segunda-feira, 8 de junho de 2009

308 Buddha Pica-pau



         Imagem do sarcófago de Ravena como leão de boca aberta bem no meio.

308
“Gentileza tanta quanto...etc.” - Esta história foi contada pelo Mestre enquanto residia em Jetavana sobre a ingratidão de Devadatra.
Ele a terminou dizendo, “Não apenas agora mas em dias anteriores Devadatra mostrou ingratidão,” e com estas palavras ele contou um história do passado.
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Certa vez quando Brahmadatra reinava em Benares, o Bodhisatva veio a vida como um pica-pau no país do Himalaia.
Bem, um certo leão, enquanto devorava sua presa, ficou com um osso espetado em sua garganta. Sua garganta inchou de modo que ele não podia comer nenhuma comida e ficou com dores agudas. Então este pica-pau, enquanto buscava sua própria comida, pousado em um galho, viu o leão e perguntou a ele, falando, “Amigo, o quê te aflige ?” Ele contou qual era o problema e o pássaro disse, “Eu tiraria o osso para fora da tua garganta, amigo, mas não ouso colocar minha cabeça denro da tua boca, temendo que me comas.”
“Nada temas, amigo ; não te comerei. Apenas salve minha vida.”
“Está certo,” disse o pássaro e ordenou ao leão que deitasse de lado. Então ele pensou : “Quem sabe o que este sujeito fará ?” E para prevenir que fechasse a boca, fixou uma vara entre a mandíbula superior e a inferior e então colocando sua cabeça dentro da boca do leão, quebrou a extremidade do osso com seu bico. O osso caiu e sumiu. Então o pica-pau retirou sua cabeça de dentro da boca do leão e com um golpe de seu bico quebrou a vara e saltando fora sentou no topo de um galho.
O leão recuperado de sua doença, um dia devorava um búfalo selvagem que ele matara. Pensou o pica-pau : “Agora vou colocá-lo em teste,” e pousando em um galho acima da cabeça do leão, passou a conversar com ele e pronunciou a primeira estrofe :-

Gentileza tanta quanto a que existe entre nós,
Para ti, meu senhor, certa vez mostramos:
Para nós desta vez, humildemente pedimos,
Conceda tu um dom insignificante.

Escutando isto o leão repetiu a segunda estrofe :-

Confiar tua cabeça numa boca de leão,
Uma criatura vermelha nas presas e nas garras
Ousar tal façanha e ainda viver,
É prova suficiente de minha boa vontade.

O pica-pau escutando isto pronunciou mais duas estrofes :-

Do egoísta ingrato não espere obter
A recompensa devida por serviço bem prestado;
De pensamento amargo e palavra irada, refrei ,
E rapidamente a presença do miserável, evite.

Com estas palavras o pica-pau voou para longe.
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O Mestre sua lição terminada, identificou o Jataka : “Naquele tempo Devadatra era o Leão e eu mesmo era o Pica-pau.”

[N. do tr.: Esopo Buddhista repete a história igualzinha com lobo no lugar do leão e garça no do pica-pau na famosa fábula número 224. A boca do leão aberta com uma vara entre as duas mandíbulas é uma imagem forte. Siddharta Gautama está vencendo a morte e a perseguição com que Devadatra ameaçou Sua vida. Segue texto de Ananda Coomaraswamy de seu livro “The door in the sky” pgs 27s sobre o assunto.

