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“Se um amigo...etc.”- Esta história foi contada pelo Mestre enquanto no Bosque de Bambu, sobre Devadatra. Pois naquele tempo os Irmãos estavam discutindo no Salão da Verdade a ingratidão de Devadatra e a incapacidade dele em reconhecer a bondade do Mestre, quando o Mestre mesmo entrou e inquirindo soube qual o tema da conversa deles. “Irmãos,” disse ele, “esta não é a primeira vez que Devadatra foi ingrato ; ele foi injusto igual em dias idos.” Assim falando, ele contou esta história do passado.
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Certa vez quando um certo rei de Magadha reinava em Rajagaha, o Bodhisatva era o Tesoureiro dele, possuindo oitenta 'crores' ( um crore é dez milhões ) e conhecido como o Milionário. Em Benares morava um Tesoureiro também com oitenta 'crores', que se chamava Piliya, e era grande amigo do Milionário. Por uma razão ou outra Piliya de Benares ficou em dificuldades, perdeu toda sua propriedade, e foi reduzido à mendicância.
Em sua necessidade ele deixou Benares e com sua esposa viajou à pé até Rajagaha, para falar com o Milionário, a última esperança que lhe restava. E o Milionário beijou seu amigo e o tratou como convidado de honra, perguntando no curso devido, a razão da visita. “Estou arruinado,” respondeu Piliya, “perdi tudo e vim para te pedir ajuda.”
Em sua necessidade ele deixou Benares e com sua esposa viajou à pé até Rajagaha, para falar com o Milionário, a última esperança que lhe restava. E o Milionário beijou seu amigo e o tratou como convidado de honra, perguntando no curso devido, a razão da visita. “Estou arruinado,” respondeu Piliya, “perdi tudo e vim para te pedir ajuda.”
“De todo coração ! Não tema quanto a isto,” disse o Milionário. Abriu o cofre e deu a Piliya quarenta 'crores'. Também dividiu em duas partes iguais todos os bens vivos da propriedade, de escravos, gado e tudo, e deu a Piliya justamente a metade de toda sua fortuna. Tomando estes bens, Piliya volta a Benares, e lá mora.
Não muito depois calamidade semelhante acontece com o Milionário,que, por sua vez, perde cada centavo que tinha. Buscando ao redor para quem se virar em necessidade, ele lembrou-se de como ajudara Piliya com metade de suas posses, e como devia ir até ele em busca de assistência sem medo de ser jogado fora. Então partiu de Rajagaha com sua esposa e chegou em Benares. Na entrada da cidade disse a ela, “Esposa, não é conveniente que você fique percorrendo as ruas comigo. Espere aqui um pouco até eu te enviar uma carruagem com empregado para trazê-la à cidade de modo apropriado.” Assim falando, ele a deixou no abrigo [ n. do tr. : às portas, portões das antigas cidades haviam pousadas, para os viajantes mesmos ] e entrou sozinho na cidade, até chegar na casa de Piliya, onde pediu que fosse anunciado que o Milionário de Rajagaha veio ver seu amigo.
“Bem, mande-o entrar,” disse Piliya ; mas ao ver o estado do outro nem se levantou para encontrá-lo, nem o saudou com palavras gentis mas apenas perguntou o quê o trazia ali.
“Para vê-lo,” foi a resposta.
“Onde estais hospedado ?”
“Lugar nenhum ainda. Deixei minha esposa num abrigo e vim direto até ti.”
“Não há quarto aqui para você. Tome um punhado de arroz, encontre algum lugar para cozinhá-lo e comê-lo e vá e nunca mais volte a me visitar.” Assim falando, o homem rico despachou um empregado com ordens de dar a seu amigo desafortunado um quarto de quilo de farinha amarrado as bordas da roupa; - e isto, apesar de ter naquele dia mesmo debulhado e armazenado um milhar de carretos do melhor arroz em seus silos abarrotados.
Sim, o tratante, que friamente tomou quatro centenas de milhões, agora deu um quarto de quilo a seu benfeitor ! Conformemente, o empregado colocou a farinha medida numa cesta e a trouxe ao Bodhisatva, que questionava-se se devia ou não aceitar. E ele pensou, “Este ingrato acaba com nossa amizade porque estou em ruínas. Bem, se recuso seu presente mesquinho seria ruim como ele. Pois o ignorante que ultraja um modesto presente, ultraja a ideia mesma de amizade. Portanto seja meu o cumprir amizade tanto quanto em mim descansa, aceitando seu presente de farinha.” De modo que amarrou a farinha na borda da roupa, e fez seu caminho de volta para onde abrigara-se a esposa.
“O quê você conseguiu querido ?” disse ela.
“Nosso amigo Piliya nos deu esta farinha, e lavou as mãos para nós.”
“Oh, por quê aceitaste ? É este retorno (contra-dom) adequado para quarenta 'crores'?"
“Não chore, querida esposa,” disse o Bodhisatva. “Aceitei simplesmente porque não queria violar a princípio da amizade. Por quê estas lágrimas ?” assim falando, ele pronunciou esta estrofe:-
Se um amigo faz papel de avaro,
Um simplório é cortado ao coração ;
Da migalha a farinha pegarei
E não por isto amizade quebrarei.
Mas permaneceu em prantos a esposa.
Bem, naquele momento um empregado de fazenda a quem o Milionário dera a Piliya, passava e aproximou-se ao escutar o choro de sua antiga patroa. Reconhecendo seu patrão e sua patroa, ele caiu aos pés deles, e em lágrimas e soluços perguntou a razão por quê vieram. E o Bodhisatva contou a ele sua história.
“Mantenham o ânimo,” disse o homem alegremente ; e, levando-os para sua própria casa, lá, aprontou banhos perfumados, e comida para eles. Então contou aos outros escravos que os antigos patrão e patroa vieram, e após alguns dias marcharam num só corpo para o palácio do Rei, onde causaram uma tremenda comoção.
O Rei perguntou qual era o problema, e eles contaram a história toda. Chamou então os dois, e perguntou ao Milionário se o relato era vero de que dera quatrocentos milhões a Piliya.
“Senhor,” disse ele, “quando em necessidade meu amigo em mim confiou, e veio buscando minha ajuda, dei a ele metade, não apenas de meu dinheiro mas de meus bens vivos e de tudo o quê possuía.”
“Foi assim ?” disse o rei a Piliya.
“Sim, senhor,” disse ele.
“E quando por sua vez seu benfeitor confiou em ti e te buscou, mostraste a ele honra e hospitalidade ?”
Aqui Piliya ficou em silêncio.
“Você deu de esmola um quarto de quilo de farinha costurado na bainha da roupa dele?”
Continuou Piliya em silêncio.
Então o rei tomou conselho com seus ministros sobre o que fazer, e finalmente, como juízo imposto a Piliya, ordenou-os que fossem à casa de Piliya e dessem todos os seus bens para o Milionário.
“Não, senhor,” disse o Bodhisatva ; “não preciso do que é de outro. Que me seja dado apenas o quê antes dei a ele.”
Então o rei ordenou que o Bodhisatva devia gozar do que era seu de novo ; e o Bodhisatva, com largo séqüito de servos, voltou com seus bens ganhos de volta para Rajagaha, onde colocou seus negócios em ordem e após vida gasta em caridade e outras obras boas, passou sendo tratado de acordo com seus méritos.
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Sua lição terminada o Mestre identificou o Jataka dizendo, “Devadatra era o Tesoureiro Piliya daqueles dias, eu mesmo o Milionário.”
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