sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Buddha Sumedha - as dez Perfeições



Buddha Sumedha – As dez Perfeições

Tradição diz que quatro asankheyas ( uma asankheya é um período de vasta duração, lit. incalculável ) e cem mil ciclos atrás houve uma cidade chamada Amaravati. Nesta cidade morava um brahmin chamado Sumedha, de boa família em ambos os lados, do pai e da mãe, de concepções puras sete gerações para trás, de nascimento irrepreensível e respeitável, um homem gracioso, bem favorecido e amigável e dotado de beleza notável. Ele seguiu seus estudos bramânicos sem engajar-se em nenhum outro objetivo. Seus pais morreram quando ele ainda era jovem. Um ministro de estado, que atuava como administrador de suas posses, trazendo o livro de suas propriedades, abriu os cofres cheios de ouro e prata, gemas e pérolas, e outros valores e disse : “Tanto, jovem, pertenceu a tua mãe, tanto a teu pai, tanto a teus avós e bisavós,” e e apontando para ele a propriedade herdada por sete gerações, pediu-o que cuidasse dela bem. O sábio Sumedha pensou consigo mesmo : “ Após açambarcar toda esta riqueza meus pais e ancestrais quando foram para o outro mundo não levaram nenhum centavo com eles. Pode estar correto que eu deva fazer disto um objetivo, levar minha riqueza comigo quando vou embora ?” E informando ao rei sua intenção, fez com que se proclamasse tocando o tambor na cidade, doou largamente para o Povo e abraçou a vida ascética de eremita.
Para tornar isto claro a ‘História de Sumedha’ deve aqui ser relata. Esta história, apesar de estar inteira no Buddhavamsa, por ser na forma de verso, não é fácil de entender. A relatarei portanto com frases nos intervalos explicando a construção em versos.

Quatro asamkheyas e cem mil ciclos atrás havia uma cidade chamada Amaravati ou Amara, ressoando com os dez barulhos, relativo aos quais é dito no Buddhavamsa :


12. Quatro asamkheyas e cem mil ciclos atrás
Uma cidade havia chamada Amara, bela e agradável,
Ressoando com os dez barulhos, abundante em comida e bebida.
Então segue uma estrofe do Buddhavamsa enumerando alguns destes barulhos,

13. O trompetear dos elefantes, o relinchar dos cavalos, os tambores, trompetes e
carroças,
E comidas e bebidas eram gritados, com o convite ‘Coma e beba’.
Segue dizendo :

14. Uma cidade provida com todos os requisitos, engajada em todo tipo de indústria,
Possuindo as sete coisas preciosas, abarrotada com moradores de muitas raças ;
Domicílio de pessoas devotas, qual a próspera cidade dos anjos.
15. Na cidade de Amaravati morava o brahmin chamado Sumedha.
Cujo tesouro era muitas dezenas de milhões, abençoado com muita riqueza e
estoque ;
16. Estudioso, conhecedor dos Mantras, versado nos três Vedas, Mestre da ciência da
profecia e das tradições e observâncias da sua casta.

Bem um dia o sábio Sumedha, tendo se retirado para o esplêndido cômodo superior da sua casa, sentando-se com as pernas cruzadas, ficou pensando. “Oh, ‘pandito’ ( sábio ), doloroso é renascer em uma nova existência e a dissolução do corpo em cada lugar sucessivamente onde nascemos. Estou sujeito ao nascimento, decaimento, doença, morte – é correto, sendo assim, que eu lute para atingir o tranquilo grande e imortal Nirvana, o calmo, libertação do nascimento, decaimento, doença, sofrimento e alegria ; certamente deve haver uma estrada que leva ao Nirvana e liberte o ser humano do devir.” Concordemente é dito :


17. Sentado em reclusão, pensei o seguinte :
Doloroso é renascer e o decaimento do corpo.
18. Sou sujeito ao nascimento, ao decaimento, a doença,
Portanto buscarei Nirvana, imperecível, abrigo imortal.
19. Que eu deixe este corpo perecível, esta congregação pestilenta de vapores,
E parta sem desejos e sem vontades.
20. Há, há que haver um caminho, não pode não ser :
Buscarei este caminho, qu’eu possa obter livramento do devir.

Depois ele pensou assim : “Como neste mundo há prazer correlativo à dor, então onde há devir deve haver seu oposto, a cessação do devir ; e como onde há calor há também frio que o neutraliza, assim deve haver um Nirvana ( Extinção ) que extingue ( os fogos ) da luxúria e de outras paixões ; e assim como em oposição a condições ruins e más há uma boa e sem culpa, assim onde há vil nascimento deve haver também um Nirvana, chamado o não-nascimento, porque ele põe um fim a tudo que é chamado renascer.” Portanto é dito :

21. Assim como onde há sofrimento há também benção,
Assim onde há devir devemos procurar por não devir.
22. E assim como onde há calor há também frio,
Assim onde há o triplo fogo da paixão extinção deve ser buscada,
23. E assim como coexistente com o mal há também o bem,
Do mesmo modo onde há nascimento a cessação do nascimento deve ser buscada.

Novamente ele pensou assim : “Justo como uma pessoa que caiu dentro de um monte de sujeira , se ele vê longe um grande lago coberto de lótus das cinco cores, deve buscar este lago, dizendo : ‘Por que caminho chegarei lá ?’; mas se ele não o busca a falta não é do lago ; do mesmo modo onde há o lago do grande Nirvana imortal para lavar as sujeiras do pecado, se ele não for buscado não é culpa do lago. E justo como uma pessoa cercada por ladrões, se quando houver um caminho para escapar ela não escapa não é culpa do caminho mas da pessoa ; do mesmo modo quando há um caminho abençoado que leva ao Nirvana para a pessoa que está cercada e presa pelo pecado, se ele não é buscado não é falta do caminho mas da pessoa. E como uma pessoa que está oprimida por uma doença, havendo um médico que possa curar sua doença, se ela não se cura indo ao médico isto não é culpa do médico ; do mesmo modo se uma pessoa que está oprimida pela doença do pecado não busca um guia espiritual que está ao alcance e sabe o caminho que coloca um fim no pecado, a falta está na pessoa e não no professor destruidor de pecado.” Portanto é dito :

24. Como uma pessoa caída na sujeira, vendo um lago repleto,
Se ela não busca o lago a falta não é do lago ;
25. Então quando existe o lago do Nirvana quelava as sujeiras do pecado,
Se uma pessoa não busca este lago, a falta não é do lago do Nirvana.
26. Como uma pessoa cercada de inimigos, havendo um caminho de escape,
Se ela não foge, a culpa não é do caminho ;
27. Do mesmo modo quando há um caminho abençoado, se uma pessoa presa pelo
pecado
Não busca este caminho, a culpa não é do caminho abençoado.
28. E como alguém que está doente, tendo um médico acessível,
Se não cura a doença, a culpa não é do médico ;
29. Igual se uma pessoa que está doente e oprimida com a doença do pecado
Não busca o professor espiritual, a culpa não é do professor.

