terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

476 Buddha Ganso



Desenho reproduzindo imagens da caverna XVII de Ajanta que ilustram este Jataka feitos por Monika Zin baseados em rascunhos preliminares de Matthias Helmdach em Dieter Schlingloff, Guide to Ajanta Paintings, MM Publishers, New Delhi, 1999.

476
Venha, nobre Ganso...etc.” - Esta história o Mestre contou em Jetavana sobre o Dalhadhamma Suttanta ou a Parábola dos Homens Fortes. O Abençoado disse : “Suponha, Irmãos, quatro arqueiros nos quatro cantos, pontos, cardiais, homens fortes, bem treinados e de grandes habilidades, perfeitos no arco e flecha ; e então deixe um homem vir e dizer, 'Se estes quatro arqueiros, fortes, bem treinados, e de grande habilidade, perfeitos no arco e flecha, atirarem flechas dos quatro cantos, apanharei estas flechas enquanto são atiradas e antes delas tocarem o chão' : vocês não concordariam, com toda certeza, que deve ser um homem muito rápido e a perfeição da rapidez ? Bem, Irmãos, grande como a rapidez de tal homem pode ser, grande como a rapidez do sol e da lua, há algo mais rápido : grande, digo, Irmãos, qual a rapidez de tal homem possa ser, grande qual a rapidez do sol e da lua e apesar dos deuses voarem mais rápido que o sol e a lua, há algo mais rápido que os deuses : grande, Irmãos, como a rapidez de tal homem ( e assim por diante ), ainda mais rápido que os deuses podem ir, os elementos fazem a vida decair. Portanto, Irmãos, vocês devem aprender isto, sejam cuidadosos ; verdadeiramente digo a vocês, isto vocês devem aprender.” Dois dias após este ensinamento, falando sobre isto no Salão da Verdade : “Irmãos, o Mestre, em seu lugar peculiar de Buddha, ilustrando a natureza do que faz a vida, mostrou-a ser transitória e fraca e atingiu com temor extremo Irmãos e inconversos semelhantemente. Oh, o poder de um Buddha !” O Mestre entrando questionou sobre o que conversavam. Eles disseram ; e ele falou, “Não é nenhuma maravilha, Irmãos, se em minha omnisciência alerto os Irmãos com meu ensino e mostro como transitórios são os elementos da vida. Mesmo eu, quando sem causa natural fui concebido como um Ganso, mostrei a natureza transitória dos elementos da vida e com meu ensino alertei toda a corte de um rei, junto com o rei de Benares mesmo.” Assim falando, ele contou uma história do passado.
_________________
 
