos, cujo oráculo, os panegíricos e os jogos agonísticos contribuíram sob a tutela de Athenas à coesão dos Jônios. É certo em todo caso que a arbitragem de Apolo sob a forma de decisão oracular foi um elemento de apaziguamento e de concórdia no interior mesmo das cidades e Píndaro pode cantar que Apolo fez penetrar nos corações o amor da concórdia e o horror da guerra civil. (...) Apolo primeiro teria sido um deus de pastores e das assembleias humanas, denominadas Apellon ( Apela lac. = sekos e ecclesia ). Deus apotropaico, que caça o mal defendendo os rebanhos e os campos em geral. ”( Apolon in Bailly). E igualmente em Varuna = Pirro, que em Delphos encenava-se a Dolonia, a história do lobo Dolon da Ilíada caçado à noite por Ulisses e Diomedes que, segundo Henri Jeanmaire, representava uma iniciação comum à toda a sociedade dos adolescentes em direção à juventude que por um tempo deveriam viver a vida solitária e sanguinária de um animal nos campos, desertos, florestas.    

                No XXII Plutarco diz explicitamente: “Os fatos mesmos o demonstraram com quanta razão retinha em Grécia as forças dos atenienses.” A diminuição, retenção, contenção acontece com um pretenso suborno de Cleandridas ( pai de Gilipo = Virabhadra, que aparece na vida de Nícias = Shiva ) mas como em seguida é feita uma trégua de 30 anos com os lacedemônios, conclui-se que o dinheiro foi para apoiar o grande general espartano em sua empreitada seguinte em Thurios onde Parmênides foi legislador : vê-se a unidade grega.

         O voltar-se para dentro, o diminuir-se, é mais explícito, no capítulo XXXIII quando lacedemônios e beócios invadem a Ática e Péricles resolve ficar dentro da cidade junto com a população do campo, enviando barcos para que assolassem os países invasores, forçando a retirada deles, tática que deu certo não fora o acúmulo de gente produzir a peste dentro de Atenas. Quando se reclamava das colheitas perdidas ele disse: “As árvores se se podam ou se cortam se reproduzem e pronto; porém se os homens perecem não é fácil fazer-lhes novamente.” Neste momento o chamam de ‘abominação’ lembrando-lhe que era descendente dos que mataram Cilón que acolhera-se no templo de Atenas cem anos antes. Mas aconteceu ao contrário, ele ganhando mais estima de seus cidadãos vendo que tanto o aborreciam e temiam os inimigos.  

              Esta tema da diminuição aparece mais nos três processos que Péricles enfrentou indiretamente, sendo as vítimas atingidas por causa da proximidade com ele, processos que acontecem depois que o período de ostracismo de seu inimigo aristocrata acaba.

           Anaxágoras, Fídias e Aspasia, os três são processados devido a sua amizade com Péricles e como forma de derrotá-lo ( Plutarco capítulos XXXI e XXXII ). Como resultado obtiveram apenas o retorno da guerra e o fim de uma paz estabelecida. Anaxágoras foge. Fídias é dito que morre na prisão; mas sabe-se que o Zeus de Olimpia, sua cidade natal, foi feito depois por ele mesmo. E Aspasia é perdoada com o choro do próprio Péricles. Os três processos juntos mostram os três níveis, funções, conforme a historiografia atribui a Indra e seus pecados.

         O parassol que cobre a realeza oriental e que, como vimos no capítulo ‘Hoc Age’ em Plutarco Védico, é o lugar em que aparece a deusa da sabedoria, tem seu lugar no capítulo XIII de Plutarco: “O Odeon arredondado no teto e com pendente terminando em uma ponta a semelhança de um pavilhão do rei da Persia: lugar do concurso de música e dos espetáculos musicais da Acrópole. Um caso maravilhoso ocorrido enquanto o construíam, deu indício de que a deusa, longe de repugnar a obra, tomava parte nela e concorria para a sua perfeição. O mais laborioso e ativos dos artistas tropeçou e caiu do alto, ficando tão maltratado que os médicos perderam toda esperança. Entristeceu-se Péricles e a deusa aparecendo-lhe em sonhos o indicou um remédio com o qual muito rápida e facilmente ele ficou bom. Por este sucesso colocou-se a estátua de bronze de Minerva da saúde junto a ara, que se diz, estava ali antes.”  A imagem é a mesma, a deusa aparecendo no alto do parassol e falando seu oráculo. 

              No capítulo III de Plutarco vemos o nascimento de Péricles, descendente de Clístenes por parte de mãe. “Nasce sem defeito de corpo e somente a cabeça era prolongada e desmedida. Por isto quase todas suas estátuas o retratam com elmo não querendo mortificá-lo os artistas.” Seguem citações de poetas que o chamam de ‘congrega cabeças’ ou de ‘cabeça de todos’.  Outra característica que o aproxima de Indra, líder dos deuses do céu dos Trinta e Três.

