Plutarco Védico
( isbn 978-85-906438-0-7 ; à venda no Kindle )
Demétrio = Prthu
Em
1943 Georges Dumézil lançou um pequeno grande livro em Paris,
dedicado aos professores e estudantes presos então, chamado ‘Servius
et la Fortune. Essai sur la fonction sociale de Louange et de Blâme
et sur les éléments indo-européens du cens romain.’ Ele
compara as histórias do rei Prthu da Índia e do rei Servius Tullius
na Roma antiga e mostra a conexão, paralelo, contato, entre as duas.
O Louvor e a Crítica estariam presentes nas duas fazendo o autor uma
larga e preciosa análise etimológica das palavras relacionadas :
censo em latim e sams- em sânscrito, em que aparecem as ideias de
ordem, ordenação, apresentação de todos, feira livre ( sim feira
livre que junta a todos os diferentes, cada um com sua mercadoria
específica ), proclamação, louvor & crítica, ‘vox populi
vox dei’, potlach ( a antiga forma econômico-política tratada por
Levi-Strauss e Malinowski em que o rei apropria-se de tudo e depois
distribui tudo por todos ), etc : este elogio edificante ( que desde
o princípio pode ser também crítico ), qualificante, gera uma
produção, distribuição das riquezas todas como diz o autor,
realiza o personagem, o rei, fazendo-o crescer e apresentar-se,
mostrar-se enquanto rei, igual a Indra estando escondido debaixo
d’água, purgando os pecados, é encontrado por Agni, o fogo, que
tem que se molhar e descer lá embaixo para, elogiando-o, relembrando
seus nomes, o fazer crescer e se apresentar, mostrar ( pg 68) : esta
apresentação está na imagem mesma da Roda da Fortuna, na Terra
gerando e produzindo as riquezas todas : guardamos a imagem dela
apenas como vertical mas é também claramente horizontal, com o
conjunto de todas as ordens, classes, castas, mostrando-se com seus
produtos específicos. Adiantando então o sentido vertical àproxima
da Lua que de cheia fica vazia, nova, e depois volta a encher : assim
Demétrio perde tudo várias vezes mas consegue voltar a brilhar :
como Prthu não consegue realizar seu sacrifício, frustra-se, falha
e depois chora arrependido diante de Vishnu : existe o sentido
vertical da Roda da Fortuna de ter tudo e de não ter nada, estar no
alto da roda e estar embaixo, desapegado das coisas todas.
Dumézil
neste grande pequeno livro mostra que a origem etimológica do nome
Fortuna é o nome Prthu que teria aspirado em Phrthu e daí Fortuna :
a equação Demétrio = Prthu confirma esta etimologia e não há
razão alguma para descartá-la, desprezá-la, posto que na ‘Vida
de Demétrio’ de Plutarco o autor insiste em aproximar a imagem da
Fortuna da imagem deste rei ( caps. I, XXXV, XLV, XLVIII) confirmando
o sinônimo posto que Prthu gerou Prthivi, a Terra, igual a De-Meter,
Demetrio. A Roda das Riquezas todas em Prthu é realizada
ordenhando-se a Vaca da Abundância, ser mítico que nasceu do
batimento do mar de leite : a espuma branca do mar batido imagem do
comércio marítimo. Todos os alimentos, leites, são gerados de
acordo com cada parte da Natureza : segue o texto de Bhagavat Purana
IV, 18, 12s :
Aceitando
a agradável e saudável palavras de conselho da deusa da terra, o
rei fez Svayambhuva Manu como bezerro e ordenhou todas as ervas e
plantas tais como cereais etc com sua própria mão.
Similarmente
outros sábios também extraíram essência de tudo em toda a parte.
Então outros quinze sábios tiraram seus objetos de desejos da vaca
terra domesticada por Prthu.
Oh
muito correto Vidura ! Então os sábios fizeram Brhaspati bezerro e
retiraram da deusa terra leite na forma de sagrados Vedas, em seus
próprios órgãos dos sentidos i.e. ouvidos, fala, mente.
Os
deuses fizeram Indra de bezerro e extraíram em um vaso de ouro sumo
de Soma e leite néctar doador de vigor mental, esplendor, energia e
força física.