E novamente ele arguiu : “Como uma pessoa orgulhosa de sua bela vestimenta, jogando fora um cadáver amarrado a seus ombros, vai embora feliz, do mesmo modo devo, jogando fora este corpo perecível, e liberto de todo cuidado, entrar na cidade do Nirvana. E igual homens e mulheres depositando lixo no lixão não o guardam na dobra da roupa ou na vestimenta mas repugnando-o jogam-no fora, sentindo nenhum desejo por ele ; assim também devo jogar fora este corpo
perecível sem culpa e entrar na cidade imortal do Nirvana. Igual um marinheiro abandonando sem culpa um barco não navegável e escapando, assim também deixando este corpo que destila corroção dos seus nove orifícios inflamados, entrar sem arrependimento na cidade do Nirvana. Como uma pessoa carregando vários tipos de joias e indo pela mesma estrada que um bando de ladrões, temendo perder suas joias retira-se dela e vai para uma estrada segura ; do mesmo modo este corpo impuro é como um ladrão usurpador de joias, se coloco minhas afeições nele a joia da boa doutrina do sublime caminho da santidade se perderia para mim, portanto devo entrar na cidade do Nirvana, abandonando este corpo igual a um ladrão.” Portanto é dito :

30. Como uma pessoa pode com desprezo largar fora um cadáver amarrado
sobre seus ombros,
E, partir, segura, independente, senhora de si ;
31. Do mesmo modo que eu parta arrependido de nada, querendo nada.
Deixando este corpo perecível, esta coleção de muitos vapores sujos.
32. E igual homens e mulheres que depositam lixo no lixão,
E partem arrependidos de nada, desejando nada.
33. Igual partirei, deixando este corpo cheio de vapores sujos,
Como alguém deixa o esgoto depois de largar excrementos lá.
34. Como alguém que abandona roupa, de casca d’árvore, rasgada e despedaçada,
E parte sem arrependimento ou anseio,
35. Igual partirei, deixando este corpo com sua nove aberturas sempre correndo,
Como proprietários abandonam navios quebrados.
36. E como uma pessoa carregando mercadorias, andando co ladrões,
Vendo perigo de perder suas mercadorias, separa-se dos ladrões e vai seguro,
37. Do mesmo modo é este corpo como um ladrão poderoso, -
Largando-o partirei, temendo perder posses.

Tendo assim ponderado em nove símiles sobre as vantagens conectadas com o retirar-se do mundo, o sábio Sumedha, doou tudo em sua própria casa, como dito acima, um imenso tesouro amontoado para os indigentes, caminhantes, sofredores e manteve a casa aberta. Renunciando todos os prazeres, ambos material e sensual, partiu da cidade de Amara, largando o mundo no Himalaia fez para si um eremitério próximo da montanha chamada Dhammaka e construiu uma cabana e um claustro livres dos cinco defeitos que são impedimentos ( à meditação ). E com vistas de obter o poder tido por conhecimento sobrenatural, que é caracterizado pelas oito qualidades casuais descritas nas palavras que começam “Com a mente assim tranquilizada...” ( Samaññaphala Sutra, DN I, 76 ; 86 ), ele abraçou naquele eremitério a vida ascética de um Rishi, largando o manto com suas nove desvantagens e vestindo a roupa de casca d’árvore com suas doze vantagens. E quando ele tinha assim largado o mundo, abandonando esta cabana, cheia com os oito atrasos, ele dirigiu-se para o pé de uma árvore com suas dez vantagens e rejeitando todo tipo de grãos vivia constantemente de frutos do mato. E rigorosamente esforçando-se seja sentado, em pé ou andando, em uma semana ele tornou-se possuidor das oito consecuções e dos cinco conhecimentos sobrenaturais ; e assim, de acordo com sua intenção ele atingiu o poder do conhecimento sobrenatural. Portanto é dito :

38. Tendo assim ponderado doei muitos milhares de milhões em riqueza
para ricos e pobres e fiz meu caminho para o Himalaia.
39. Não distante no Himalaia na montanha chamada Dhammaka,
Aí fiz um excelente eremitério e construí com cuidado uma cabana de folha.
40. Lá construí para mim um claustro, livre dos cinco defeitos,
Possuidor das oito boas qualidades e atingi a força dos conhecimentos sobrenaturais.
41. Então joguei fora o manto possesso das nove faltas,
E coloquei a veste de casca d’árvore possessa de doze vantagens.
42. Deixei a cabana, repleta com os oito atrasos,
E fui para o pé d’árvore possuidor de dez vantagens.
43. Rejeitei completamente os grãos que são semeados e plantados,
E partilhei dos constantes frutos da terra, possessos de muitas vantagens.
44. Então lutei esforçadamente, sentado, de pé e andando,
E em sete dias atingi o poder dos conhecimentos.

Bem, enquanto o eremita Sumedha, tendo assim atingido a força do conhecimento sobrenatural, estando vivendo na benção das (oito ) consecuções, o Mestre Dipankara apareceu no mundo. No momento da sua concepção, do seu nascimento, do seu atingir a Buddhidade, da sua pregação do seu primeiro discurso, todo o universo dos dez mil mundo tremeu, chacoalhou e trepidou e produziu um poderoso som e as trinta e duas marcas mostraram-se. Mas o eremita Sumedha, vivendo na benção das consecuções, nem escutou este som nem viu aqueles sinais. Portanto é dito :

45. Então quando atingi a realização / consumação, enquanto estava sujeito ao ensinamento,
O Conquistador chamado Dipankara, chefe do universo, apareceu.
46. Na sua concepção, no seu nascimento, na sua Buddhidade, na sua pregação,
Não viu os quatro sinais, mergulhado no bendito transe da meditação.

Naquele tempo Dipankara Buddha, acompanhado de cem mil santos, vagava no seu caminho de um lugar para outro, alcançando a cidade de Ramma e fixando residência no grande mosteiro de Sudassana. E os moradores da cidade de Ramma escutaram isto dito : “Dipankara, senhor dos ascetas, tindo atingido Buddhidade suprema e rodando a roda do excelente Dharma ( Norma ), vagando em seu caminho de um lugar para o outro, chegou na cidade de Ramma e reside no grande mosteiro de Sudassana.” E os moradores da cidade de Ramma tomando consigo ghee e manteiga e outros requisitos medicinais e roupas e vestes e carregando perfumes e guirlandas e outras ofertas nas mãos, suas mentes inclinadas em direção ao Buddha, ao Dharma ( Doutrina ) e a Sangha, inclinados em direção a eles, pendurados neles, eles aproximaram-se do Mestre e o veneraram e presentearam com perfumes e outras ofertas, sentando do lado. E tendo escutado sua pregação da Doutrina e convidado-o para o dia seguinte, eles levantaram-se de seus assentos e partiram. E dia seguinte, tendo preparado ofertas para os pobres e tendo adornado a vila, eles foram para a estrada pela qual Buddha viria, jogando terra nos lugares que estavam gastos pela água e com isto nivelando o caminho e espalhando areia que pareciam faixas prateadas. E polvilharam arroz frito e flores e levantaram bandeiras e faixas de tecidos de cores várias e erigiram arcos de bananeiras e colunas de jarros transbordantes. Então o eremita Sumedha, elevando-se de seu eremitérios e procedendo através dos ares até que estava acima das pessoas e vendo a multidão feliz exclamou : “Qual será a razão ?” e pousando ficou de um dos lados e questionou o Povo :”Diga-me, por quê estão adornando esta estrada ?” Portanto é dito :

47. Na região dos distritos da fronteira, tendo convidado o Buddha,
Estavam arrumando a estrada, alegres de coração, pela qual ele viria.
48. Naquele momento eu deixava meu eremitério,
Farfalhando minha túnica de casca, parti pelos ares,
49. E vendo uma multidão excitada alegre e feliz,
Desci dos ares e direto perguntei a eles,
50. O Povo está excitado, alegre e feliz,
Para quem a estrada está sendo arrumada, o caminho, quem está vindo ?