“Assim śarkara apropriadamente designa o svayamātrnnā mais alto, não só no seu sentido de “pedra,” mas também naquele de graha: a Porta do Sol é ou a Porta da Vida ou as Mandíbulas da Morte, tudo dependendo do entendimento do Sacrificante, que se pensa de si mesmo Tal-e-tal, “pensando ‘Ele é um, e eu outro,’ não é um Entendedor, mas como se ele fosse uma besta a ser sacrificada aos deuses” (BU I, 4, 10 ). Todas “passagens” (de um estado do ser para outro) são neste sentido “perigoso” ; e não pode haver dúvidas que o makara (= śimśumāra) colocado acima de corredores, e conhecidos em Java como kāla-makara (kāla, “Tempo,” sendo um dos bem conhecidos nomes da Morte) tem uma significado semelhante; cf. J. Scheftelowitz, Die Zeit als Schicksalsgottheit in der indischen und iranischen Religion, Stuttgart, 1929. A cabeça kāla-makara é chamada na Índia e no Ceilão, dos dois, “ face makara (makara vaktra )” e “mandíbulas do leão (simha-mukha ),” e é de se notar que no que é talvez a primeira referência a este motivo, Kh A 172, o siha-mukha é um ornamento lateral da nave do carro do rei,” evidentemente como no exemplo Chinês, B. Laufer, Jade (Chicago, 1912), pr. XVI, fig. I.
Um autor (extraviei a referência) descrevendo uma tumba Frígia do século segundo A.D. , remarca o leão representado nela “enquanto aparece ao arco do portão da cabana da porta da morte” e “como símbolo do poder do leão para quem pelo portão quiser passar.” Não será esquecido que Cristo, que disse de si mesmo que Eu sou a porta,” é o “Leão de Judá” assim como o “Sol dos Homens.”
A teoria da arte Indiana e universal assume protótipos angélicos como mimesis. O palácio do rei, por exemplo, reproduz as formas da cidade celestial. Uma notável ilustração disto, é dada pela fortaleza-palácio de Sihagiri no Ceilão, descrita como “difícil de ascender, para seres humanos (durārohan manussehi, Mhv XXXIX, 2; cf. o durohana de AB IV, 21 ).” Aqui Kassapa construiu uma “escada na forma de um leão (sihākārena ... nisseni-gehāni) ... e construiu um palácio real encantador e belo, como um segunda Ālakamanda (Cidade celestial, D. II, 147, 170) e habitou lá como Kuvera” (ibid., 3-5). A escada principal levava, de fato, através das mandíbulas de um leão colossal em tijolo e estuque, do qual a fortaleza toma seu nome e da qual pedaços ainda existem (Archaeological Survey of Ceylon, Annual Report, 2 vols., 1898, p.9, e Culavamsa, tr. Wilhelm Geiger e C. M. Rickmers, 2 vols., Oxford, 1929, 1930, p. 42, n.2 ). Uma assimilação do palácio-fortaleza com um protótipo divino e a ascenção em um Caminho celeste é manifestamente intencionado.
O lugar e a natureza de uma máscara de coroa de um makara torana (e.g., Coomaraswamy, História da Arte Indiana e Indonésia, 1927, fig. 225) são os mesmos: a torana funciona, realmente, como o nicho de uma imagem, mas ela chama-se torana porque o nicho é essencialmente um portal e para ser entendido como parte do aspecto frontal da deidade cuja imagem preenche o corredor. As costas da imagem ficam encobertas, e geralmente deixadas sem terminar e sem forma, relativamente, não sem razões que soam metafísicas. Não deve haver dúvida da similaridade entre este tipo de figura e as figuras radiantes de Cristo em Majestade (uma concepção complexa, geralmente conectada com a psicostasis e o Julgamento Final) estabelecida nos portais das catedrais Romanescas como se a dizer, “ninguém vem ao Pai a não ser por mim,” e ,”a não ser que você nasça novamente” ; tais são as figuras do Sol dos Homens, que separa os carneiros dos bodes na “encruzilhada dos caminhos.” A figura acima do portal prefigura a do Pantokrator que preenche o círculo do que é realmente o “olho” do domo ( “O domo central era caibro de uma carranca estupenda de Cristo Pantokrator, o juiz soberano,” Robert Byron e David Talbot Rice, em The Birth of Western Painting, London, 1930, p. 81; Vicent de Beauvais fala da ferocitas de Cristo ). O Caminho para o “olho” do domo é horizontal (tiryak) até que o altar, o umbigo [navel] da terrra, seja alcançado, e a partir daí ele é vertical (urddhvam); ou dizendo o mesmo em outras palavras, o caminho dentro da Igreja prefigura a entrada no Céu. Na arquitetura Muçulmana os mesmos princípios estão implicados pela abertura circular que, em muitos casos, se sobrepõem a nichos e entradas.
