sábado, 28 de janeiro de 2012

[ n. do tr. : Agni, liturgia ]


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Agni , liturgia.  ( capítulo de 'Plutarco Védico'   isbn 978-85-906438-0-7 )

O prodígio do lago Albano assumiu um lugar importante na historiografia contemporânea : Georges Dumézil, historiador francês da segunda metade do século XX junto com outros historiadores, consegue identificar nos seus livros semelhanças no conteúdo entre histórias romanas contadas por Tito Lívio, Plutarco e outros, e a mitologia hindu – a história de Tulio Hostílio por exemplo repetiria a de Indra / Sakra, em seus aspectos guerreiros. A comparação acontece também com os mitos nórdicos da Edda de Snorri Sturluson de Loki, Odin, Thor, as Nornas, Balder etc. A ideia que passa é de que a antiguidade não era isolada mas as culturas se comunicavam, formando uma unidade espiritual, entre ocidente e oriente mesmo. O tema que se repete na comparação é o das três funções : o governo, intelecto, primeira função ; a guerra e o valor, a segunda função ; a economia e as riquezas a terceira função. Assim a tríade capitolina seria Júpiter, Marte e Quirino, sendo este último, o nome que Rômulo assumiu depois que tendo morrido, ressuscitou do lado de fora de Roma. Na realidade a forma das três funções repete-se de diversos modos. Entre os hindus se refere à ideia de um átomo original que teria estas três tendências ( dentro de um círculo ) respectivamente Sattwa, Rajas e Tamas que é o átomo dos elementos mesmos, fogo luz/ calor, vento ar, terra água que são portanto diferentes tendências da matéria e da Vida mesma aplicando-se também à organização social com cada raça, casta, classe, sendo um elemento, tendência : a 'Política' ou 'República' de Plato deixa claro em X livros o tamanho da aplicação desta tradição e claramente aproxima Oriente e Ocidente. A história do prodígio do lago Albano tem um similar em uma versão irlandesa e em outra iraniana. Vejamos o prodígio descrito por Plutarco em sua vida de Camilo, general que foi eleito dictador para comandar os exércitos por cinco vezes ( ninguém o foi tantas vezes ) ao redor dos anos 360 a.C.. Os romanos lutam então contra os etruscos ( povo de origem diferente, quiça atlante ) que possuem o maior templo de Hera da região um templo muito rico. Vão vencer e levar a estátua da deusa para Roma em triunfo mas acabam por perder a luta contra os celtas, caldeus, galos, que invadem Roma nesta época. Segue Plutarco :

III. Neste momento, quando a guerra estava em sua maior força, coincidiu o sucedido no Lago Albano, prodígio não menos digno de saber-se que qualquer outro dos incríveis como ele e que causaram grande terror por falta de uma razão geral e de poder o discurso designar-lhe uma origem física. No começo do outono e o verão que concluia não havia sido de águas nem, que se soubesse, havia vigorado ventos úmidos que se fizeram tempestuosos ; portanto tendo a Itália muitos lagos, rios e arroios, estes faltavam inteiramente, aqueles apenas com grande dificuldade se sustinham e todos os rios como acontece sempre no verão, corriam escassos e apoucados. Pois o Lago Albano, que em si mesmo tem seu princípio e seu fim, circundado de montanhas férteis, sem causa alguma, como não fosse divina, se via manifestamente que havia crescido e ia inchando-se, superando as bordas dos montes e chegando a igualar os lados que tinha ao redor, com mansidão e sem ser agitado com ondas. Ao princípio só foi prodígio para pastores e vaqueiros ; porém quando logo, levantada a corrente, como se rompesse um istmo, rompeu, por sua quantidade e por seu peso, os bordos que continham o lago, e desceu em grandes quantidades, caudais, pelos campos e arboredos até o mar, então não somente deixou assombrados aos romanos, mas fez entender a todos que habitavam a Itália, que não podia ser coisa pouca o quê anunciava. Fala-se, também, muito deste incidente no exército que sitiava a Veyos, de modo que ainda entre os sitiados se teve a notícia dele.