Certa vez, quando Brahmadatra reinava em Benares, o Grande Ser nasceu como um rápido Ganso, que viveu no Monte Cittakuta em um bando de noventa mil outros tais Gansos. Um dia, tendo, junto com seu bando, comido arroz selvagem que crescia em um certo lago nas planícies da Índia, voou pelos ares ( e foi como se uma esteira dourada houvesse se espalhado de uma extremidade a outra da cidade de Benares ) e voou lentamente por esporte para Cittakuta. Bem, o rei de Benares o viu ; e disse a seus cortesãos, “Aquele pássaro lá deve ser rei como eu sou.” Ele gostou do pássaro e pegando guirlandas, perfumes e unguentos, saiu em busca do do Grande Ser ; e com ele fez com que fosse junto todo tipo de música. Quando o Grande ser o viu fazendo honra desta maneira, perguntou aos outros Gansos, “Quando um rei faz tal honra para mim, o quê será que ele quer ?” “Ele quer fazer amizade contigo, meu senhor.” “Bem, que eu seja amigo do rei,” respondeu ; e fez amizade com o rei e retornou.
Um dia depois disso, quando o rei estava no parque e foi para o Lago Anotatta, o pássaro voou até o rei, tendo água numa asa e pó de sândalo na outra ; com àgua aspergiu o rei e jogou o pó sobre ele, e então enquanto a companhia olhava, voou para Cittakuta com seu bando. A partir daquele momento o rei passou a ter saudade do Grande Ser ; demorava-se olhando o caminho pelo qual ele veio e pensava - “Ho-je meu camarada virá.”
Bem os dois Gansos mais jovens pertencentes ao bando do Grande Ser, resolveram apostar uma corrida de vôo com o Sol. “Meus jovens,” cotejou ele, “a velocidade do sol é rápida e vocês nunca serão capazes de apostar corrida com ele. Vocês vão perecer durante o percurso portanto não vão.” Uma segunda vez eles pediram e uma terceira ; mas o Bodhisatva os conteve até a terceira vez que pediram. Mas eles teimaram não conhecendo a própria força e estavam resolvidos de, sem falar com o rei, voar até o sol. Assim, antes do sol nascer, eles tomaram seus lugares no pico do Monte Yugandhara ( n. do tr. : uma das sete grandes cordilheiras que circunda o Monte Meru ). O Grande Ser perdeu-os de vista e perguntou onde teriam ido. Quando escutou o quê tinha acontecido, pensou, “Nunca serão capazes de voar com o sol e vão perecer no percurso. Salvarei a vida deles.” Assim ele também foi para o pico do Yugandhara e sentou do lado deles. Quando o círculo do sol se apresentou acima do horizonte, os jovens Gansos levantaram-se e arremessaram-se na direção do sol ; o Grande Ser voou junto com eles. O mais novo voou na direção de antes do meio dia, e então foi ficando fraco ; nas juntas das suas asas sentiu como se um fogo tivesse sido acesso. Então fez um sinal para o Grande Ser : “Irmão, não vou conseguir !” “Nada tema,” disse o Grande Ser, “vou te salvar;” e tomando-o em suas asas abertas, o acalmou e transportou para o Monte Cittakuta e o colocou no meio dos Gansos. Partiu então novamente e alcançando o sol, voou lado a lado com o outro. Até próximo ao meio dia o outro voou junto com o sol e então ficou fraco e sentiu como se um fogo estivesse acesso nas juntas das suas asas. Fazendo um sinal para o Grande Ser, ele gritou, “Irmão, não vou conseguir !” A ele também o Grande Ser confortou do mesmo modo e tomando-o em suas asas abertas, o carregou até Cittakuta. Naquele momento o sol estava no prumo acima da cabeça. O Grande Ser pensou, “Ho-je vou testar a força do sol ;” e arremessando-se em um mergulho, pendurou-se no Yugandhara. Então com uma investida alcançou o sol e voando na frente e atrás, pensou consigo mesmo, “Para mim voar com o sol não tem nenhum ganho mas é apenas loucura : o quê ele significa para mim ? Vou até Benares, e lá, falar para meu camarada o rei uma mensagem de verdade e retidão.” Girando então, antes que o sol se movesse do meio do céu, ele atravessou todo o mundo de uma extremidade à outra ; depois diminundo a velocidade, atravessou de uma extremidade a outra, toda a Índia e chegou por fim à Benares. Toda a cidade , doze léguas de circunferência, estava como se sob a sombra do pássaro, não havendo quebra ou fresta ; diminuindo então gradativamente a velocidade, buracos e frestas apareceram. O Grande Ser indo mais devagar e descendo dos ares, pousou em frente a uma janela. “Meu camarada veio !” gritou o rei com grande alegria ; e pegando um assento dourado para o pássaro se pendurar, disse, “Venha amigo, sente aqui,” e recitou a primeira estrofe :

Venha, nobre Ganso, sente aqui ; ver você é um prazer ;
Agora você é o senhor deste lugar ; escolha o que quiseres.

O Grande Ser pendurou-se no assento dourado. O rei o ungiu debaixo das asas com unguentos refinados cem vezes, não, mil vezes, deu a ele arroz doce e água açucarada em um prato dourado e conversou com ele numa voz melíflua - “Bom amigo, vieste sozinho ; de onde estás vindo ?” O pássaro contou para ele toda a história, largamente. Disse o rei então para ele : “Amigo, mostre-me também tua velocidade contra a do sol.” - “Ó poderoso rei, esta velocidade não pode ser mostrada.” - “Então mostre algo parecido.” - “Muito bem, Ó rei, mostrarei algo parecido. Reúna seus arqueiros que podem atirar rápido como um relâmpago.” O rei mandou chamá-los. O Grande Ser escolheu quatro destes e com eles desceu do palácio para o paço. Lá fez com que erguesse no chão uma coluna de pedra e se amarrasse no seu próprio pescoço um sino. Ele então pendurou-se no topo do pilar de pedra e colocou os quatro arqueiros nos pontos cardiais a partir do pilar no centro e disse, “Ó rei, que estes quatro homens atirem quatro flechas ao mesmo tempo em quatro direções diferentes e eu apanharei estas flechas antes que toquem no chão e as colocarei aos pés dos atiradores. Você saberá quando eu tiver ido pegar as flechas, pelo tilintar deste sino mas eu não serei visto.” Então todos os homens ao mesmo tempo atiraram as quatro flechas ; ele as pegou e as colocou aos pés deles e foi visto sentando-se sobre o pilar. “Viu minha velocidade, Ó rei ?” ele perguntou ; então continuou - “esta velocidade, Ó grande rei, não é a minha mais rápida nem minha velocidade mediana, é a mais lenta das lentas : e isto mostra para você como sou rápido .” Então o rei perguntou, “Bem, amigo, há alguma velocidade mais rápida do que esta sua ?” “Há, meu amigo. Mais rápida cem vezes que a minha mais rápida, mil vezes, não, cem mil vezes, é o decaimento dos elementos da vida nos seres vivos : assim eles se desmoronam, assim se destroem.” Deste modo tornou claro, como o mundo das formas se desmorona, se desfazendo momento a momento. O rei escutando isto ficou com medo da morte, não conseguiu manter os sentidos e caiu desmaiado. A multidão se desesperou ; aspergiram água na face do rei e deram uma volta com ele. Então o Grande Ser disse, “Ó grande rei, nada tema ; mas lembre da morte. Ande retamente, faça ofertas e atos de bondade, cuide-se.” Respondendo o rei disse, “Meu senhor, sem um professor sábio como você não posso viver, não retorne para o monte Cittakuta mas fique aqui, me instrua, seja meu professor a me ensinar !” e colocou em duas estrofes seu pedido :