As
tribos demônicas Daityas e Danavas fizeram Prahlada o maior detodos
os Asuras como bezerro e ordenharam seu vinho e cocções licores
fortes em um vaso de ferro.
Os
artistas celestiais Gandharvas músicos celestes e Apsaras ninfas
celestes fizeram Vishvavasu de bezerro e extraíram o leite em um
copo de flor de lótus e tornou-se o mel Gandharva especial doador de
beleza e doçura de voz.
Os
manes veneráveis Pitrs, as deidades que presidem a cerimônia
Sraddha realizada em memória às almas que partiram, fizeram Aryaman
o chefe dos Pitrs como bezerro e reverentemente ordenharam leite em
um vaso de barro não cozido e ele tornou-se Kavya alimento para os
manes.
Os
Siddhas seres semi divinos fizeram Kapila bezerro e extraíram novaso
do céu os oito superpoderes humanos ( Siddhis ) exequíveis por mera
vontade. Os Vidyadharas tribo de semideuses ordenharam o leite na
forma da arte de mover-se pelos ares no mesmo vaso com Kapila
bezerro.
Outros
tais como os Kimpurusas, tribo semidivina conhecida por seu poder de
conjurar truques ( máyacos ) fizeram Maya bezerra e tiraram
dela poderes mágicos que possuem seres maravilhosos que podem se
tornar invisíveis à vontade.
Os
Yakshas e Rakshasas demônios, Bhutas e Pisacas, fantasmas e
espíritos maus que alimentam-se de carne crua fizeram o senhor dos
fantasmas Rudra bezerro e extraíram num crânio o vinho sangue.
Do
mesmo jeito, répteis, escorpiões, serpentes fizeram Takshaka o
chefe das Nagas bezerro e retiraram veneno como leite em suas bocas
como vasos.
Bestas
herbívoras fizeram o touro de Rudra, Nandi, bezerro e retiraram
grama como leite no vaso na forma da floresta. As bestas carnívoras
com seus grandes dentes e alimentando-se de carne crua com o leão de
bezerro o rei das bestas retiraram no vaso na forma de seus corpos
seus leites. Os pássaros que usaram Garuda o chefe dos pássaros
como bezerro, tiveram móveis como vermes e insectos e imóveis como
frutos por leite.
Com
árvore Banian de bezerro, as árvores extraíram seus próprios
respectivos sucos como leite. Montanhas tiveram a mais alta delas
Himalaia por bezerro e ordenharam vários minerais como leite nos
vasos na forma de seus cumes.
Todas
as espécies de seres usaram seus próprios chefes como bezerro e
extraíram largamente em seus próprios vasos o leite especificamente
útil como alimento para suas próprias espécies, da terra que
produz todos os objetos desejados quando ela foi domesticada por
Prthu.
Oh
Vidura filho da família Kuru ! Deste jeito Prthu e outros existiram
de alimento obtido da terra diferentes tipos de leite na forma de seu
alimento específico, usando diferentes tipos de bezerro e de vasos
de leite.
Com
isto Prthu, o senhor da terra ficou altamente agraciado com a deusa
terra que produziu todos os objetos de desejo e afeito como era por
filhas, ele a viu como sua filha, com afeição paternal.
Há
algo semelhante na ‘Vida de Demétrio’ de Plutarco ? Há.
No
cap I fala-se da musicista Ismenias de Tebas que pedia que tocassem
bem de um lado e mal de outro para se conhecer os dois lados do som
exemplo que Plutarco usa para todas as artes e para a vida mesma que
for dada a extremos.
No
IX do encontro com Estilpon, mestre de Zenon e discípulo de
Diógenes, que questionado sob se perdera algo diz que não há como
se perder a ciência que sendo algo interior é portanto inalienável.
A questão da autarkeia, bastar-se a si próprio, ser
autossuficiente.
No
III, IV, XIX, XXVIII, XXIX, XL, fala da relação pai e filho,
excepcional no caso posto que amava seu pai e vice versa sendo o
normal a briga, disputa : no último capítulo indaga-se : ‘Darás
seu pagamento aos mortos ?’ indicando que em Plutarco podemos ver
um sraddha, a oferta dos Pitrs, pais, antepassados que trata
justamente disso da oferta aos mortos, os antepassados conforme vimos
no Purana acima.
No
XX das máquinas e naves construídas por Demétrio e da sua
excelência na mecânica ciência que buscava fazer coisas
grandiosas, dignas de rei, como sua ‘helepolis’ a torre
desmontável de ataque a fortalezas. Nomeia os reis e suas atividades
: Eropo de Macedonia se entretinha quando fazia mesas e lamparinas ;
Atalo chamado Filometor cultivava ervas venenosas não só o beleño
e o eléboro mas também a cicuta, o acônito e o doriemo semeando-os
e plantando-os em jardins reais e tendo cuidado de conhecer seus
sucos e frutos e colhê-los no tempo. Com o suco do último da lista
muito venenoso impregnava-se as pontas das flechas ( não lembra o
leite das cobras, serpentes, do Purana acima ? ) ; os reis dos
partos eram vaidosos da sua destreza em afiar a ponta dos dardos,
flechas, lanças.
No
XXII da pintura de Protógenes de Caunio em Rodes, pintura dos filhos
do Sol, sobre a qual depois Plínio dissertará, famosa que foi.
Substitui o pelo, retrato, rasgado na acrópole pela borrasca,
substitui enquanto símbolo na história toda deste rei.
No
XXV recenseia-se o império : Demétrio rei, Seleuco chefe dos
elefantes, Ptolomeu general da armada, Lisímaco tesoureiro, o
siciliano Agatocles governador das ilhas.
No
XXVII de Lamia, a velha, anciã, que encantou Demétrio e se tornou
sua principal amante : dita a Ogra enquanto Demétrio seria o conto,
a história : a referência aos Jatakas de Esopo Buddhista aqui é
clara : vemos em várias histórias a Ogra justamente como Lamia
seduzindo o rei : o leite da história.
No
XXXIII e XXXIV libertando e trazendo comida para Atenas que passava
fome na época de Epicuro e Crates. Entregando comida com as próprias
mãos para Epicuro seria a imagem.
No
XXXVIII fala do grande médico-filósofo Erasístrato, natural de
Queos, e de Seleuco médico curando seu filho : este estava
apaixonado por uma das esposas do pai paixão fulminante que matava o
jovem e Seleuco soube curar o filho.
No
XLIII fala-se novamente da excelência da armada, das naves, de
Demétrio,
exemplo
artístico no tempo que Euclides vivia e ensinava e Arquimedes era
criança. Se pensarmos que a descoberta do peso específico dos
metais é a origem da tabela periódica temos aqui toda a química.
Arquimedes correndo nu no meio da rua dizendo ‘eureka’ lembra o
desapego de Diógenes, o grande cão largado no meio da rua e a todos
indagando como Sócrates o primeiro da grande escola que é a
Philosophia e desde já a doutrina mesma do cinismo de desapego do
mundo e das coisas materiais conforme veremos mais a frente com
Crates.
No
XL – XLIV fala de Pirro e do caráter teatral de Demétrio : a cena
em Plutarco é hilária : os soldados simplesmente passam do lado do
segundo para o lado do verdadeiro rei o primeiro : define-se o
caráter do rei por elogio & crítica, teatral mesmo, de
Demétrio, que veremos a frente
No
XLVI do encontro com Crates o filósofo, o quarto na linha de
sucessão da Philosophia : Sócrates, Antístenes, Diógenes, Crates,
Zenon.
Cada
um destes grandes personagens que aparecem na ‘Vida de Demétrio’
é um dos bezerros atado à vaca das riquezas produzindo o leite de
cada espécie, de cada arte, de cada parte da sociedade, cidade,
leite bebido em diferentes copos, taças, vasos, como são diferentes
as artes e ciências : e Plutarco fala das diferentes artes e
ciências no cap. I ! , sobre o meio termo em cada uma delas entre o
excesso e a falta, paralelo na ética eudemiana as potências d’alma.
Quem
fala de Crates, o médico das almas, é Padre André Festugière,
este grande historiador, tradutor, do séc. XX, cf. bibliografia pg
141 : “Chamavam-no pois em todas as casas e ele entrava em todo
lado como se fosse sua casa : “Crates o philósopho que entrava em
todas as casas e que era recebido honrada e amigavelmente, era
chamado ‘o que abre as portas’.” ( Plut., qu. Conv., II,
1, 6, o mesmo termo também em Diog. Laer., VI, 86 ). E Apuleio é
mais explícito em um capítulo de suas ‘Floridas’ ( XXII ) que é
inteiramente dedicado a Crates : “O célebre Crates, discípulo de
Diógenes, foi honrado como um tipo de gênio doméstico ( ut lar
familiaris ) pelos Atenienses de seu tempo. Jamais alguma porta
lhe estava fechada ; nenhum pai de família tinha assunto tão
secreto, tão íntimo, que a intervenção de Crates nele parecesse
intempestiva ; em todos os processos, todas as disputas entre
próximos, ele fazia o ofício de mediador e de árbitro “( tr.
Vallette ). O método de Crates parecia ser de se mostrar sempre
feliz, alegre : “Ainda que apenas possuísse seu saco ( alforje ) e
seu manto curto, Crates, como em uma festa, passava seu tempo a se
divertir e a rir.” Vemos se mostrar aqui um personagem bem mais
simpático que o cínico que se debate sem cessar contra as pessoas ;
é o cínico que ao contrário tem piedade delas e se coloca a seu
socorro, delas, pessoas, como o fez Hércules. A comparação é
clássica, a encontramos na passagem citada acima das ‘Floridas’:
“É que o quê Hércules outrora, no dizer dos poetas, foi para os
monstros malignos, humanos ou bestas, que ele domou pela força e dos
quais purgou a superfície da terra, Crates o foi para a cólera, a
inveja, a avareza, o deboche ; contra todos os monstros e todas as
doenças da alma humana, este philósopho foi o Hércules ; ele
caçava dos corações as pestes, purgava as famílias, domava os
maus instintos. Semi nu ele também e reconhecido por seu porrete
pesado, ele era de Thebas, como Hércules.” ( tr. Vallette, salvo
ligeiras variantes ).
“Talvez
este cuidado de Crates pelos seres humanos venha de que ele mesmo
tenha sofrido muito. Nascido em 365 ele viu em 334, na idade de 31
anos sua cidade ser completamente destruída por Alexandre. Quando
algumas décadas mais tarde, Cassandro, restaurando Thebas lhe propôs
de viver lá de novo, ele recusou : “Para que ? Um outro Alexandre
a destruirá de novo.” E ele não tinha mais pátria de verdade e
podia dizer ( Trag. Gr. Fr., Crates, 1 ) : “Não possuo que uma só
fortaleza como pátria, não tenho que um só teto : é em todo lugar
da terra
cidade
e casa que me são preparadas para que eu viva.” Não é o
cosmopolitismo moderno para quem todas as partes do mundo formam uma
unidade. É antes o sentimento que o verdadeiro sábio, na medida que
é autarkès, onde é autossuficiente, pode viver em todo
lugar. Ele leva para todo lado suas misérias : não importa qual
polis todas tem para ele o mesmo valor : “há apenas uma só
fortaleza ( purgos )”, ou antes sua verdadeira fortaleza é
ele mesmo, as outras não são que muros que a Fortuna pode fazer
desmoronar. (…) O poema de Crates mais célebre foi aquele do Saco
/ Alforje ( Pèra ). Ele é citado por Diógenes Laércio,
Démétrius de elocutione, Clemente de Alexandria Paidagogos,
Apuleio de magia. Aqui a
tradução a partir do livro citado acima de H. Diels, Poetarum
philosophicorum fragmenta ( 1901
) ( fr. 4-5 ) : “Há uma cidade, o Saco ( Pèra ),
no centro da vã glória ( typhô ) cor de vinho ; ela é bela
e fecunda e não possui nada do que escorre a seu redor. Nela não
entra nada de parasita doido nem de debochado que faz de nádegas
prostituídas sua delícia mas ela carrega tomilho, alho, figos e
pães. De onde resulta que nela não se briga por estas coisas
pobres, os homens não tomam armas por uma pequena moeda nem pela
glória … Seus habitantes são livres da escravidão do prazer e
sem dobrar o pescoço eles buscam a realeza imortal e a liberdade (
Athanaton basileian. A realeza é aquela do homem que possui
autossuficiência, autarkeia, ele é por todo lado rei, como o
sábio dos estóicos e livre posto que não tem necessidade de nada
).”
“Assim
o ser humano é de agora em diante livre, e de agora em diante seu
rei, se se contenta com seu saco e seus alimentos que ele contêm,
que em verdade são suficientes para alimentar um ser humano :
tomilho, alho, figos e pães, este era durante muito tempo a ração
daquele que partia em campanha. Por exemplo, Lamachos que reclama “do
sal misturado com tomilho e cebolas” ( Aristoph., Ach., 1099
). Somos sempre reconduzidos a mesma conclusão : Crates ‘humanizou’
o caminho de vida instituído pelo Kuôn [ Cão, Diógenes ], ele a
tornou possível e por isto mesmo a tornou eficaz. Um outro [ IHS XTO
] dirá mais tarde : “Não leveis nem ouro nem prata nem guardeis
moedas nos cintos, nem saco para a estrada, nem duas túnicas, nem
sapatos, nem cajado : pois o operário merece seu alimento.” A
expressão mudou um pouco porque a ideia não é mais complemente a
mesma. O predicador do Evangelho está em princípio certo de
conseguir seu alimento em qualquer casa onde ele passe. O mendicante
cínico não está certo de todo de ser satisfeito, atendido, daí
que carregue consigo o pouco que lhe é necessário. Mas com a
reserva desta ligeira diferença, o princípio de vida é o mesmo :
tornei-vos livres. Livres, nos Apóstolos, de pregar o
Evangelho sem misturar nenhuma outra preocupação. Livres, entre o
Cínico, de passar sem se preocupar de uma parada a outra,
indiferente aos golpes da Fortuna.” É justamente esta a lição
da ‘Vida de Demétrio’ de Plutarco.
Passemos
para a parte relativa a Louvor & Crítica que caracteriza o
personagem. Cap. X – XIII e XXIII – XXVI expõe a oposição
Estratocles orador demagogo e Filípedes comediógrafo do palco,
inimigos que eram, em dois momentos diferentes da ‘Vida de
Demétrio’ : são estes dois lados de louvor & crítica, leite
com seus respectivos bezerros em vasos, potes, diferentes. “E tendo
sido Demétrio um benfeitor grande & magnífico o fizeram molesto
& odioso com as desmedidas honras que lhe decretaram. …
Estratocles o que mais inventou estas coisas a ele atribui-se tão
excessivos e singulares modos de adular. Era todo insolente este
Estratocles tendo vida dissipada e imitando em despudor e imprudência
a falta de respeito pelo Povo do antigo Cléon.” Em dois momentos
a adulação insana, louca mesmo, é confrontada em versos pela
comédia. Num primeiro momento o peplo, retrato dos deuses foram
pintados com o rosto de Demétrio e Antígono mas uma tempestade
rasgou o retrato em plena exposição daí o verso de Filípides
sobre Estratocles ‘por quem as vinhas foram abrasadas pela
borrasca, e por cuja impiedade se rasgou o peplo, dados a homens os
divinos cultos : isto, não a comédia, arruína o Povo.’ Sábias
palavras que mostra a comédia do lado da crítica.
No
segundo momento os versos de Filípides sobre Estratocles são dois
também, falando de dois acontecimentos diferentes. O primeiro : ‘O
que a um mês só, há reduzido um ano’ : Demétrio quer se iniciar
nos mistérios maiores e menores em Atenas mas o intervalo entre eles
é de um ano : precisando da força do elogio / louvor o ano é
reduzido a um mês e Demétrio recebe o grau de inspeção dos
maiores tendo iniciado-se apenas um mês antes nos menores. O segundo
: ‘O que por albergue teve a fortaleza, e da virgem o sagrado
templo, introduziu as torpes cortesãs.’ : tendo Demétrio
libertado novamente a cidade deixaram ele residir num prédio às
costas do Partenon de Atena para honrar-lhe e obsequiar-lhe e o ato
mostrou-se loucura insana posto que introduziu Lamia e suas amigas no
templo da virgem. Há a morte de Damocles que não quer se entregar,
quer ser virgem e há o exílio de Damocares que ao escutar que
Estratocles devia estar louco diz : ‘estaria se não o estivesse’
“porque realmente Estratocles serviu muito a cidade com estas
adulações”.