E as pessoas responderam : “Venerável Sumeddha, não sabes ? Dipankara Buddha, tendo atingido o conhecimento supremo e rolado a roda da gloriosa Doutrina, viajando de um lugar para outro, alcançou nossa cidade e mora no grande mosteiro de Sudassana ; convidamos o abençoado e estamos aprontando a estrada para o Buddha abençoado pela qual ele vem.” E o eremita Sumedha pensou : “O barulho mesmo da palavra Buddha é raro de se encontrar no mundo muito mais o aparecimento real de um Buddha ; devo me juntar a estas pessoas que estão arrumando a estrada.” Disse portanto aos homens : “Se vocês estão arrumando esta estrada para o Buddha designem-me um pedaço de chão, arrumarei a estrada junto com vocês.” Eles consentiram, dizendo : “Está bem” ; e percebendo que o eremita Sumedha era possuidor de poder sobrenatural, eles indicaram um pedaço pantanoso de chão e o designaram par ele dizendo: “Você prepare este chão.” Sumedha, com o coração cheio de alegria da qual o Buddha era a causa, pensou consigo mesmo : “Sou capaz de preparar este pedaço de chão com poder sobrenatural mas se for assim preparado não me dará satisfação nenhuma ; este dia cabe a mim realizar tarefas servis” ; e arranjando terra ele a colocava no local.
Mas antes que o chão estivesse pronto por ele – com um cortejo de uma centena de milhar de santos taumatúrgicos dotados com os seis conhecimentos sobrenaturais, enquanto deuses / devas ofereciam guirlandas e perfumes celestes, enquanto hinos celestiais soavam e pessoas prestavam homenagens com perfumes terrestres e com flores e outras ofertas, Dipankara dotado com as dez Forças, com
toda a transcendente majestade de um Buddha, como um leão levantando-se para buscar sua presa na planície Vermelha, surgiu na estrada, tudo adornado e preparado para ele. Então o eremita Sumedha – quando o Buddha com olhos firmes aproximou-se da estrada preparada para ele, vendo aquela forma dotada com a perfeição da beleza, adornada com as trinta e duas marcas de um homem superior e marcado com as oitenta belezas menores, atendido por um halo de uma braça profundo, e emitindo correntes de raios de seis cores de Buddha, juntos em pares de diferentes cores e envolvido como as luzes várias que brilham na calota celeste, salpicada de gemas – exclamou : “ Neste dia cabe a mim sacrificar minha vida pelo Buddha : que o abençoado não pisa na lama – não, que ele avance com seus quatrocentos mil santos pisando em meu corpo como se andando numa ponte de pranchas ajoialhadas, este gesto será por muito tempo por meu bem e minha felicidade.” Assim dizendo, ele soltou o cabelo e espalhando na lama suja seu manto de de pele, cabelo emaranhado, manto de casca, de eremita, ele deitou na lama como uma ponte de pranchas joias. Portanto é dito :

51. Questionados por mim eles responderam : Um Buddha incomparável nasceu no mundo,
O Conquistador chamado Dipankara, senhor do universo,
Para ele a estrada é arrumada, o caminho, que ele está vindo.
52. Quando escutei o nome de Buddha alegria brotou e espalhou-se dentro de mim,
Repetindo, um Buddha, um Buddha ! Expressei pronunciando minha alegria.
53. Em pé lá ponderei, alegre e excitado,
Aqui semearei a semente, que o feliz momento não escape !
54. Se vocês arrumam a estrada para o Buddha, designem-me um lugar,
Também arrumarei a estrada, o caminho, em que ele está vindo.
55. Então me deram um pedaço de chão para arrumar no caminho ;
Então repetindo comigo, um Buddha, um Buddha ! arrumei a estrada.
56. Mas antes da minha parte está pronta, Dipankara o grande sábio,
O Conquistador, apareceu no caminho com quatrocentos mil santos iguais a ele,
Possuidor dos seis conhecimentos superiores, puro de todo pecado.
57. De todos os lados as pessoas se levantaram para recebê-lo, muitos tambores tocaram,
Pessoas e espíritos cheios de alegria aplaudiam.
58. Devas olhando por cima das pessoas, pessoas por cima de devas,
E ambos com as mãos juntas elevadas aproximavam-se “daquele que assim vem.”
59. Devas com música deva, pessoas com músicas terrenas,,
Ambos emitindo seus versos aproximando-se “aquele que assim vem”.
60. Devas flutuando no ar polvilhavam em todas as direções
Flores Erythrina do mundo deva,Lótus e flor coral.
61. Pessoas em pé no chão atiravam para cima em todas as direções
Flores Champac e Salala, Cadamba e a fragante Mesua, Punnaga e Ketaka.
62. Então soltei meu cabelo e espalhando na lama
Manto de pele e manto de casca, deitei pronado de bruços.
63. Que o Buddha avance com seus discípulos, pisando em mim ;
Que ele não pise na lama, me será uma benção.

E enquanto estava na lama, novamente olhando o majestoso Buddha Dipankara com seu olhar firme, ele pensou como segue : “S’eu quisesse poderia entrar na cidade de Ramma como noviço no sacerdócio, após destruir todas as paixões humanas ; mas porque deveria me disfarçar para atingir Nirvana após a destruição das paixões humanas ? Antes, como Dipankara, tendo-me elevado até o supremo conhecimento da Doutrina, habilite a humanidade a entrar no Barco da Doutrina e assim atravessá-los pelo Oceano do Devir e após isto feito atingir o Nirvana ; isto é exatamente o que devo fazer.” Então tendo enumerado as oito condições ( necessárias para atingir Buddhidade ) e tendo feito a resolução de tornar-se Buddha, ele deitou-se no chão. Portanto é dito :

64. Enquanto jazia no chão este era meu pensamento de meu coração.
Se desejasse isto poderia neste dia destruir dentro de mim todas as paixões
humanas.
65. Mas por que deveria disfarçado chegar ao conhecimento da Verdade ?
Atingirei onisciência e me tornarei um Buddha e salvarei pessoas e devas.
66. Por que atravessar o oceano resoluto mas sozinho ?
Atingirei onisciência e habilitarei pessoas e devas a atravessar.
67. Por esta resolução minha, eu uma pessoa de resolução
Atingirei onisciência e salvarei muita gente.
68. Cortando fora a corrente da transmigração, aniquilando as três formas de renascer,
Embarcando no barco da Norma, atravessarei comigo pessoas e devas.