         No  capítulo XV e XVI nos leva a entender porque os processos foram não contra Péricles mas contra seus amigos : Péricles era incorruptível; com toda a riqueza circulando na construção dos monumentos símbolos da democracia do Povo, da Philosophia e da Razão, ele não aumentou em um centavo sua riqueza.  Seu ecônomo, administrador, chamava-se Evangelo ( Boa Nova). Evangelo = Matali, o auriga do carro de Indra, posto que os quatro Evangelhos constituem a imagem do carro de Deus com os quatro animais alados descritos em Ezequiel.  Outra característica celeste do Olímpio. 

        Podemos fazer a equação Dadhyanc = Anaxágoras pois assim como o corpo do primeiro escondeu o raio, o corpo do segundo foi o raio escondido no discurso de Péricles. Segue Plutarco capítulo IV: “Quem sempre estava do seu lado (de Péricles), quem lhe infundiu a altivez e o espírito dominador da multidão e quem lhe deu majestade e elevação de costumes foi Anaxágoras de Clazomenes ao qual os da época apelidaram de Inteligência ou admirando sua grande prudência e seus singulares e adiantados conhecimentos nas coisas físicas, ou porque foi o primeiro a estabelecer por princípio ordenador de todos os seres não o acaso ou a necessidade, senão uma razão pura e simples difundida em toas as coisas, e pôs diferença entre os semelhantes e os misturados.”   

           No capítulo V: “Gostava singularmente Péricles deste philosopho e penetrado de sua doutrina sobre os fenômenos celestes e de sua metafísica sublime, não somente adquiriu como era natural, um ânimo elevado e um modo de falar sublime, puro de toda grosseria e vulgaridade, senão com sua continência inacessível ao riso, com seu modo grave de andar, com toda a disposição de sua pessoa, imperturbável no falar, sucedesse o quê sucedesse, com tom inalterável de voz, com todas estas coisas surpreendia maravilhosamente a todos.”

       No VI: “Não só este fruto retirou Péricles da sua comunicação com Anaxágoras senão que parece ter-se feito com ela superior à superstição que infunde terror com os efeitos meteóricos e naturais aos que ignoram suas causas e nas coisas divinas aos que com elas deliram e se assustam por falta de experiência; pois a ciência física a dissipa inspirando em lugar de uma superstição tímida e vã, uma piedade sólida, acompanhada das melhores esperanças.”

            Vemos então que, como não poderia deixar de ser, o Raio = Razão, o raio que Indra joga em Vrtra para despedaçá-lo é a própria razão. O texto de Krishna falando deste confronto antigo para Yudhisthira, comprova a tese.  É a Philosophia da Academia, da Stoa, dos Cínicos, em todas suas escolas, que junta, unida, associada, ao Povo, constrói este lugar celeste eterno da democracia na terra, a semelhança do céu dos Trinta e Três.

           Dos capítulos XXIV – XXVIII temos a guerra contra os de Samos, onde ressalta-se a figura de Melisso, philosopho ( Pitágoras também era de Samos além de ser de Crotona ). Plutarco diz explicitamente que esta guerra foi feita para satisfazer Aspasia que era de Mileto cidade a qual Samos atacava. Este episódio podemos colocar em paralelo com o de Nahusha assumindo o céu no texto da Udyoga parva seções IX-XVIII que já citamos. A equação Sachi = Aspasia comprova a tese pela semelhança do protagonismo que assumem e porque em ambas as histórias pede-se ‘tempo’: Sachi pede a Nahusha que lha dê tempo para decidir o que fazer e do mesmo modo no capítulo XVIII de Plutarco vê-se Péricles dizer: “Se não crês a Péricles, de modo a que não erres, és que esperes junto ao conselheiro mais sábio, que é o tempo.” É dito a Tolmidas, filho de Tolmeo, que por não escutar, fracassa em sua expedição à Beócia. Ressalta-se então a segurança dos empreendimentos militares de Péricles, sempre vitorioso, vencendo também Melisso de Samos utilizando Artemon, o maquinista, que mancava qual outro Hefesto. 

        A diminuição, recolhimento, humildade, é portanto a de não fazer guerra, não entrar em disputas, sem necessidade. É também a reação da direita, o 1%, aristocratas, oligarcas, o mal, contra a esquerda, o Povo, a empresa pública, o bem, tensão, disputa, luta, de classes, que reproduz exatamente o que acontece atualmente no mundo e no Brasil. A  construção da civilização humana tem como antagonista, inimigo, adversário, o próprio ser humano que é tomado, controlado, pela cobiça, ganância, querendo acumular, açambarcar, sempre mais, em detrimento do próximo, do público, do Povo.      

            

                                              BIBLIOGRAFIA

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