terça-feira, 5 de maio de 2009

283 Ancião Dhanuggaha Javali Carpinteiro




                         Imagem de Vishnu Vahara Javali magnificamente esculpida em Khajuraho.

283
“O melhor, o melhor sempre...etc.” - Esta história o Mestre contou em Jetavana sobre o ancião Dhanuggahatissa. Mahakosala, o pai do rei Pasenadi, quando casou sua filha, a Senhora de Kosala, com o rei Bimbisara, deu uma cidade de Kasi, produtora de uma receita de cem mil, para gasto em banhos e perfumaria. Quando Ajatasatru assassinou o rei seu pai, a senhora de Kosala morreu de tristeza. Então pensou rei Pasenadi, “Ajatasatru matou seu pai, minha irmã morreu, simpática com a desgraça do marido dela ; não darei a cidade da região de Kāsi a um parricida.” Assim recusou deixá-la com Ajatasatru. Por causa desta cidade havia guerra entre estes dois de tempos em tempos.

Ajatasatru era feroz e forte e Pasenadi era um homem muito velho, de modo que era repetidamente vencido e o povo de Mahakosala geralmente conquistado. O rei então perguntou a seus cortesãos, “Somos vencidos repetidamente ; o quê deve ser feito ?” “Meu senhor,” eles disseram, “os reverendos padres são hábeis em encantamentos. Devemos escutar as palavras dos Irmãos que moram no mosteiro de Jetavana.” O rei então despachou mensageiros, pedindo a eles que escutassem as conversas dos Irmãos em momento apropriado. Bem naquele momento haviam dois Anciãos  vivendo numa cabana de folhas próxima ao mosteiro cujos nomes eram Ancião Utta e Ancião Dhanuggahatissa. Dhanuggahatissa dormiu durante a primeira e a segunda vigília noturna ; e levantando-se na última vigília, quebrou alguns gravetos, acendeu um fogo, e sentando-se no chão disse, “Utta, meu amigo !” “Que é, amigo Tissa ?” “Não estais dormindo ?” “Agora que estamos acordados, que fazer ?” “Levante-se e sente-se aqui do lado.” Assim ele fez e começaram a conversar.

 “Aquele barrigudo estúpido de Kosala não consegue ter um jarro cheio de arroz cozido sem estragá-lo ; como nada sabe de planejar uma guerra. Está sempre sendo derrotado e forçado a pagar.” “Mas o quê ele devia fazer ?” Justo neste momento os mensageiros permaneciam escutando a conversa deles.

 Ancião Dhanuggahatissa discutia a natureza da guerra. “Guerra, Senhor,” disse ele, “consistem em três tipos : o exército lótus, o exército roda e o exército vagão [ n. do tr.: O formato 'roda' explica-se por si-mesmo : o 'vagão' era uma falange em ponta de cunha ; a 'lótus', “é igualmente extensa para todos os lados e perfeitamente circular, o centro sendo ocupado pelo rei.” Bühler, S.B.E. Vol. 25 pg. 246]. Se aqueles que desejam capturar Ajatasatru postarem guarnições em dois fortes nas montanhas e fingirem que estão fracos, e vigiarem até que eles estejam no meio das montanhas, barrarem a passagem deles, pularem dos dois fortes e atacarem pela frente e pelas costas, gritando alto, rapidamente os pegarão como peixe em terra firme, como sapo em mão fechada ; e assim serão capazes de segurá-lo.” Tudo isto os mensageiros contaram a seu rei. O rei fez com que se tocasse o tambor para o ataque, arrumou as tropas na formação vagão e prendeu Ajatasatru vivo ; sua filha, Princesa Vajira, deu em casamento ao filho de sua irmã e a dispensou com a cidade da região de Kasi como seu dinheiro de banho e perfumaria.