Escutando o amado, o amor é alimentado,
Pela vista o anseio pelo perdido, cae morto :
Já que vista e ouvido tornam as pessoas felizes e queridas,
Com a vista tua deixe-me ser favorecido.

Cara é tua voz e mais querida ainda tua presença quando a vejo :
Já então que amo te ver, Ó Ganso, more comigo !

O Bodhisatva disse :

Para sempre moraria contigo, com honra assim conferida;
Mas tu poderias dizer, bêbado, um dia – 'Assem para mim aquele Pássaro real' !

Não,” disse o rei, “então nunca tocarei em vinho nem em bebida forte,” e ele fez esta promessa na estrofe seguinte :

Amaldiçoada a comida e bebida qu'eu ame mais que a ti ;
Não provarei nem uma gota nem um gole enquanto estiveres comigo !

Após isto o Bodhisatva recitou seis estrofes :

O grito dos chacais ou dos pássaros é entendido com facilidade ;
Sim, mas a palavra dos homens, Ó rei, é muito mais escura do que a destes !

Um homem pode pensar, 'este é meu amigo, meu camarada, meu parente,'
Mas amizade vae e frequentemente ódio e inimizade começam.

Quem está em teu coração, está próximo de ti, contigo, onde quer que esteja ;
Mas quem mora contigo, e é estranho a teu coração, longe está.

Quem em tua casa for de coração gentil
É gentil ainda que do outro lado do mar :
Quem em tua casa for hostil de coração,
Hostil será como se um oceano distante.

Teus inimigos, Ó senhor de carruagens ! apesar de próximos de ti, estão distantes :
Mas, Ó cuidador de teu reino ! os bons de coração estão unidos juntos.

Quem fica muito tempo, descobre geralmente que amizade muda para inimizade ;
Então antes qu'eu perca tua amizade, peço licença e vou.

O rei então disse para ele :

Ainda que de mãos postas suplique, você não me dará ouvidos ;
Não economizaste nenhuma palavra conosco, para quem teu serviço seria caro :
Anelo um favor : volte novamente e nos visite aqui.

O Bodhisatva disse :

Se nada vier interromper nossas vidas, Ó rei ! Se você e eu
Ainda vivermos, Ó cuidador de teu povo, talvez para cá voe,
E podemos nos ver novamente, enquanto os dias e noites passam.

Com esta fala ao rei, o Grande Ser partiu para Cittakuta.

_________________

Quando o Mestre terminou seu discurso, disse : “Assim, Irmãos, muito tempo atrás, mesmo quando nasci qual um dos animais, mostrei a fragilidade de todos os elementos da vida e declarei a Verdade.” Assim falando, ele identificou o Jataka : “Naquele tempo Ānanda era o rei, Moggaallāna era o pássaro mais jovem, Sāriputra o segundo, os seguidores do Buddha eram todos os outros Gansos do bando e eu mesmo era o rápido Ganso.” 

[ n. do tr. : o pássaro pode ser imagem do fogo do sacrifício, o quê explica sua velocidade e centralidade assim como a impermanência dos elementos do mundo desenvolvida como tema. ]   

Nenhum comentário: