segunda-feira, 4 de agosto de 2008

157 Buddha Leão ( mais um )



               ( Pintura de teto de Ajanta, Índia )

157
O forte sempre dará seu jeito...etc.” - Isto foi contado pelo Mestre enquanto em Jetavana, como Ancião Ananda recebeu um presente de mil hábitos.

O Ancião pregava para as mulheres do palácio do rei de Kosala como descrito acima no Jataka 92.

Enquanto lá pregava da maneira descrita, mil hábitos, válidos cada mil dinheiros, foram trazidos para o rei. Destes o rei deu quinhentos para quinhentas das suas rainhas. As mulheres separaram as roupas e deram de presente para nosso Ancião, e então no dia seguinte com suas vestes velhas foram para o palácio onde o rei tomava café-da-manhã. O rei notou, “Dei a vocês vestidos válidos mil dinheiros cada um. Por quê não os estão vestindo ?” “Meu senhor,” elas disseram, “demos as roupas para o Ancião.” “Ancião Ananda ficou com as roupas todas ?” ele perguntou. Elas disseram, sim, ele ficou. “O Buddha Supremo,” disse ele, “permite apenas três hábitos. Ananda está montando um pequeno comércio de roupas, suponho !” Ele ficou irado com o Ancião ; e após o café-da-manhã, foi visitá-lo na cela dele, e depois de saudá-lo, sentou falando estas palavras:-

Prego, Senhor, minhas mulheres aprenderam ou escutaram sua pregação ?”
Sim, Senhor ; elas aprenderam o quê queriam e o quê deviam ouvir, ouviram.”
Oh, realmente. Elas apenas escutaram ou também deram presentes de hábitos e mantos ?”
Ho-je, Senhor, elas deram-me quinhentas roupas válidas cada uma mil dinheiros.”
E você aceitou-as, Senhor ?”
Sim, Senhor, aceitei.”
Por quê, Senhor, o Mestre não fez uma regra sobre ter apenas três hábitos ?”
É vero, Senhor, para todo Irmão a regra são três hábitos, falando do que ele usa para si mesmo. Mas ninguém é proibido de aceitar o quê é oferecido ; e daí eu ter aceito – para dá-los aos Irmãos cujos hábitos estão gastos.”
Mas quando estes Irmãos receberem as roupas de ti, o quê farão com as velhas ?”
Transformam-nas em cogula.”
E com as cogulas velhas ?”
Transformam-nas em camisas.”
E as camisas velhas - ?”
Estas servem para colchas.”
E as colchas velhas ?” - “Viram paninhos.” “E os paninhos velhos ?” - “Toalhas.”
E o que acontece com as toalhas velhas ?”
Senhor, não é permitido desperdiçar os presentes dos fiéis ; então eles cortam a toalha velha em pedaços e misturam os pedaços com argila que utilizam como reboco na construção das casas deles.”
Um presente, Senhor, não deve ser destruído, nem mesmo uma toalha.”

Esta conversa agradou tanto ao rei que mandou pedir as outras quinhentas roupas que restavam e as deu para o Ancião. Então, após receber o agradecimento, saudou o Ancião solenemente, e seguiu seu caminho.

O Ancião deu as primeiras quinhentas roupas para os Irmãos cujos hábitos estavam gastos. Mas o número de seus companheiros padres era justo quinhentos. Um destes, um jovem Irmão, era muito útil ao Ancião ; varrendo a cela, servindo-o de comida e bebida, dando a ele escova de dentes e água para lavar a boca, cuidando dos banheiros, salas, dormitórios e fazendo todo o necessário para mãos, pés ou costas. Para ele, como se fosse dele por direito por todo seu grande serviço, o Ancião deu todas as quinhentas roupas que recebeu depois. O jovem Irmão por sua vez distribuiu-lhas entre seus companheiros estudantes. Estes todos, as cortaram, e tingiram de amarelo como flor kanikara ( Pterospermum acerifolium ) ; então com elas vestidas, esperaram junto ao Mestre, o saudaram, e sentaram de um lado. “Senhor,” eles perguntaram, “é possível para um discípulo sacro que já entrou no Primeiro Caminho ser um bajulador de pessoas com presentes ?” “Não, Irmãos, não é possível para discípulo sacro ser bajulador de pessoas com presentes.” “Senhor, nosso Orientador espiritual, o Tesoureiro da Fé, deu quinhentas roupas, cada uma válida de mil dinheiros, a um jovem Irmão ; e ele dividiu-as entre nós.” Irmãos, ao dá-las Ananda não bajulava pessoas. Este jovem companheiro é um empregado muito útil ; de modo que ele fez o presente para seu próprio ajudante pelo bem do serviço mesmo, por bondade mesma, e por direito, pensando que um gesto amigo merece outro de volta, e com desejo de fazer o quê a gratidão pede. Em dias idos, como agora, homens sábios agiam tendo como princípio de que um gesto amigo merece outro de volta.” E então, ao pedido deles, ele contou uma estória de tempos antigos.

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Certa vez quando Brahmadatra era rei de Benares ( Varanasi ), o Bodhisatva era um Leão vivendo em uma cova nas montanhas. Um dia ele saiu de sua toca e olhou em direção ao sopé da montanha. Bem, ao redor do sopé daquela montanha estendia-se um grande veio d'água. No chão saía macia grama verde em quantidade, crescendo no lodo grosso e nesta lama corriam coelhos e cervos e tais criaturas leves, que comiam a grama. Um dia, como era usual, havia uma gazela comendo grama nela.

Vou comer aquela cerva !” pensou o Leão ; e com um salto de leão ele pulou do topo do monte em direção a ela. Mas a cerva, aterrorizada de medo, fugiu balindo. O Leão não pode parar seu ímpeto ; caiu na lama, e afundou nela, de modo que não podia sair ; e lá ficou por sete dias, suas patas presas como quatro postes, com nem um pedaço de comida.

Então um Chacal, caçando alimento, deparou-se com ele ; e saiu correndo aterrorizado. Mas o Leão gritou chamando ele - “Chacal, não corra – aqui estou, preso no lodo. Por favor me salve !” Retorna o Chacal. “Posso puxá-lo,” disse ele, “mas temo que uma vez fora possas querer me comer.” “Nada tema, não te comerei,” disse o Leão. “Ao contrário, te pagarei pelo serviço ; apenas me tire de algum jeito.”

O Chacal, aceitando esta promessa, passa a retirar o lodo ao redor das quatro patas dele, e os buracos em que as quatro patas estavam presas ele cava mais em direção àgua ; então àgua correu para dentro e fez a lama amolecer. Então ele foi para baixo do Leão, falando - “Agora, Senhor, um grande empurrão,” dando alto grito e empurrando a barriga do Leão com a cabeça. O Leão esticou todos os nervos e escalou para fora do lodo ; e ficou em terra seca.

 Após um momento de descanso, mergulhou no lago, lavando e limpando-se da lama. Depois matou um búfalo e com suas presas rasgou a carne dele, da qual oferece um pouco ao Chacal, dizendo, “Coma, camarada !” e ele mesmo após o Chacal comeu também. O Chacal então depois pegou um pedaço com a boca. “Para que isto ?” o Leão perguntou. “Para sua humilde serva minha companheira que me espera em casa.” “Está certo,” disse o Leão, pegando um pedaço para sua própria companheira. “Venha, camarada,” disse ele novamente, “fiquemos um pouco no topo do monte e então vá para a casa da senhora.” Então para lá foram e o Leão alimentou a fêmea do chacal ; e após estarem ambos satisfeitos, ele disse, “Agora, vou cuidar de você.” Ele então os conduzem para o lugar em que morava e os estabelece numa cova próxima à entrada sua própria.

Sempre depois disto, ele e o Chacal usam sair para caçar juntos, deixando as fêmeas para trás ; todos os tipos de criaturas eles matam e comem até contentar coração e então trazem de volta um pouco para as duas outras. E com o passar do tempo, a fêmea Chacal e a Leoa tiveram cada uma dois filhotes, e todos viviam felizes juntos.

Um dia um repentino pensar atacou a Leoa. “Meu Leão parece muito amigo do Chacal, da companheira dele e dos filhotes. E se houver algo errado entre eles ! Esta deve ser a causa porque eles são tão amigos, suponho. Bem, vou xingar ela e amedrontá-la e afugentar ela daqui.”

Então quando o Leão e o Chacal estavam fora na caça, ela praguejou e aterrorizou a companheira do Chacal, perguntando a ela por quê ficava lá, por quê não fugia ? E os filhotes dela aterrorizavam os jovens Chacais do mesmo modo. Então a fêmea Chacal conta a seu companheiro o quê ela dissera. “É claro,” disse ela, “que o Leão deve ter insinuado algo sobre nós. Estamos aqui já faz muito tempo ; e agora ele vai nos matar. Voltemos para o lugar que vivíamos antes !”

Escutando isto, o Chacal aproximou-se do Leão, com estas palavras. “Mestre, estamos aqui já faz tempo. Aqueles que permanecem muito tempo demoram-se além do tempo conveniente em sua estadia. Enquanto estávamos fora, sua Leoa ralhou e aterrorizou minha companheira, perguntando por quê ela ficava, e dizendo a ela para ir ; seus filhotes fizeram o mesmo com os meus. Se alguém não gosta de um vizinho, deve apenas pedir que ele se vá, e mandá-lo cuidar de seus negócios ; qual o sentido de todo este praguejar ?” Assim falando, ele repetiu esta primeira estrofe:

O forte sempre dará seu jeito ; é da natureza dele fazer isto ;
Sua companheira ruge alto ; e agora digo que temo, o quê antes confiava.

O Leão escutou ; e então virando-se para sua Leoa, “Esposa,” disse ele, “você lembra como uma vez fiquei fora caçando durante uma semana, e então voltei trazendo o Chacal e a companheira dele comigo ?” “Sim, lembro.” “Bem, sabes por quê fiquei fora toda aquela semana ?” “Não, Senhor.” “Minha esposa, tentando pegar uma cerva, cometi um erro, e fiquei preso no lodo ; lá fiquei – pois não conseguia sair – por toda uma semana sem comida. Minha vida foi salva por este Chacal. Este meu amigo salvou minha vida ! Um amigo na necessidade é um amigo de verdade (a friend in need is a friend indeed), seja ele grande ou pequeno. Não deves nunca mais fazer desfeita com meu camarada, ou a esposa dele, ou sua família.” E então o Leão repetiu a segunda estrofe:

Um amigo que faz a parte de amigo, quão pequeno ou fraco ele seja,
É meu companheiro, minha carne, e sangue, amigo e camarada ;
Não o despreze, companheira de presas afiadas! Este Chacal salvou minha vida.

A Leoa, quando escutou esta história, fez as pazes com a companheira do Chacal e para sempre viveu em amizade com ela e seus filhotes. E os filhotes dos dois casais brincaram juntos desde os primeiros dias e quando os pais morreram eles não romperam os laços de amizade mas viveram felizes juntos como os pais viveram antes deles. Realmente, amizade permaneceu inquebrável por sete gerações.

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Quando o Mestre terminou seu discurso, declarou as Verdades e identificou o Jataka:- (no final das Verdades alguns entraram no Primeiro Caminho, alguns no Segundo, alguns no Terceiro e alguns no Quarto:) - “Ananda era o Chacal daqueles dias, e o Leão era eu mesmo.” 



 

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