Estes acontecimentos tornaram-se conhecidos na Irmandade. Um dia, eles estavam todos falando sobre isto no Salão da Verdade ; “Amigo, escutei que o rei de Kosala conquistou Ajatasatru através das instruções de Dhanuggahatissa.” O Mestre entrou ; “Sobre o quê conversam sentados aí agora, Irmãos ?” perguntou ele. Eles disseram a ele. Ele disse, “Esta não é a primeira vez que Dhanuggahatissa foi inteligente em discursar sobre guerra” : e contou a eles um conto do mundo antigo.
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Certa vez quando Brahmadatra reinava em Benares ( Varanasi ), o Bodhisatva veio à vida como espírito d'árvore. Naquele tempo haviam alguns carpinteiros estabelecidos em uma vila próxima a Benares. Um deles, errando na floresta para catar lenha, encontrou um jovem javali caído em um poço, o qual pegou e levou para casa para cuidar. Ele cresceu e ficou grande com presas em curva, sendo uma criatura de bons modos. Porque o carpinteiro cuidava dele ficou conhecido como Javali do carpinteiro. Quando o carpinteiro estava cortando um'árvore, o javali costumava virá-la com seu focinho e com seus dentes buscava a machadinha, a enxó, o cinzel, a marreta e esticava a linha de medir até o final. O carpinteiro temia que alguém pudesse comê-lo ; e assim o pegou e o levou para a floresta. O Javali corria na floresta, buscando um lugar seguro e agradável para viver ; por fim espreitou uma grande cova em um lado da montanha, com muitos bulbos, raízes, frutas, um lugar agradável para viver. Algumas centenas de outros javalis o viram e aproximaram-se dele.

Disse ele, “Vocês são justamente o que eu procurava e aqui encontrei vocês. Este me parece um lugar adequado ; e aqui pretendo viver agora com vocês.”
“Um bom lugar certamente é,” eles disseram, “mas perigoso”.
“Ah,” disse ele, “assim que vi vocês, cogitei como podia ser que aqueles que moravam em um lugar com tanta abundância pudessem ser magros na carne e no sangue. Do que vocês têm medo ?”
“Há um tigre que vem de manhã e todo aquele que ele vê ele pega e leva.”
“Isto acontece sempre, ou só uma vez ou outra ?”
“Sempre.”
“Quantos tigres são ?”
“Só um.”
“O quê – um só é muito para todos vocês ?”
“Sim, Senhor.”
“Vou pegá-lo, se vocês fizerem o quê eu disser a vocês. Onde o tigre vive ?”
“Naquela montanha lá.”

Então à noite ele instruiu os Javalis e os preparou para a guerra ; explicando a eles a ciência. “Guerra pode ser de três tipos – exército de lótus, exército de roda e exército de vagão :” e os arrumou na formação de lótus. Ele conhecia um lugar vantajoso ; e assim, disse, “Aqui devemos fazer nossa guerra.” As mães com seus filhotes de leite estabeleceu no meio ; ao redor destes colocou as porcas sem filhotes ; ao redor destas, os javalis jovens ; ao redor destes, os menos jovens ; ao redor destes, todos os que tinham presas crescidas ; ao redor destes, os javalis prontos para a guerra, fortes, poderosos, em dezenas e vintenas ; assim postando-os em ranks, fileiras. Diante de sua própria posição fez cavar um buraco redondo ; atrás, um poço afundando gradualmente, no formato de uma peneira. Enquanto se movimentava ao redor entre eles, seguido por sessenta ou setenta Javalis, pedindo-lhes que fossem corajosos, surge aurora.

O Tigre acordou. “Agora é hora !” pensou ele. Trotou até avistá-los ; então parou ainda acima no plateau, observando a multidão de Javalis. “Devolvam o olhar !” gritou o Javali do carpinteiro, com um sinal para os outros. Todos eles encararam. O Tigre abriu a boca e respirou fundo : os Javalis fizeram o mesmo. O Tigre relaxou : o mesmo fizeram os Javalis. Então o que quer que o Tigre fizesse, os Javalis faziam igual.

“Por quê isto ?!” cogitava o Tigre. “Eles costumam sair correndo assim que me vêem – na realidade ficam com medo até de correr. Agora, longe de correr, levantam-se contra mim ! O que quer que faço, eles imitam. Há um sujeito ali em posição de comando : é ele que organizou a turba. Bem, não vejo como levar a melhor sobre eles.” E ele girou e voltou para sua cova.

Bem, havia um eremita shamam, que costumava pegar uma parte da caça do Tigre. Desta vez o Tigre retornou de 'mãos vazias'. Notando isto, o eremita repetiu a seguinte estrofe.