IV. Como é comum em todo cerco que se prolonga demasiado, que há trato e comunicação frequente entre os inimigos, sucedeu também neste. Um romano travou conversa e amizade com um inimigo, homem versado em linguagem antiga, e que se cria tinha um particular conhecimento de adivinhação. Como visse, pois, a este, logo que lhe referiu a inundação do lago, mostrar-se muito contente e rir-se do cerco : “Pois não é só isto – lhe disse – mas este tempo traz outros prodígios e outros sinais mais estranhos para os romanos, sobre os quais queria consultar-lhe para saber se naquela comum aflição podia haver algum meio de proteger sua segurança pessoal.” Escutava-lhe o vidente com atenção e se prestava com prazer à consulta, como que iam a descubrir alguns arcanos e logo neste colóquio, atraindo-o o romano cautelosamente, quando estavam a bastante distância das portas, lhe pegou no ar, porque era de maior força e vindo em seu auxílio alguns do acampamento, se apoderou completamente dele e o apresentou aos generais. Quando se viu o vidente naquela situação, convencido que não é dado ao homem evitar seu fado, revelou os arcanos relativos a sua pátria, a qual não podia ser tomada enquanto o Lago Albano, que havia se derramado e difundido por outros caminhos, não o fizessem retroceder os inimigos e o impedisse de misturar-se com o mar. O Senado tendo escutado isto e em dúvida do que faria, pareceu o melhor a fazer enviar um mensageiro a Delphos para consultar ao deus ; e foram Coso Licinio, Valerio Potito e Fabio Ambusto, varões muito ilustres e principais, os quais, feita a navegação e a consulta ao deus, trouxeram vaticínio também sobre a omissão de ritos das férias latinas. E prevenia que enquanto fosse possível fizessem voltar as águas para cima do lago Albano ao seu receptáculo antigo e se isto não pudesse ser com valetas e escavações a derramassem e perdessem por todo o país. Notificada esta mensagem, os sacerdotes se dedicaram aos sacrifícios e o povo, a executar as obras com que deram àguas outro curso.

V. O Senado para o décimo ano desta guerra, revogou, ab-rogou, todas as demais magistraturas e nomeou Camilo ditador, que elegeu para mestre da cavalaria Cornelio Scipião. Começou fazendo preces e votos aos deuses que se tivesse glorioso fim a guerra, faria grande jogos e consagraria um templo à deusa, a quem chamavam mãe Matuta ( personificação d'Aurora e por consequencia do nascimento ) os romanos. Pode-se pensar que esta é a mesma que Leucotoe, pela espécie de ritos que no culto se praticam ; porque introduzido uma escrava ao santuário, lhe dão bofetadas e depois a lançam fora ; aos filhos dos irmãos se põe no colo ao invés dos próprios e se executa coisas muito parecidas as nutrizes de Baco e aos erros e trabalhos que por causa da concubina ( Sêmele mãe de Baco filho de Júpiter ) sofreu Ino ( tia de Baco que cuidou dele um tempo até Juno descobrir e perseguí-la e à família de Orcômeno cidade próxima de Tebas cidade de Sêmele – Netuno salva Ino e a transforma em Leucotoe e seu filho em Palemon ). Feitas as preces, invadiu Camilo o país dos faliscos e a estes e aos capenates que vieram em seu auxílio, os derrotou em grande batalha. Voltou logo atenção ao cerco de Veyes e considerando que assaltar os muros era obra larga e difícil, colocou minas, cedendo o terreno das imediações da cidade com a enxada e permitindo levar fundo o trabalho sem que os inimigos percebessem. Alentada com isto a esperança, começou ele mesmo a assaltar pela parte de fora para atrair os cidadãos da muralha e outros, caminhando ocultamente pelas minas, chegaram , sem ser percebidos, até estar dentro da fortaleza, junto ao templo de Juno, que era o maior em tamanho e em veneração na cidade. Diz-se que nesta ocasião estava ali o caudilho dos tirrenos, etruscos, celebrando certo sacrifício e que o agoreiro, ao registrar as entranhas, gritou dizendo :”Deus dá a vitória a quem terminar este sacrifício” ; o qual tendo sido escutado pelos romanos nas minas, romperam prontamente o pavimento e pegando as armas com estrépito e gritaria, assombrados os inimigos, fugiram e eles então apoderando-se das entranhas, correram com elas até Camilo ; porém isto quiça tem o ar de fábula. Tomada a cidade a viva força e encontrando e recolhendo nela, os romanos, uma imensa riqueza, ao ver Camilo desde a fortaleza o quê se passava, no começo ficou parado e chorou ; depois, como o felicitava todos pelo sucesso, levantando as mãos aos deuses e fazendo rezas disse : “Jove Máximo e vós outros deuses, sois testemunhas das boas e das más obras, bem sabeis que não contra a justiça mas em legítima defesa, nos apoderamos da cidade, de homens insolentes e iníquos : mas se acaso somos devedores de alguma pena, peço que pela cidade e exército romano venha esta a parar sobre mim como menor dano possível.” Com isto, girando sobre a direita, como é costume entre os romanos em suas rezas, tropeçou no mesmo ato e como os que estavam em volta se sobressaltaram, refazendo-se prontamente da queda disse : “Segundo minha súplica aconteceu uma queda pequena em troca de uma felicidades tão extraordinária.”

VI. Saqueada que foi a cidade, determinou transferir para Roma a imagem de Juno, conforme o voto que ele fez ; e reunindo para isto muitos operários entre tanto ele fazia um sacrifício e pedia à deusa que escutasse seus desejos e fosse benigna companheira dos deuses que sua boa sorte havia dado à Roma, dizem que então a estátua falou e disse que era muito sua vontade e sua aprovação. Livio, contudo, refere que é certo que é certo que Camilo, aproximando-se da deusa, fez a ela aquela súplica e exortação porém que foram os que estavam ao redor que responderam que queriam, vinham a ele e seguiam sua vontade. Aos que sustem e patrocinam este prodígio lhes serve de grande defesa o incomparável destino de Roma, que não se concebe como de tão pequenos e humildes princípios, havia chegado e tanta glória e poder sem o amparo contínuo e frequente aparição de Deus. Também fazem com o mesmo propósito muitas coisas que se contam com o mesmo teor, como haver suado muitas vezes algumas estátuas ; que se as ouviram respirar ; que recussaram algumas coisas e consentiram em outras, aonde muitos antigos deixaram diferentes testemunhos ; e em nosso tempo ouvimos também muitos outros sucessos admiráveis, que não se pode olhar com desdem facilmente. Porém tanto o dar demasiado crédito a estas coisas, como o negar-las totalmente, pode ser perigoso, pela humana fraqueza que não sabe onde chega, nem pode dominar-se a si mesma, mas ou cae na superstição e vã confiança, ou esquece absolutamente e menospreza os deuses ; assim o melhor é ir com atenção e evitar os extremos.


Nas histórias iranianas e irlandesas temos o mesmo lago com uma energia dentro dele, como um fogo, que é concedido apenas a quem está habilitado a recebê-lo, é o fogo da soberania. Gente não credenciada tenta pegar este fogo n'água mas não conseguem pois ele escapa ferindo o desqualificado. As águas transbordam dando origem aos rios e voltam para o mesmo lago sacro. A semelhança com o mito romano está estabelecida em Mythe et Epopée de Georges Dumézil que contudo esquece o texto do Mahabharata que reproduziremos a seguir e da busca de Agni. Os deuses buscam Agni para gerar um filho que derrote um demônio pois os deuses não podem gerar devido a uma maldição.

Mahabharata Anusasana parva seção LXXXV

'Os Deuses disseram, 'O Asura chamado Taraka que recebeu dons de ti, ó potente, está afligindo os deuses e os Rishis. Que a morte dele seja ordenada por ti, Ó Avô, grande é nosso temor dele. Ó ilustre, nos resgate. Não temos outro refúgio que ti.'
Brahman disse, 'Sou igual em meu comportamento em relação a todas as criaturas. Não posso, contudo, aprovar injustiça. Que Taraka, este oponente dos deuses e Rishis, seja rapidamente destruído. Os Vedas e os deveres eternos não serão destruídos, vocês primeiros dos celestiais ! Ordeno o que é devido neste assunto. Que a febre de teus corações seja retirada.'
Os deuses disseram, 'Em consequênciade você ter dado a eles dons, este filho de Diti está orgulhoso de seus poderes. Ele é incapaz de ser morto, pelos deuses. Como então sua morte acontecerá ? O dom que, Ó Avô, ele obteve de ti e que ele não será morto pelos deuses ou Asuras ou Rakshasas. Os deuses também foram amaldiçoados pela esposa de Rudra (Shiva) (Parvati, Uma) em consequência da tentativa deles em dias anteriores de parar a procriação. A maldição dela é, Ó senhor do universo, esta mesma, qual seja, que eles não terão filhos.' ( Os deuses pedem ao casal Parvati/Shiva que não procriem, Shiva aceita e Parvati fica irada e lança esta maldição contra os deuses ).
Brahman disse, 'Ó primeiros dos deuses, Agni não estava lá naquele dia que a maldição foi lançada pela deusa. Ele mesmo gerará um filho para a destruição dos inimigos dos deuses. Transcendendo todos os deuses, Danavas, Rakshasas, seres humanos, Gandharvas, Nagas e criaturas com penas, o filho de Agni com seu dardo, que nas mãos dele será arma incapaz de ser baldada uma vez atirada no inimigo, destruirá Taraka a quem vocês temem. Verdadeiramente, todos os outros inimigos de vocês serão também mortos por ele. Vontade é eterna. Esta Vontade é conhecida pelo nome de Kama ( desejo ) e é idêntica a semente de Rudra ( Shiva ) uma porção da qual, dentro da forma de fogo de Agni. Esta energia, que é uma substância poderosa, e que parece outro Agni, será atirado por Agni dentro de Ganga ( o rio ) para produzir uma criança nela com o intuito de causar a destruição dos inimigos dos deuses. Agni não estava dentro do alcance da maldição de Uma. O que se alimenta de libações sacrificais não estava presente lá quando amaldição foi lançada. Que a deidade do fogo, portanto seja buscada. Que ele seja encarregado desta tarefa. A vocês, impecáveis, relatei os meios para a destruição de Taraka. As maldições daqueles que estão dotados de energia falha em produzir qualquer efeito naqueles que estão dotados de energia. Forças, quando entram em contato com algo dotado de força mais forte, tornam-se fracas. Aqueles que são dotados com penitências são competentes para destruir mesmo os deuses doadores de dons que são indestrutíveis. Vontade, ou semelhante, ou Desejo (que é identificável com Agni ) surgiu em tempos anteriores e é a mais eterna de todas as criaturas. Agni é o Senhor do universo. Ele é incapaz de ser apreendido ou descrito. Capaz de estar em todo lugar e de existir em todas as coisas, ele é o Criador de todos os seres. Ele vive nos corações de todas as criaturas. Dotado com grande potência, Ele é mais antigo que Rudra mesmo. Que este que se alimenta de libações sacrificais, que é uma massa de energia, seja procurado por vocês. Esta deidade ilustre realizará o desejo dos corações de vocês.' Escutando estas palavras do Avô, os deuses elevados passaram a procurar o deus do fogo com os corações alegres em consequência do propósito deles ter sido alcançado. Os deuses e os Rishis então buscaram em todo lugar dos três mundos, seus corações cheios com o pensamento de Agni e ansiosamente desejosos de verem-no. Dotados de penitência, possuidores de prosperidade, celebrados em todos os mundos, eles elevados, todos coroados com sucesso ascético, viajaram por toda parte do universo, Ó primeiro da raça de Bhrigu. Eles falharam, contudo, em encontrar aquele que se alimenta de libações sacrificais que escondeu-se submergindo-se dentro de si mesmo ( i.e., dentro d'água, pois água é idêntica a Agni ; como diz o próprio Dumézil 'a força ígnea que ordinariamente esconde-se nas águas, se manifesta tanto de repente no raio que sai das nuvens, como pela chama que sai da lenha que àgua nutriu' , sendo as águas de cima as nuvens e as águas de baixo os rios ). Neste momento um sapo que vivia n'água apareceu na superfície vindo das regiões mais profundas, com coração triste por ter sido queimado pela energia de Agni. A pequena criatura dirigiu-se aos deuses que tomaram-se de temor e que estavam, todos, ansiosos de ver a deidade do fogo, dizendo, 'Ó deuses, Agni agora está residindo nas regiões mais profundas. Queimado pela energia deste deus, e incapaz de suportar mais, vim para cá para cima. O ilustre portador das libaçoes sacrificais, Ó deuses, está agora debaixo das águas. Ele criou uma massa d'águas dentro da qual ele está. Todos nós fomos queimados pela energia dele. Se vocês desejam vê-lo – verdadeiramente se têm algum negócio para tratar com ele – vão até ele lá. Vão logo lá. Quanto a nós mesmos, fugiremos deste lugar, ó deuses, com medo de Agni.' Tendo dito tudo isto, o sapo mergulhou n'água. O quê se alimenta de libações sacrificais soube da traição do sapo. “ ( Agni então amaldiçoa o sapo e foge para outro lugar. Os deuses compensam a maldição dando aos sapos vários outros dons. O mesmo acontece com o elefante que diz aos deuses que continuaram na busca : 'Agni agora reside dentro desta árvore Aswattha'. Agni amaldiçoa os elefantes e vai esconder-se em outro lugar. Os deuses compensam a maldição dando dons aos elefantes. O papagaio então diz onde Agni está : no coração da árvore Sami, de onde vem os gravetos que fazem o fogo. E o papagaio também é amaldiçoado e recebe dons para compensar. Todas as maldições referem à língua e a capacidade de sentir gosto enquanto os dons e bençãos referem-se a capacidade desta mesma língua de emitir sons. ) “Vendo a deidade do fogo no coração da árvore Sami, os deuses fizeram da madeira Sami um combustível sagrado próprio para produzir fogo em todos os ritos religiosos. Foi a partir deste momento que o fogo passou a residir no cerne da árvore Sami ( é uma árvore inflamável ao esfregar-se dois gravetos dela ). As águas que ocorrem nas regiões mais inferiores entraram em contato com a deidade das chamas flamejantes. Estas águas aquecidas, ó tu da raça de Bhrigu, transbordam jorrradas pela montanha. Em consequência realmente de Agni ter residido nelas por algum tempo, ficaram quentes com sua energia. Enquanto isto, Agni, vendo os deuses, ficou chateado. Dirigindo-se a eles, perguntou, 'Qual a razão de vocês estarem aqui ?' Para ele os deuses e os grandes Rishis disseram, 'Desejamos te dar uma tarefa importante. Cabe a ti realizá-la. Quando realizada te dará grande crédito.' “ ( Os deuses então contam a história toda de Taraka e da necessidade dele, Agni, engravidar Ganga, o rio Ganges, de modo que o filho deles salve o mundo. Agni diz 'amém', assim seja, e aceitada a tarefa, que acontece depois de uma geração difícil pois Kartikeya, o filho gerado é pesado e Ganga não suportando-o, expele o feto que cresce daí em diante no ventre da terra mesma, daí aproximando o fogo do ouro, imagem do mesmo Agni e da riqueza ).



A ideia da busca, procura, aparece nas duas histórias, sendo que na hindu, o objeto da pesquisa muda de lugar e se esconde qual o Pequeno Polegar dos Grimm ( o fato deste último nascer do desejo, da vontade de um casal ao pé do fogo que o trocam por muito dinheiro, que os ladrões que o encontram querem também retirar da casa do bispo da cidade, parece que quer repetir a mesma ideia, fim, finalidade das histórias em questão : nosso pequeno herói acaba no estômago de uma vaca que é inteiro engulido por um lobo ).
A imagem dos romanos cavando seja para fazer àgua penetrar na terra seja para minar a fortaleza inimiga une a história romana e dá continuidade a imagem da busca. O ouro, a riqueza, surge no final nas duas versões. Mas a glória e a vitória na guerra somam-se a este sentido material. Mais ainda, é a deusa mesma Juno que se manifesta ativamente através de uma estátua unindo a vontade dela à humana conforme explícito no texto. Agni também é um deus que se manifesta. Os votos a Apolo de Delphos, o dízimo do ouro saqueado no triunfo ( segundo Tito Lívio ), e à Juno, de grandes jogos e de levá-la para Roma ( a própria imagem que acena com a cabeça que queria ir ) fazem da liturgia ( λαος εργον laos-ergon, obra pública ) o fogo escondido, Agni ( notar que agni em latim é cordeiro ).
A deusa representada na estátua, existente na estátua também busca, caça, persegue, os filhos Júpiter ( Ju-piter, Diu-pater ) e suas mães amantes do marido com ciúme ( zelo em grego ) : Io ( sacerdotisa de Juno foi amada por Júpiter e transformada em vaca branca para protegê-la da esposa com trono celeste que encarregou Argos de cem olhos de vigiá-la : Mercúrio mata o monstro fazendo-o dormir com a flauta frígia mas Juno envia uma mosca que persegue sua sacerdotisa que passa a vagar pelo mundo ), Latona ( mãe de Apolo e de Diana que amada por Júpiter e perseguida por Juno não conseguia um lugar onde parir seus filhos ), Calisto ( transformada em Ursa, constelação, para fugir da perseguição de Juno ), Alcmena ( mãe de Hércules, que também perseguido recebe os 12 trabalhos como penitência, tarefa, castigo ), Sêmele ( mãe de Baco, que também é perseguido, enganada por Juno acaba morrendo mas o filho a resgata dos ínferos ), Ceres ( mãe de Iaco com Júpiter, que teria acompanhado a mãe na busca pela filha, Prosérpina, Perséfone, também filha de Júpiter raptada por Hades ). Ovído nas Metamorfoses ( livro IV ) mostra justamente Juno descendo até o Hades e pedindo às Fúrias ( Alecto, Megera e Tisifonte ) que castiguem Ino, esposa de Atamante, que cuidava, nutria, Baco na Beócia : é a cena que vemos no nosso texto em que a empregada é introduzida no templo e perseguida.
Nas religiões de mistérios a liturgia é uma repetição cênica do passado : deixemos a palavra com Odo Casel : “é uma ação sagrada e cultual na qual uma obra redentora do passado torna-se presente sob um rito determinado ; a comunidade cultual, realizando este rito sagrado, entra em participação do fato redentor evocado e adquire assim sua própria salvação.” Ou “é a participação em uma ação divinizante de um deus, reproduzida diante e pelos iniciados em uma ação drama´tica em um jogo sagrado litúrgico ; é a representação cênica de uma ação salvífica diante, pelos e para os iniciados.” (pg. 15s). No nosso caso temos a ascenção de Sêmele dos ínferos e de Perséfone sendo várias as Nekyas, descida aos ínferos dentro da mitologia e retorno ao céu ou à terra mesma. É como uma ressurreição como a descrita no nosso Credo : “...Desceu a mansão dos mortos. Ressuscitou ao terceiro dia. Subiu aos céus. ... “ O cristianismo herda a religião de mistérios da antiguidade conforme o grande mistagogo citado prova, demonstra em sua obra.
O pecado todo de Furio Camilo aparecerá em seguida quando ele esquece de pagar o dízimo a Apolo que prometera, votara e com isto será expulso de Roma : ele mesmo como que ritualmente no Forum confessa a dívida, como se o ato de confessar já tivesse nesta época seu valor cristão perene. Aparece também na fala mesma do grande romano quando diz “se acaso somos devedores de alguma pena” e sofre uma pequeno tombo. Já na história de Agni vemos os bichos, os animais pagarem pela língua.
Quanto à morte do rei sagrado ritual que ocorreria no Lago Albano ( citação de Frazer, por Liberati, Bruno ), Graves, Robert, explica (p.126) : “Que a Roda ( da Fortuna ) é originalmente o ano solar está sugerido pelo seu nome em latim, Fortuna ( de 'vortumna' 'aquela que faz o ano girar' ). Quando a roda girou meio ciclo, o rei sagrado, elevado ao clímax de sua fortuna, está fadado a morrer – o cervo Acteon em sua coroa anuncia isto – mas quando chega o ciclo completo ele se vinga no rival que o suplantara.”
Acteon viu Artêmis, Diana, nua tomando banho e foi transformado e cervo e despedaçado pelos cães – como Dionisos também o foi, o próprio Júpiter, Penteu ( pentós é sofrimento em grego ) filho de Cadmo, e outros. O mito aqui é o da morte renascimento também que segue o ano litúrgico da cultura da antiguidade confundindo-se Hera com a Fortuna mesma cabendo ao ser humano escutar o que está escrito na porta de Delphos o centro espiritual por excelência da antiguidade : 'conhece a ti mesmo'.