A bem conhecida “máscara de ogro” Chinesa, que aparece em muitos meios característicos nos primeiros bronzes Chineses, é certamente, formalmente relacionada a “face makara” da tradição Indiana. Devemos reconhecer que a relação é não somente de forma mas também de significado, e que a designação t’ao t’ieh, significando “glutão” (cf. Agni como grasisnu, kravyāt, etc., e textos tais como BU 1, 2, 1, tam jātam abhivyādadāt ), apesar de “máscara de ogro” ser dada pelos acadêmicos há bastante tempo, é dado mais apropriadamente (ver também nota 78). Uma interpretação similar pode ser dada dos monstros devoradores das empunhaduras de espadas Indonésias, que foram brilhantemente estudadas por R. Heine-Geldern; estes, contudo, não devem tanto se ligar, a lendas particulares, mas antes vê neles uma ilustração do princípio geral que está refletido em tais lendas. (...) A utilização da “cabeça da Morte” à empunhadura de uma arma é tão apropriado como o do simha-mukha e “t’ao t’ieh” ao cubo de uma roda, notado acima e na nota 77. A “cabeça da Morte,” seja leonina, aquilina, réptil, ou na forma de “glutão” , é a Face de Deus que faz os dois, “mata e faz viver.” Como Carl Hentze corretamente viu, “A exposição do T’ao-t’ieh une os símbolos da noite e obscuridade ... com os símbolos da luz e da renovação ... o T’ao-t’ieh é aquele demônio da obscuridade que deixa sair direto de si a luz e a vida,” assim combinando os caracteres lunar e solar (Frühchinesische Bronzen- und Kulturdarstellungen, Antuérpia, 1937, p. 85 ). Esta é unidade de Mitrāvarunau, Amor e Morte: “A Treva Divina é a Luz inacessível ... todos que entram são julgados dignos de conhecerem e verem a Deus” (Dionísio, Ep. ad Dor. Diac. ); “E a profundeza das trevas é tanta quanto a da habitação da luz; e elas não estão distantes uma da outra, mas juntas são uma a outra” (Jacob Boehme, Three Principles of the Divine Essence, tr. Jonh Sparrow, London, 1910, XIV, 76 ).
As mesmas relações podem ser estudadas no sarcófago de Ravena, em que o retângulo do Cosmos é sobreposto pela abóbada do Paraíso supra-solar, o Sol e a Face de Deus estando representadas pela máscara do leão (simha-mukha) colocada no centro do telhado dos mundos abaixo e base dos céus acima. Reconhecemos em ordem descendente Leão, Pomba, e Cruz, i.e., Sol, Espírito, Cristo – ou, em Sânscrito, Āditya,Vāyu, Agni. A Cruz está suportada em e ergue-se de um vaso (kumbha de RV VII, 33, 13) que, na medida que esta é especificamente uma representação do Batismo, significa o Jordão (como indicado por J. Strzygowski), mas também as Águas Inferiores impregnadas pela descida do raio, ou, em outras palavras, a Theotokos, Mãe Terra. Quanto mais detalhado nosso conhecimento de ontologia Védica e sua iconografia última, mais óbvios serão os paralelos. Aqui, em relação a Theotokos, podemos meramente aludir ao nascimento de Agni das Águas, que é também o do Profeta Vasishta na lótus = vaso = barco (da terra) (RV VII, 33, 11-12 e 88,4 ), e à freqüente representação iconográfica de Śri Laksmi pelo Vaso Transbordante (purna-kumbha, etc.) na primeira arte Indiana. Mais imediatamente pertinente a este estudo é o fato que a boca aberta do Leão é a Janua Coeli [Porta do Céu], o Auto-perfurado superior, do qual procede o Espírito; e a boca do vaso abaixo, o Auto-perfurado terrestre correspondente, o lugar de nascimento do Filho, que é ele mesmo o Leão e quem está lá para seguir-mos no seu retorno ao Pai através das mandíbulas do Leão. É, claro, o ponto de intercessão dos braços da Cruz que corresponde ao Auto-perfurado intermediário do altar Védico.” No mesmo livro o autor relaciona a imagem às aldravas das portas em que um aro é seguro pela boca do leão, dragão, ogro, lobo, etc.]

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