No
ano 301 a.C. Antígono e Demétrio perdem a batalha de Ipsos, Frígia
na planície da atual Eskikara-Hisar e começa o rei a se tornar uma
pessoa comum, humilde, sem posses, “dando nisto o mais relevante
testemunho da sentença de Platão que exorta ao que quer ser
verdadeiramente rico a que em lugar de aumentar a riqueza diminua o
desejo insaciável de ter, possuir, pois o que não sabe aplacar a
avareza jamais se verá livre da pobreza e da miséria.” Neste
momento que liberta Atenas da tirania e alimenta Epicuro, o grande
philósopho : “o Povo com a alegria prorrompia em diferentes
aclamações tratando de sobrepujar os elogios que os demagogos
pronunciavam desde a tribuna ...”. Reuniu um resto de forças e foi
tomar Esparta : “Quase nada faltava para fazer-se dono dela, não
tendo nunca sido tomada até então ; porém a Fortuna parece que não
usou jamais com rei nenhum de tão grandes e súbitas mudanças, nem
com ninguém foi tantas vezes pequena e grande, humilde de exaltada,
e poderosa outra vez de pobre e abatida ; assim se diz que o mesmo
Demétrio em uma das mais notáveis destas vicissitudes, empregou,
exclamando contra a Fortuna, este verso de Ésquilo : ‘tu me
alentaste e tu queres perder-me’. Porque então indo prosperamente
seus negócios [ conseguiu se restabelecer da derrota ] em relação
ao império e ao poder, o avisaram primeiro que Lisímaco tomara as
cidades d’Ásia ; e em seguida que Ptolomeu apoderara-se de toda
Chipre, exceção da cidade de Salamina e esta estava sitiada estando
dentro seus filhos e sua mãe. Mas ao mesmo tempo a Fortuna que como
aquela mulher dos versos de Arquíloco, ‘Enganosa e falaz em uma
mão, levava água e na outra fogo’, tendo-se apartado da
Lacedemônia com tão desagradáveis e terríveis novidades se
apresentou outras esperanças de novos e grandes sucessos com a
ocasião seguinte.” Segue o relato, cap. XXXVI, da morte de
Casandro e depois de seu filho Alexandro, relato estranho de uma
morte na porta, Demétrio passa por uma porta e diz quando passa que
matem o que lhe está seguindo ‘acabem com o que me segue’.
O
relato de Prthu no Purana, Bhagavat Purana, talvez explique a cena do
filme que é Plutarco : sim Plutarco em todas suas ‘vidas’ de
grandes personagens vê uma imagem, transmite uma cena : ponto. Dois
pontos : há uma tradição de imagem. Voltando ao relato, Prthu não
consegue realizar seu sacrifício, perde, frustra-se, chora. Igual
Demétrio. Levanta-se realiza a iniciação com Vishnu e aprende de
Sanatkumara :
“Quando
seu apego e prazer em Brahman torna-se firmemente estabelecido, uma
pessoa procura um preceptor espiritual. Justo como fogo ligado em
arani um pedaço de madeira de árvore Sami usada para acender
fogo por fricção consume sua própria fonte o pedaço de madeira do
qual surge, o ser humano, por força de seu conhecimento e desapego
queima seu corpo sutil que consiste de cinco elementos sutis [
Pañcatmakam : (i) Consiste dos cinco kilesas i.e.
avidya ( ignorância ), ahamkara ( ego ), raga (
apego ), dvesa ( aversão ) e abhinivesa ( apego
instintivo à vida mundana e gozo corporal e o medo de ser privado
disto – ASD. 39) ; ( ii ) Consistindo dos cinco Kosas (
envelopes ) que descansando um dentro de outro faz do corpo relicário
da Alma. Eles são : (1) annamaya,(2) manomaya, (3)
Pranamaya, (4) Vijñanamaya e (5) anandamaya. ]
que envolve sua Alma, de tal modo a torná-lo não vivo.
Quando
a tela ou envólucro do corpo sutil que envolve Alma, até então
intervindo entre Alma superior ( Paramatman ) e a Alma, é
destruído, a pessoa torna-se livre de todos os atributos ( como amor
aversão que merecem ser entornados, expulsados ( heya-gunah )
pertencendo ao corpo sutil que foi queimado. Daí em diante ele não
percebe seus estados subjetivos de prazer, dor, etc. Que estão
dentro dele ( culpas internas ), nem objetos ( p. ex. Um pote, um
pedaço de roupa ) que são externos a ele, justo como uma pessoa
acordada de um sonho não vê os objetos percebidos no sonho. É
neste estado de vigília e sonho enquanto este upadhi (
condição ) da mente continua, que o ser humano pode perceber a si
mesmo o vidente, objetos dos sentidos e o que está além deles – o
que vê e o visto e não de outro modo quando dormindo.”
Uma
vez que Demétrio acabara de ser iniciado em Atenas, a morte de
Alexandro na porta ( ‘acabem com o que me segue’ ) parece ser a
morte, queima, deste corpo sutil de que fala Sanatkumara no Purana.
Ele está diminuindo e tornando-se si-mesmo. Em 287 a.C. quando os
soldados passam para o lado de Pirro e Demétrio reduz-se ainda mais
diz Plutarco : “Demétrio com o desígnio de recolher os restos
daquele naufrágio navegou para a Grécia e reuniu os generais e
amigos que ali tinha. A comparação que Menelao de Sófocles faz com
sua fortuna quando diz :
‘O
fado meu na inconstante roda, da Fortuna volta continuamente,
trocando sempre seu presente estado ; com seu aspecto de lua vária,
que duas noites não fica igual, mas ho-je de escura nova sai,
embelecendo e redondando o rosto, e quando maior brilho e luz
ostenta, outra vez cai e toda desaparece.’
parece
que enquadraria melhor com as coisas de Demétrio com seus crescentes
e seus minguantes, seus brilhantismos e suas obscuridades ; pois
parecendo que então desfalecia e se apagava de todo, voltou outra
vez a resplandecer seu poder e juntou ainda alguma forças com as
quais recobrou algum tanto de esperança. Foi então que pela
primeira vez andou recorrendo as cidades como simples particular,
despojado das insígnias reais ; e vendo-o um dos de Thebas nesta
situação lhe aplicou não sem graça estes versos de Eurípedes :
‘de
Deus mudada a esplendente forma, na de homem mortal a nossa vista,
junto ao cristal de Dirce se apresenta, e do Ismeno na aprazível
margem.’”
O
capítulo LII da Vida de Demétrio de Plutarco sobre o sossegar da
alma do personagem ao fim da vida, parece confirmar a hipótese,
confirmar seu sucesso na busca do viver livremente.
Bhagavat
Purana III, 22, 52 também confirma a tese com relação a Prthu :
“Justo como o Sol permanece intocável e imaculado pelos objetos em
que brilha, o rei, apesar de levar vida de dono de casa e dotado com
majestade imperial e esplendor, permanece livre do egoísmo (
ahamkara ) e daí desapegado dos objetos dos sentidos.”
Georges
Dumézil em 1956 lançou pela Latomus de Bruxelas o livro ‘Déesses
latines et mythes védiques’ em que um capítulo fala de Fortuna
Primigênita e outro de Lua Mater. No primeiro discute-se o fato de
Fortuna ser mãe e filha de Dius-pater como Atena é filha de
Ju-piter e o salva qual mãe na luta contra os gigantes, os titãs,
etc. A mesma coisa acontece na história de Demétrio em que sua
filha Estratônica casando com o filho de Seleuco acaba por salvá-lo.
Bibliografia
:
Plutarco,
Vida de Demetrio ( tr. de Antonio Ranz Romanillos ), Aguillar,
Madrid, 1973.
A.-J.
Festugière, La vie spirituelle em Grèce à l’époque
hellénistique, Picard, Paris, 1977.
Georges
Dumézil, Servius et la Fortune, Gallimard, Paris, 1943.
The
Bhagavat Purana ( tr. G.V. Tagare ), Motilal Barnasidass, Delhi,
India, 2002.
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