Bibliografia :
Plutarco, Vidas Paralelas, Aguilar, Madrid
Tito Lívio, História de Roma, 2 vol., Paumape, São Paulo.
Georges Dumézil, Myth et Epopèe, Quarto, Gallimard, Paris.
Robert Graves, Greek Myths, Penguin, London.
D. Odo Casel, Le mystére du culte dans le christianisme, Cerf, Paris.
Ovídio, Metamorfoses, Ediouro, RJ.
---------, Fastos, Clássicos Jackson, RJ.
Mahabharata, trad. Kisari Mohan Ganguli, MMPublishers, New Delhi.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

439 Buddha e Mittavindaka





      Encontro da imagem com seu texto. Borobudur / Barabudur, Indonésia.

439

Quatro portões...etc.” - Esta história o Mestre contou em Jetavana sobre uma certa pessoa desregrada. As circunstâncias já foram estabelecidas nos Jatakas 82, 104, 161, 369, 381, 427. Aqui novamente o Mestre perguntou a este irmão, “é vero, o que dizem, que és desobediente ?” “É, Senhor.” “Muito tempo atrás,” disse ele, “quando por desobediência recusaste seguir as ordens dos sábios, uma roda de navalha foi dada a ti.” E ele contou uma história do passado.

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Certa vez, nos dias de Buddha Kassapa, morava em Benares ( Varanasi ) um mercador, cuja fortuna era oitenta milhões de dinheiros, tendo um filho chamado Mittavindaka. A mãe e o pai deste garoto entraram no Primeiro Caminho mas ele era fraco e descrente.
Logo quando o pai morre e se vai, a mãe, que em seu lugar administrava a propriedade, disse assim a seu filho :- “Meu filho, a cidadania é difícil de atingir ; faça ofertas, pratique a virtude, guarde dia santo, escute a Lei.” Então ele disse, “Mãe, nada de ofertas e semelhantes comigo ; nunca nem fale delas ; como vivo serei tratado no futuro.” Em uma certa lua cheia santa, quando ele falava deste modo, sua mãe respondeu,”Filho, este dia está estabelecido como grande dia santo. Ho-je assuma os votos do dia santo ; visite o claustro e por toda a noite escute a Lei e quando voltares te darei mil dinheiros.”
Por desejo deste dinheiro o filho consentiu. Assim que fez o desjejum foi para o claustro e lá passou o dia ; mas no fim da noite nem uma palavra da Lei tinha alcançado seus ouvidos e ele deitou num certo local e dormiu. No dia seguinte, bem cedo de manhã, lavou a face, foi para casa e sentou.

Bem a mãe pensava consigo mesma, “Ho-je meu filho após ter escutado a Lei voltará cedo de manhã, trazendo com ele um ancião que pregou a Lei.” Então ela fez mingau, comida sólida e macia, preparou um assento e esperou chegarem. Quando ela viu seu filho vir sozinho, “Filho,” cotejou ela, “por quê não trouxeste um pregador contigo ?” - “Sem pregador pra mim, mãe !” disse ele. “Aqui então,” cotejou a mulher, “beba o mingau.” “Você me prometeu mil dinheiros, mãe,” ele disse, “dê-mo primeiro e depois bebo.” “Beba primeiro, meu filho, e depois terás o dinheiro.” Cotejou ele, “Não, não beberei até ter o dinheiro.” Então a mãe deixou diante dele uma bolsa com mil dinheiros.
E ele bebeu o mingau, pegou a bolsa com mil dinheiros e saiu para cuidar dos negócios ; e logo em pouco tempo havia ganho dois milhões.

Então veio à mente dele aparelhar um barco e fazer comércio com ele. E assim abasteceu um navio e disse para sua mãe, “Mãe, minha intenção é fazer comércio com este barco.” Ela disse, “Você é meu único filho e nesta casa há bastante riqueza ; o maar é cheio de perigos. Não vá !” Mas ele falou, “Vou e você não pode me impedir.” “Sim, vou te impedir,” ela respondeu e segurou a mão dele ; mas ele afastou a mão para longe e empurrou ela e em um momento já tinha ido e seguia caminho.

No sétimo dia, por causa de Mittavindaka, o barco permaneceu imóvel sobre as profundezas. As sortes foram jogadas e por três vezes Mittavindaka foi escolhido ( o leitor lembrará a história de Jonas o profeta bíblico que também fugia de Deus ). Deram a ele então um caibro dizendo - “Quem muitos não morram por causa de um apenas,” e o jogaram à deriva nas profundezas. Em um instante a embarcação arrojou-se nos mares com velocidade.

E ele com seu caibro alcançou uma certa ilha. Lá em um palácio de cristal ele viu quatro espíritos dos mortos fêmeas, espíritas das mortas. Elas costumavam estar em lamentos por sete dias e sete em felicidade. Na companhia delas ele experimentou benção divina. Então quando chegou o tempo delas de suportarem penitência, disseram, “Mestre, vamos te deixar por sete dias ; enquanto estivermos fora, more aqui, e não fique estressado.” Assim falando elas partiram.

Mas ele, cheio de desejo, novamente 'embarcou' em seu caibro e passando pelo oceano chegou em outra ilha ; lá, em um palácio de prata ele viu oito outras espíritas. Do mesmo modo, ele viu em outra ilha, dezesseis em um palácio todo de jóias e em ainda outras trinta e duas em um salão dourado. Com estas como antes ele habitou em benção divina e quando elas saíram para a sua penitência, navegou ainda uma vez mais sobre o oceano ; até que por fim ele contemplou a cidade com quatro portões cercada por uma muralha. Aquele, dizem, é o Ínfero Ussada, o lugar onde muitos seres condenados aos ínferos sofrem devido a seus próprios atos : mas para Mittavindaka aparecia como uma bela cidade. Pensou ele, “Visitarei aquela cidade distante e serei seu rei.” Então ele entrou e ele viu um ser em tormento, suportando uma afiada roda de navalha ; mas para Mittavindaka parecia que a roda de navalha sobre sua cabeça era lótus em flor ; os cinco grilhões sobre seu peito pareciam uma veste rica e esplêndida ; o sangue pingando de sua cabeça, pó perfumado de madeira de sândalo vermelha ; o som de sofrimento como o som da canção mais doce. Então aproximando-se ele disse, “Olá senhor ! Já carregaste por muito tempo esta flor de lótus ; agora dê-ma !” Ele respondeu, “Meu senhor, não é lótus isto aqui mas roda de navalha.” “Ah,” cotejou o primeiro, “você diz isto porque não a quer me dar..” Pensou o condenado infeliz : “Meus atos passados já devem estar pagos, esgotados. Sem dúvida este sujeito, como eu, está aqui por ter golpeado a mãe. Bem, darei a ele a roda de navalha.” Ele ele disse, “Aqui então, pegue a lótus,” e com estas palavras jogou a roda de navalha na cabeça dele ; e na cabeça caiu esmagando-a. Em um instante Mittavindaka soube que era uma roda de navalha e disse, “Pegue tua roda, pegue de volta tua roda !” sofrendo alto em sua dor ; mas o outro já havia desaparecido.

Naquele momento o Bodhisatva com um grande séquito fazia uma ronda pelo Ínfero Ussada e chegou naquele lugar. Mittavindaka, espiando-o gritou, “Senhor rei dos Deuses, esta roda de navalha me fura e me corta como um pilão esmagando semente de mostarda ! Que pecado terei cometido ? E perguntando isto falou estas duas estrofes :

Quatro portões tem esta cidade de ferro, onde fui capturado e preso :
Um talude me cerca ao redor : que mal fiz ?

Agora fechadas estão as portas da cidade : esta roda me destrói:
Por quê como pássaro em gaiola fui pego ? Por quê Duende acontece isto ?

Então o Rei dos Deuses, para explicar o assunto a ele, pronunciou estas estrofes :

Cem mil tu, bom Senhor, possuías e mais vinte :
Ainda assim a um amigo não prestaria ouvidos, quando ele falava.

Rápido fugias pelos mares, coisa perigosa, suponho ;
As quatro, as oito, visitaste direto e com as oito e as dezesseis,

E com as dezesseis e as trinta e duas ; e luxúria sempre sentiste :
Veja agora, o prêmio por grande cobiça na cabeça, esta roda.

Aquele que trilha a estrada do desejo, esta espaçosa via pública,
Caminho largo, insaciável, - são deles esta roda a carregar.

Pondere a questão dos teus atos, e veja
Como era grande tua riqueza e não anele ser
Senhor de ganhos mal – adquiridos ; o que amigos aconselham
Faça, - e a roda nunca aproximar-se-á de ti.

Escutando isto, Mittavindaka pensou consigo, “Este filho dos deuses explicou exatamente o quê eu fiz. Sem dúvida ele sabe também a medida da minha punição.” E falou a nona estrofe:

Por quanto tempo, Ó Duende, permanecerá esta roda na minha cabeça ?
Quantos milhares de anos ? Revele-me, não me deixe perguntar em vão !

Então o Grande Ser falou da matéria na décima estrofe :

A roda rolará e rolará, nenhum salvador aparecerá,
Fixa na tua cabeça até a tua morte – Ó Mittavindaka, escute !

Assim falando, o Ser Divino retornou para seu lugar e o outro caiu em grande miséria.

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O Mestre tendo terminado seu discurso identificou o Jataka :- “Naquele tempo o Irmão desobediente era Mittavindaka e eu mesmo era o rei dos deuses.”