O melhor, o melhor sempre colocas diante
Quando sais, o javali selvagem caçando.
Agora sem nada, tomado de tristeza,
Ho-je onde está a força que tinhas antes ?

Interpelado assim, o Tigre repetiu outra estrofe :

Normalmente eles correriam em confusão
Procurando suas tocas, tomados de pânico.
Mas agora eles grunhem em ranks compactos :
Invencíveis, eles permanecem me encarando.

“Oh, não fique com medo deles !” incentivou o eremita. “Um rugido e um pulo os aterrorizarão e os colocarão para fora de si-mesmos em confusão.” O Tigre rendeu-se a esta insistência. Arranjando coragem retornou e permaneceu no plateau.

Javali Carpinteiro ficou entre os dois poços. “Veja Meste ! Lá está o tratante novamente !” gritaram os Javalis. “Ah, nada temam,” disse ele, “o apanhamos agora.”

Com um rugido o Tigre saltou sobre o Javali Carpinteiro. No mesmo instante que ele saltou, o Javali esquivou-se e caiu direto no poço redondo. O Tigre não pode parar mas tombou cada vez mais nas mandíbulas do outro poço, que ficava bem estreito. Saltou para fora o Javali do seu buraco e rápido como um raio correu com suas presas para as pernas do Tigre, rasgando-as nos rins, enterrando suas presas na carne macia e ferindo também a cabeça dele. Então lançou-se para fora do poço, gritando alto - “Aí está o inimigo para vocês !” Aqueles que chegaram primeiro tiveram tigre para comer ; mas aqueles que chegaram depois ficaram cheirando a boca dos outros e perguntando qual era o gosto de carne de tigre !

Mas os Javalis ainda estavam ansiosos. “Qual o problema agora ?” perguntou nosso Suíno, que notava o movimento deles.

“Mestre,” disseram eles, “tudo bem matar um tigre mas o eremita shamam pode trazer dez tigres mais !”
“Quem é este ?”
“Um asceta ruim.”
“Um tigre eu matei ; vocês acham que um homem pode me machucar ? Vamos e nós o pegaremos.” Então todos partiram.

Bem, o homem cogitava por quê o Tigre demorava tanto em voltar. Poderiam os Javalis terem-no pego ? Ele pensava. Por fim passou a querer encontrá-lo no caminho ; e enquanto ia, lá vinham os Javalis ! Ele catou seus pertences e saiu fora correndo. Os Javalis romperam atrás dele. Ele jogou fora seus entulhos e com toda a velocidade subiu em uma figueira.

“Bem, Mestre, ele está no alto !” gritou a horda. “O homem subiu numa árvore !”
“Que árvore ?” perguntou o líder.
“Uma figueira.” eles responderam.
“Ah, muito bem,” disse o líder. “Os bacurinhos devem trazer água, os javalis jovens cavem ao redor da árvore, os com presas rasguem as raízes e o resto cercam-na e vigiem.” Eles fizeram suas várias tarefas como ele ordenou ; ele enquanto isso arremetia um raiz grossa, - era como um golpe de machado ; e com este golpe único ele derrubou àrvore no chão. Os Javalis que esperavam o homem, derrubaram-no e o fizeram em pedaços, deixando os ossos limpos em um instante !

Depois eles colocaram o Javali Carpinteiro no toco d'árvore. Encheram a tigela, concha, do homem morto com água e aspergiram o javali, consagrando-o rei deles ; uma jovem porca, eles consagraram como sua Consorte.

Esta, diz a lenda, é a origem do costume ainda observado. Quando o povo unge um rei nos dias de hoje, ele é colocado em uma bela cadeira de madeira de figueira e aspergido com três conchas.

Um espírito que habitava na floresta viu esta maravilha. Aparecendo diante dos Javalis no nó do seu tronco de árvore, ele repetiu a terceira estrofe :-

Honra a todas as tribos sejam dadas !
Uma união maravilhosa realmente vejo !
Como javalis de presas venceram o tigre
Com força e conjunto de presas unidas !
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Após este discurso, o Mestre identificou o Jataka : “Dhanuggaha o Ancião era o Javali Carpinteiro e eu mesmo era o espírito d'árvore.”





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