E a abençoado Dipankara tendo alcançado o lugar permaneceu próximo à cabeça do eremita Sumedha. E abrindo seus olhos possessos dos cinco tipos de graça como alguém abre uma janela joia e contemplando o eremita Sumedha deitado na lama, pensou consigo mesmo : “Este eremita que jaz aqui formou a resolução de tornar-se um Buddha ; seu desejo realizar-se-á ou não ?” E projetando seu olhar presciente no futuro e considerando ele percebeu que quatro asankheyas e cem mil ciclos depois ele tronar-se-ia um Buddha chamado Gotama. E em pé lá no meio da assembleia ele soltou esta profecia, “Vocês veem este asceta austero deitado na lama ?” “Sim, senhor,” eles responderam. “Este homem deitado aí tendo tomado a resolução de tornar-se um Buddha, seu desejo será atendido ; e no final de quatro asankheyas e de cem mil ciclos a partir de agora ele se tornará um Buddha chamado Gotama, e no seu nascimento a cidade de Kapilavasthu será sua residência, rainha Maya será sua mãe, rei Suddhodana seupai, seu discípulo chefe será o thera Upatissa, seu segundo discípulo o thera Kolita, o ajudante do Buddha será Ananda, sua discípula chefe será monja Khema, a segunda discípula chefe será monja Uppalavanna. Quando atingir a idade do conhecimento maduro, tendo-se retirado do mundo e feito um grande esforço, tendo recebido ao pé d’árvore banian uma refeição de mingau de arroz e a partilhado às margens do rio Neranjara, tendo subido ao assento d’árvore bo, ele, ao pé da figueira, atingirá Suprema Buddhidade. Portanto é dito :

70. Dipankara, conhecedor dos mundos, receptor de ofertas,
Em pé próximo a minha cabeça, falou estas palavras :
71. Vocês veem este mesmo eremita austero com seu cabelo emaranhado,
Daqui a idades incontáveis ele será um Buddha neste mundo.
72. Vejam, “aquele que assim vem” deixando a agradável Kapila,
Tendo feito o grande esforço, realizado todo tipo de austeridades.
73. Tendo sentado ao pé da árvore Ajapala e lá comido mingau de arroz,
Se aproximará do rio Neranjara.
74. Tendo recebido mingau de arroz às margens do Neranjara, o Conquistador
Deve seguir pelo belo caminho preparado para ele ao pé d’árvore Bodhi.
75. Então, glorioso e incomparável, reverencialmente saudando o assento Bodhi,
Ao pé da figueira ele despertará ( bujjhissati ).
76. A mãe que o carregará se chamará Maya,
Seu pai será Suddhodana, ele mesmo será Gotama.
77. Seus discípulos principais serão Upatissa e Kolita,
Homens saudáveis e imunes, livres de paixões, de mente e intenção calmas.
78. O servidor Ananda ajudará o Conquistador,
Khema e Uppalavanna serão sua mulheres chefas de discípulas,
79. Mulheres sãs e imunes, livres de paixões, de mente e intenção calmas.
Àrvore Bodhi deste Buddha é conhecida como a Assattha.

O eremita Sumedha, exclamando : “Meu desejo, parece, será realizado”, se encheu de felicidade. As multidões, escutando as palavras de Dipankara Buddha, ficaram felizes e deliciadas, exclamando : “O eremita Sumedha, parece, é um broto de Buddha, semente de Buddha !” Por isto eles pensaram : “Como uma pessoa atravessando um rio, se ela é incapaz de atravessar para a margem oposta a ela, atravessa numa passagem mais embaixo no rio, do mesmo modo nós, se sob a dispensação do Dipankara Buddha falhamos em atingir os Caminhos e sua fruição, ainda assim quando tu te tornares Buddha devemos ser capazes em tua presença de tornar os Caminhos e sua fruição também nossos.” - então eles recordaram seus desejos ( para futura santificação ). E Dipankara Buddha tendo também louvado o Bodhisatva e feito ofertas para ele de oito mancheias de flores reverencialmente saudando-o partiu. E os Arahants também, quatrocentos mil em número, tendo feito ofertas de perfumes e guirlandas ao Bodhisatva reverencialmente o saudaram e partiram. E os devas e as pessoas tendo feito as mesmas ofertas cumprimentaram-no e seguiram seu caminho.
E o Bodhisatva, quando todos tinham se retirado, levantando-se do sua cadeira e exclamando : “Estudarei as Perfeições”, sentou-se de pernas cruzadas em um monte de flores. E enquanto o Bodhisatva estava sentado assim, os devas em todos os dez mil mundos reuniram-se aplaudindo gritando. “Venerável eremita Sumedha”, eles disseram, “todos os preságios que se manifestaram quando Bodhisatvas anteriores sentaram-se de pernas cruzadas, dizendo : ‘Estudaremos as Perfeições’ - todos eles neste dia apareceram : certamente tornar-te-ás Buddha. Disso sabemos : para quem estes preságios aparecem, ele certamente tornar-se-á Buddha ; faças um esforço vigoroso e empenhe-se.” Com estas palavras eles louvaram o Bodhisatva com vários encômios. Portanto é dito :

80. Escutando estas palavras do incomparável Sábio,
Devas e gentes deliciados exclamaram, Este é semente broto de Buddha !
81. Um grande clamor se levantou, pessoas e devas nos dez mil mundos
Bateram palmas e riram e prestaram obediência com as mãos juntas.
82. “Se falharmos”, eles disseram, “nesta dispensação de Buddha
Ainda assim em tempos que virão estaremos diante dele.
83. Como pessoas que atravessando um rio, se falham em alcançar
a margem oposta
Descem para uma passagem mais embaixo no rio,
84. Do mesmo modo nós todos, se perdemos este Buddha,
Em tempos que virão estaremos diante dele.”
85. O mundialmente conhecido Dipankara, recebedor de ofertas,
Tendo celebrado minha ação, seguiu seu caminho.
86. Todos seus discípulos do Buddha que estavam presentes
saudaram-me com reverência,
Pessoas, Nagas e Gandharvas inclinaram-se para mim e partiram.
87. Quando o Senhor do mundo com seus seguidores saíram da minha vista,
Então feliz, com coração repleto de alegria, levantei-me do meu assento.
88. Estou satisfeito de felicidade, contente com grande contentamento ;
Inundado de rapto então sentei de pernas cruzadas.
89. E assim sentado pensei comigo mesmo,
Sou treinado em Jhana, sou mestre dos conhecimentos sobrenaturais.
90. Em mil mundos não há sábios que rivalizam comigo,
Inigualável em poderes taumatúrgicos, alcancei esta benção.
91. Quando então me viram sentado, os moradores dos dez mil mundos
Deram um grande grito : Verdadeiramente serás um Buddha !
92. Os preságios contemplados em idades anteriores quando Bodhisatvas
sentavam de pernas cruzadas.
Os mesmos são vistos neste dia.
93. Frio é afastado e calor cessa,
Neste dia estas coisas são vistas, - verdadeiramente serás Buddha.
94. Mil mundos tranquilizam-se e silenciam.
Isto se vê ho-je, - verdadeiramente serás Buddha.
95. O vento poderoso não sopra, o rio para de correr,
Estas coisas são vistas ho-je, - verdadeiramente serás Buddha.
96. Todas as flores se abrem na terra e no mar.
Neste dia elas todas abriram – verdadeiramente serás Buddha.
97. Todas as trepadeiras e árvores estão carregadas de frutos,
Neste dia todas carregaram de frutas – verdadeiramente serás Buddha.
98. Gemas brilham na terra e no céu,
Neste dia todas as gemas realmente brilham – verdadeiramente serás Buddha.
99. Música terrena e música deva,
Ambas ho-je emitem seus sons – verdadeiramente serás Buddha.
100. Flores de todas as cores choveram do céu,
Neste dia foram vistas – verdadeiramente serás Buddha.
101. O poderoso oceano inclina-se, dez mil mundos são sacudidos,
Neste dia ambos enviaram seus rugidos – verdadeiramente serás Buddha.
102. No inferno os fogos de dez mil mundos apagaram,
Neste dia estes fogos são temperados – verdadeiramente serás Buddha.
103. Sol sem nuvens e todas as estrelas são vistas,
Estas coisas são vistas ho-je – verdadeiramente serás Buddha.
104. Apesar de nenhuma chuva cair, água brota da terra,
Neste dia ela brotou da terra – verdadeiramente serás Buddha.
105. As constelações estão todas brilhando e as casas lunares na abóbada celeste,
Visakha está em conjunção com a lua – verdadeiramente serás Buddha.
106. Aquelas criaturas que moram em covas e buracos saíram todas das tocas,
Neste dia as tocas foram abandonadas – verdadeiramente serás Buddha.
107. Não há ninguém descontente entre os mortais mas estão cheios de
contentamento,
Neste dia estão todos contentes – verdadeiramente serás Buddha.
108. Então as doenças foram dispersas e a fome cessou,
Neste dia estas coisas foram vistas – verdadeiramente serás Buddha.
109. Então Luxúria acabou-se, Aversão e Ignorância pereceram,
Neste dia todos estes foram dispersos – verdadeiramente.
110. Nenhum perigo então se aproxima ; neste dia isto é visto,
Por este sinal sabemos – verdadeiramente serás Buddha.
111. Nenhuma poeira nos ares ; neste dia isto é visto,
Por este sinal sabemos, verdadeiramente serás Buddha.
112. Todo odor fedorento afugentou-se, divina fragrância sopra ao redor,
Tal fragrância sopra neste dia – verdadeiramente serás Buddha.
113. Todos os devas se manifestaram, exceto o Sem Forma,
Neste dia foram todos vistos – verdadeiramente serás Buddha.
114. Todos os infernos tornaram-se visíveis,
Neste dia são todos vistos -verdadeiramente serás Buddha.
115. Então paredes e portas e rochas não são impedimentos,
Neste dia elas se derreteram no espaço – verdadeiramente serás Buddha.
116. Naquele momento morte e nascimento não aconteceram,
Neste dia estas coisas foram vistas – verdadeiramente serás Buddha.
117. Tu esforças-te vigorosamente, não te detenhas, avance,
Isto sabemos – verdadeiramente serás Buddha.

E o Bodhisatva, tendo escutado as palavras de Dipankara Buddha e dos devas em dez mil mundos cheio de vigor abundante, pensou consigo mesmo : “Os Buddhas são seres cuja palavra não falha ; não há desvio da verdade em suas palavras. Pois como a queda de um torrão de terra atirado para cima, como a morte do mortal, como o Sol se levanta na aurora, como um leão rugindo quando sai do covil, como o parto de uma mulher grávida, como todas estas coisas são certas e seguras – do mesmo modo a palavra dos Buddhas é certa é não pode falhar, verdadeiramente serei Buddha.” Portanto é dito :

118. Tendo escutado as palavras de Buddha e dos devas dos dez mil mundos,
Feliz, contente, deliciado, pensei então comigo mesmo ;
119. Os Buddhas não falam palavras dúbias, os Conquistadores não falam palavras vãs.
Não há falsidade nos Buddhas – verdadeiramente serei Buddha.
120. Qual torrão jogado no ar que certamente cairá no chão,
Do mesmo modo a palavra dos gloriosos Buddhas é certa e perene.
121. Qual a morte de todo os mortais que é certa e constante,
Igual a palavra dos gloriosos Buddhas é certa e perene.
122. Qual o Sol que eleva-se certo quando a noite acaba,
Igual a palavra dos gloriosos Buddhas é certa e perene.
123. Qual o rugido do leão que quando deixa seu covil é certo,
Igual a palavra dos gloriosos Buddhas é certa e perene.
124. Qual o parto das mulheres grávidas é certo,
Igual a palavra dos gloriosos Buddhas é certa e perene.

E tendo feito assim a resolução : “Tornar-me-ei certamente Budddha” , tendo em vista a consideração das condições que constituem um Buddha, exclamando : “Onde estão as condições que fazem um Buddha, elas são encontradas acima ou abaixo, no princípio ou nas direções menores ?” estudando sucessivamente os princípios de todas as coisas e contemplando a primeira Perfeição do Doar, praticada e seguida pelos Bodhisatvas anteriores, ele então admoestou a si mesmo : “Sábio Sumedha, de agora em diante tu deves consumar a perfeição do Doar ; pois como um jarro d’água virado descarrega àgua de modo que nada sobra, e não se pode recobrá-la, assim mesmo se tu, indiferente à riqueza e fama, e esposa e filhos, e bens pequenos e grandes, doando tudo para quem venha e peça por alguma coisa até que nada permaneça, tu te sentarás no pé d’árvore Bodhi e tornar-te-ás um Buddha.” Com estas palavras ele esforçou-se vigorosamente em atingir a primeira perfeição do Doar. Portanto é dito :

125. Vamos, pesquisarei as condições que fazem um Buddha,
neste lado e naquele,
Acima e abaixo, em todas as dez direções,
em que os princípios das coisas se estende.
126. Então, enquanto fazia a pesquisa, contemplei a primeira perfeição do Doar.
A estrada elevada seguida por sábios anteriores.
127. Tu vigorosamente tomando-a sobre ti mesmo avance
Para esta primeira perfeição : Doar, se tu queres atingir Buddhidade.
128. Qual jarro d’água transbordando, virado por alguém,
Despeja inteiramente toda água, e não retem nenhuma dentro,
129. Igual, quando você vê alguém que pede, grande, pequeno e médio,
Tu, doe tudo em esmolas, como o jarro d’água virado.

Considerando em seguida : “Deve haver além desta, outras condições que fazem um Buddha” e contemplando a segunda Perfeição : Prática Moral, ele pensou assim : “Ó sábio Sumedha, de agora em diante possas consumar a perfeição da Moralidade ; pois como o boi yak, sem cuidar da própria vida, guarda sua basta cauda, do mesmo modo serás Buddha se de agora em diante sem cuidar da vida tu manténs os preceitos morais.” e ele vigorosamente resolveu atingir a segunda perfeição, Prática Moral. Portanto é dito :

130. As condições de um Buddha não podem ser em verdade tão poucas,
Estudarei as outras condições que tornam madura a Buddhidade.
131. Então estudando contemplei a segunda Perfeição da Moralidade
Praticada e seguida por sábios anteriores.
132. Esta segunda tu empreendes vigorosamente,
E alcances a perfeição Moral Prática se queres atingir Buddhidade.
133. Qual o boi yak quando sua cauda embaraça-se completamente,
Lá e então espera a morte sem querer machucá-la,
134. Igual faças tu, tendo consumado os preceitos morais nos quatro estágios,
Sempre guarde Sila como o yak guarda sua cauda.

Mas considerando ainda : “Estas não podem ser as únicas condições que fazem um Buddha”, e contemplando a terceira Perfeição da Auto-Abnegação, ele pensou assim : “Ó sábio Sumedha, possas tu de agora em diante consumar a perfeição da Abnegação ; pois como uma pessoa, longo tempo habitante de um prisão não sente nenhum amor por ela mas está descontente e não deseja mais viver lá, igual você, assemelhando todos os nascimentos a uma prisão, descontente com todos os nascimentos e ansioso para livrar-se deles, coloca seu rosto em direção à Abnegação, assim te tornarás Buddha.” E ele vigorosamente tomou a resolução de atingir a terceira Perfeição da Auto-Abnegação. Portanto é dito :

135. Pois as condições que fazem um Buddha não podem ser tão poucas,
Estudarei outras condições que tragam maturidade à Buddhidade.
136. Estudando-as contemplei a terceira Perfeição, Abnegação
Praticada e seguida por sábios anteriores.
137. Esta terceira tu empreendas esforçadamente,
E alcances a perfeição da abnegação, se queres atingir Buddhidade.
138. Como uma pessoa por longo tempo habitante da cadeia,
oprimido por sofrimento,
Não sente prazer nela mas antes anela libertação,
139. Do mesmo modo consideres todos nascimentos como prisões,
Coloque tua face em direção a auto-abnegação, para obter
livramento do devir.

Mas considerando ainda : “Estas não podem ser as únicas condições que fazem um Budddha” e contemplando a quarta Perfeição da Sabedoria, ele pensou assim : “Ó sábio Sumedha, tu de agora em diante consuma a Perfeição da Sabedoria, não evitando nenhum assunto de conhecimento, grande, pequeno ou médio, tu te aproximes de todos as pessoas sábias e pergunte-lhes questões ; pois como o monge mendicante em suas coletas de ofertas, não evite nenhuma família, grande e pequena, que ele frequenta e vagando em coleta de ofertas de um lugar para outro, velozmente consegue comida para sustentá-lo, igual tu, aproximando-se de todos os sábios e perguntando questões, tornar-te-ás Buddha.” E ele vigorosamente resolveu atingir a quarta Perfeição, Sabedoria. Portanto é dito :

140. Pois as condições que fazem um Buddha não podem ser tão poucas,
Estudarei outras condições que tragam maturidade à Buddhidade.
141. Estudando-as contemplei a quarta Perfeição, Sabedoria
Praticada e seguida por sábios anteriores.
142. Esta quarta tu empreendas esforçadamente,
E alcances a Perfeição da Sabedoria, se queres atingir Buddhidade.
143. Qual um monge em suas rondas de coleta não evita nenhuma famílias,
Seja pequena, grande ou média e assim obtém subsistência,
144. Tu igual, constantemente questionando as pessoas sábias,
E alcançando a Perfeição da Sabedoria, atingirás Buddhidade suprema.

Mas considerando ainda : “Estas não podem ser as únicas condições que fazem um Buddha” e contemplando a quinta Perfeição do Esforço, ele pensou assim : “Ó sábio Sumedha, esforce-se de agora em diante para consumar a Perfeição do Esforço. Qual leão, o rei das bestas, em todas as posturas, ações, esforça-se vigorosamente, tu igual em todos os nascimentos e em todos teus atos esforce-se vigorosamente, não qual lagarto, tornar-te-ás Buddha.” E ele fez a firme resolução de atingir a quinta Perfeição do Esforço. Portanto é dito :

145. Pois as condições que fazem um Buddha não podem ser tão poucas,
Estudarei outras condições que tragam maturidade à Buddhidade.
146. Estudando-as contemplei a quinta Perfeição, Esforço
Praticada e seguida por sábios anteriores.
147. Esta quinta tu empreendas esforçadamente,
E alcances a perfeição do Esforço, se queres atingir Buddhidade.
148. Qual leão, rei das bestas, sentado, em pé e andando
Não é nenhum lagarto mas sempre de coração resoluto,
149. Tu igual, em toda existência esforça-te vigorosamente,
E alcançando a Perfeição Esforço, atingirás a suprema Buddhidade.

Mas considerando ainda : “Estas não podem ser as únicas condições que fazem um Buddha” e contemplando a sexta Perfeição da Paciência, ele pensou consigo mesmo : “Ó sábio Sumedha, tu de agora em diante consuma a Perfeição da Paciência ; sejas paciente no louvor e na reprovação. Como quando as pessoas jogam lixo na terra, a terra não sente nem desejo nem repulsão em relação a elas mas as sofre, suporta, consente, do mesmo modo tu também se fores paciente no louvor e na reprovação tornar-te-ás um Buddha.” E ele resolveu vigorosamente atingir a sexta Perfeição, Paciência. Portanto é dito :

150. Pois as condições que fazem um Buddha não podem ser tão poucas,
Estudarei outras condições que tragam maturidade à Buddhidade.
151. Estudando-as contemplei a sexta Perfeição, Paciência
Praticada e seguida por sábios anteriores.
152. Esta sexta tu empreendas esforçadamente,
E alcances a perfeição da Paciência, se queres atingir Buddhidade.
153. Como a terra suporta tudo que é jogado nela
Sejam coisas puras ou impuras e não sentem nem raiva nem pena,
154. Do mesmo modo suportando louvores e reprovações das pessoas,
Indo para a perfeita Paciência, atingirás suprema Buddhidade.

Mas considerando ainda : “Estas não podem ser as únicas condições que fazem um Buddha” e contemplando a sétima Perfeição da Verdade, ele pensou consigo mesmo : “ Ó sábio Sumedha, de agora em diante consuma a perfeição da Verdade ; ainda que um raio desça na tua cabeça, nunca sob a influência do desejo ou de outro modo, pronuncies um mentira consciente, para conseguir bens ou qualquer outra coisa. Como o planeta Vênus em todas as estações segue seu próprio curso, não seguindo o curso de outros abandonando o seu, assim mesmo, se não abandonares a verdade e não pronunciares nenhuma mentira, tornar-te-ás Buddha.” E ele vigorosamente virou sua mente para a sétima Perfeição, Verdade. Portanto é dito :

155. Pois estas não são todas as condições um Buddha,
Estudarei outras condições que tragam Buddhidade.
156. Estudando-as contemplei a sétima Perfeição da Verdade
Praticada e seguida por sábios anteriores.
157. Tendo esforçadamente tomado sobre si está sétima perfeição,
Então livre-se da palavra dúbia e atingirás Buddhidade suprema.
158. Como o planeta Vênus, balança em seus tempos e estações,
No mundo das pessoas e dos devas, não sai do seu caminho,
159. Do mesmo modo tu não afaste-se do curso da verdade,
Avançando para a perfeição da Verdade, atingirás suprema Buddhidade.

Mais considerando ainda : “Estas não podem ser as únicas condições que fazem um Buddha” e contemplando a oitava Perfeição da Resolução, ele pensou assim consigo mesmo : “Ó sábio Sumedha, tu de agora em diante consuma aperfeição da Resolução ; o que quer que resolvas sejas inabalável na resolução. Pois como uma montanha, o vento batendo nela em todas as direções, não treme, não move, mas permanece no seu lugar, do mesmo modo tu se não te desviares da tua resolução tornar-te-ás Buddha.” E ele resolveu vigorosamente atingir a oitava Perfeição, Resolução. Portanto é dito :

160. Pois estas não são todas as condições de um Buddha,
Estudarei outras condições que tragam Buddhidade.
161. Estudando-as contemplei a oitava Perfeição, Resolução
Praticada e seguida por Buddhas anteriores.
162. Resolutamente tome sobre si esta oitava perfeição.
Então tu sendo imóvel atingirás suprema Buddhidade.
163. Como a montanha rochosa, imóvel, de bases firmes,
Não chacoalha com muitos ventos e permanece no seu lugar,
164. Do mesmo modo tu permaneças sempre imóvel na resolução,
Avançando na perfeição da Resolução, atingirás suprema Buddhidade.

Mais considerando ainda : “Estas não podem ser s únicas condições que fazem um Buddha” e contemplando a nona Perfeição do Amor Bondade ele pensou consigo mesmo : “Ó sábio Sumedha, tu de agora em diante consuma a perfeição do Amor Bondade, que tu possas ser de mente una em relação a amigos e inimigos. E qual água que preenche com seu frio refrescante a pessoas boas e más igualmente, do mesmo modo, se tu for de mente una com sentimentos de amizade para todos os mortais tornar-te-ás Buddha.” E ele vigorosamente resolveu atingir a nona Perfeição do Amor Bondade. Portanto é dito :

165. Pois estas não são todas as condições de um Buddha,
Estudarei outras condições que tragam Buddhidade.
166. Estudando-as contemplei a nona Perfeição, Amor Bondade
Praticada e seguida por Buddhas anteriores.
167. Resolutamente tome sobre si esta nona perfeição.
Tornando-te sem rival em gentileza, se queres tornar-te Buddha.
168. E qual àgua que enche com seu frio
Pessoas boas e más igualmente e leva toda impureza,
169. Igual tu, olhes com amizade igualmente o bom e o mau.
Avançando na perfeição do amor Bondade, atingirás suprema Buddhidade.

Mas considerando ainda : “Estas não podem ser as únicas condições que fazem um Buddha” e contemplando a décima Perfeição : Equanimidade, ele pensou consigo mesmo : “Ó sábio Sumedha, a partir de agora consuma a perfeição da Equanimidade, estejas com a mente igual na prosperidade e na adversidade. E como a terra é indiferente quando coisas puras ou impuras são jogadas nela, do mesmo modo, se fores indiferente na prosperidade e na adversidade, tornar-te-ás Buddha.” E ele resolveu vigorosamente atingir a décima Perfeição, Equanimidade. Portanto é dito :

170. Pois estas não são todas as condições de um Buddha,
Estudarei outras condições que tragam Buddhidade.
171. Estudando-as contemplei a décima Perfeição : Equanimidade
Praticada e seguida por Buddhas anteriores.
172. Se tomares resolutamente sobre ti esta décima perfeição,
Tornando-te bem equilibrado e firme, atingirás suprema Buddhidade.
173. Como a terra é indiferente às coisas puras e impuras que jogam sobre ela,
Com ambos semelhantemente e é livre de raiva e louvor,
174. Do mesmo modo tu sempre sejas bem equilibrado na alegria e na tristeza,
Avançando para a perfeição, Equanimidade, atingirás Buddhidade suprema.

Então ele pensou : “Estas são as únicas condições neste mundo que trazendo Buddhidade à perfeição e constituindo um Buddha, devem ser consumadas pelos Bodhisatvas ; além das dez Perfeições não há outras. E estas dez Perfeições não estão nem no céu acima nem na terra abaixo, nem se encontram no leste ou nos outros pontos cardiais mas reside no meu coração de carne.” Tendo então entendido que as perfeições estavam estabelecidas no coração, tendo vigorosamente resolvido mantê-las todas, pegando-as novamente e repetidamente, ele as dominou da primeira até a última e vice versa ; tomando-as pela última seguiu para a primeira, pegando-as pela primeira colocou-as como última, pegando pelo meio segui-as para as duas extremidades, pegando-as pela extremidade, segui-as até o meio. Repetindo : “As Perfeições são o sacrifício dos membros, as Perfeições Menores são o sacrifício da propriedade, as perfeições Ilimitadas são o sacrifício da vida” ele dominou-as como as Perfeições, as Perfeições Menores e a Perfeições Ilimitadas – como alguém que converte dois tipos de óleos em um único, ou como alguém que, usando Monte Meru como pilão batesse o grande oceano Chakkavala ( como almofariz ). E enquanto ele compreendia novamente e de novo as dez Perfeiçoes, pelo brilho de sua piedade ( dharma ), esta terra, oitocentas mil léguas de largura, como uma moita de caniços pisada por um elefante, ou um moinho de cana de açúcar em movimento, proferindo um poderoso rugido, tremeu, chacoalhou e trepidou e girou ao redor como a roda do leiro ou a roda do moinho de óleo. Portanto é dito :

175. Estas são todas as condições no mundo que levam Buddhidade à perfeição ;
Além destas não há outras, nelas persevere.
176. Enquanto ele compreendia estas condições naturais e intrínsecas,
Pelo poder da sua piedade a terra de dez mil mundos estremeceu.
177. A terra balançou e rugiu como um moinho de açúcar trabalhando,
Como uma roda de moinho de óleo assim chacoalhou a terra.

E enquanto a terra estava tremendo o Povo de Ramma, incapaz de suportá-lo, qual as grandes árvores Sal, reviradas pelo vento que sopra no fim de um ciclo, cae desfalecido cá e lá, enquanto jarros e outros vasos, revolvendo como um jarro na roda de oleiro, batem um contra o outro e quebram no chão em pedaços. A multidão temendo e tremendo aproximando do Mestre ( Dipankara ) disse : “Diga-nos, Abençoado, esta agitação é causada pelos Nagas, ou por outros demônios, ou ogros, ou por devas ? - pois isto não sabemos mas verdadeiramente esta multidão toda está tristemente aflita. Prega este portento bem ou mal ao mundo ? Diga-nos a causa dele.” O Mestre escutando as palavras deles disse : “Não temam nem se preocupem, não advém nenhum perigo para vocês disso. O sábio Sumedha, relativo a quem predisse neste dia : ‘No futuro ele será um Buddha chamado Gotama’, está agora entendendo as Perfeições e enquanto ele as entende e as gira ao redor pelo poder de sua piedade todo os dez mil mundos concordemente troveja e estremece.” Portanto é dito :

178. Toda a multidão que estava lá atendendo o Buddha,
Tremendo, caíam desfalecidas lá no chão.
179. Milhares de jarros d’água e muitas centenas de potes
Foram quebrados e esmagados lá batendo uns contra os outros.
180. Excitados, temerosos, aterrorizados, confusos, seus sentidos desordenados,
As multidões reunidas, se aproximaram do Buddha.
181. Dia, será bom ou mal para o mundo ?
Todos estão aflitos, evite este perigo, tu Vidente !
182. Então o grande Sábio Dipankara dirigiu-se a eles,
Tenham confiança, não fiquem com medo deste terremoto :
183. Aquele de quem previ neste dia, que será um Buddha neste mundo,
A lei do passado é a mesma seguida pelos Conquistadores.
184. Portanto enquanto ele está ponderando inteiramente a norma,
o trabalho básico de um Buddha,
Esta terra décupla de pessoas e de devas é sacudida.

Então o Povo escutando as palavras de Buddha, feliz e deliciado, tomando consigo guirlandas, perfumes e unguentos, deixou a cidade de Ramma e foi até o Bodhisatva. E tendo oferecido suas flores e outros presentes, e inclinado-se diante dele e respeitosamente saudá-lo, eles retornaram para a cidade de Ramma. E o Bodhisatva, tendo feito um esforço de resolução vigoroso, levantou-se do assento em que sentava. Portanto é dito :

185. Tendo escutado a palavra do Buddha, suas mentes acalmaram direto,
Todas as pessoas aproximaram-se novamente de mim e prestaram suas
homenagens.
186. Tendo tomado sobre mim as Perfeições de um Buddha,
tendo feito firme minha resolução,
Tendo inclinado para Dipankara, levanto-me do meu assento.

E enquanto o Bodhisatva levantava-se de seu assento, os devas em todos os dez mil mundos tendo-se reunidos, ofereceram-lhe guirlandas e perfumes, pronunciaram estas e outras palavras de louvor e benção : “Venerável eremita Sumedha, neste dia tu fizeste uma poderosa resolução aos pés de Dipankara Buddha, possas tu consumá-la sem estorvo nem obstáculo : nada tema e não desfaleça, que nem a menor doença visite tua construção, rapidamente exercite as Perfeições e atinja suprema Buddhidade. Como as flores e as árvores frutíferas fazem brotar flores e frutos nas estações, do mesmo modo tu também, sem deixar a estação certa passar, rapidamente atinja a suprema iluminação,” e assim falando, eles retornaram cada um para sua casa-deva. Então o Bodhisatva, tendo recebido a homenagem dos devas, fez um esforço de resolução vigoroso, dizendo : “Tendo consumado as dez Perfeições, no fim de quatro asamkheyas e cem mil ciclos serei Buddha.” E elevando-se nos ares ele retornou para o Himavanta. Portanto é dito :

187. Quando ele levantava-se do assento ambos devas e pessoas
Aspergiram-no com flores divinas e terrenas.
188. Ambos devas e pessoas pronunciaram sua benção :
Uma grande coisa desejaste, possas tu obtê-la de acordo com teu desejo.
189. Possam todos os perigos ser evitados, possam todas as doenças sumirem,
Possas tu não ter obstáculos – rapidamente alcance a suprema iluminação.
190. Como quando a estação chegando brotam flores das árvores,
Do mesmo modo tu, Ó poderoso, brote com o conhecimento de um Buddha.
191. Como todos os Buddhas consumaram as dez Perfeições,
Do mesmo modo tu, Ó poderoso, consuma as dez Perfeições.
192. Como todos os Buddhas despertam no assento da iluminação,
Assim seja com você, Ó poderoso, desperto na sabedoria do conquistador.
193. Como todos os Buddhas giraram a roda da Norma ( Lei, Dharma ),
Assim seja com você, Ó poderoso, faça-a girar.
194. Como a lua no dia do meio do mês brilha em sua pureza,
Assim seja com você, com a mente cheia, brilhe nos dez mil mundos.
195. Como o Sol, liberto de Rahu, brilha fervente em seu calor,
Do mesmo modo, tendo libertado a humanidade, brilhes tu em toda a tua majestade.
196. Como todos os rios encontram seu caminho para o grande oceano,
Do mesmo modo possam os mundos de pessoas e devas tomar refúgio em ti !
197. O Bodhisatva exaltado com estes louvores, tomando para si as dez condições,
Começando a consumar estas condições, entrou na floresta então.

[ n. do tr. : Lembra o sermão da montanha de IHS : amai os inimigos, construir a casa sobre a rocha, não vos preocupeis com o dia de amanhã, as bem aventuranças. Neste sentido podemos entender os prodígios naturais que aparecem aqui e os semelhantes do discurso escatológico quando da vinda do Filho do Homem : a aproximação com o jatakas 86, 330 e 290 quando se lembra a frase ‘onde está a carne aí estão os pássaros’ permite relacionar os dois textos. A Ressurreição = Iluminação, o Filho do Homem = Buddha. Tudo, como dito em ambos, dentro do coração.




quarta-feira, 20 de setembro de 2017

[ n. do tr.: Nícias = Shiva ]


                             Plutarco Védico 
      ( isbn 978-85-906438-0-7 ; à venda no Kindle )

Nícias = Shiva

Nícias fez a Paz ; a paz de Nícias ficou famosa para sempre, paz política em sentido amplo posto que sua ‘Vida de Nícias’ de Plutarco espanta-se no começo e no fim com o fato de ter morrido na guerra ( a maior guerra que já houve de gregos contra gregos ) a qual foi contra todo tempo mas eleito pelo Povo para chefiá-la não o/a desobedece, às ordens da polis, república e acaba sacrificado. A imagem é a mesma do sacrifício de Daksha que exclui Shiva e acaba não realizando-se, destruindo-se por completo antes de acontecer. Os paralelos entre Plutarco e os Puranas são vários.

Vejamos o capítulo V da Vida de Nícias de Plutarco : “Vivendo sempre com temor dos caluniadores não jantava, ceiava, com nenhum dos cidadãos, nem tratava com eles, nem assistia suas ordinárias recreações ; em uma palavra : não gostava de semelhantes passatempos, antes, quando era arconte, permanecia no consistório até a noite e do Senado era o último a sair, sendo o primeiro a entrar ; e quando não tinha negócio público algum, não recebia ninguém nem saía para ser visto, sempre quieto e fechado em casa. Seus amigos recebiam aos que vinham para falar-lhe, lhes pediam desculpas porque estava ocupado em negócios públicos de grande urgência e importância. Aquele que principalmente representava esta farsa e mostrava grande interesse em conciliar-lhe autoridade e opinião, era Hierón que havia se exercitado na música e nas letras. Era filho de Dionísio, a quem apelidaram Calco e de quem se conservam ainda algumas poesias e que enviado comandante de uma colonia na Itália fundou a cidade de Turios ( atual Torre Brodognato ). Este pois tratava com os agoureiros da parte de Nícias na interpretação de prodígios e dos arcanos e fazia correr pelo Povo a voz que Nícias levava, apenas pelo bem da cidade / polis / república, uma vida infeliz e trabalhosa, pois nem no banho nem na mesa deixava de ocorrer-lhe assuntos graves, tendo abandonado os interesses próprios para cuidar dos do Povo ; tanto que nunca deitava senão quando os demais já tinham dormido o primeiro sono. De onde provinha estar sua saúde quebrantada e não ter gosto nem humor para conversar com seus amigos, tendo chegado a perdê-los pelos negócios públicos, junto com sua renda ; enquanto os demais, ganhando amigos e enriquecendo com as magistraturas, passam muito bem e se divertem no governo. E em realidade, de verdade, tal vinha a ser a vida de Nícias, pelo que ele mesmo se aplicou aquele epifonema de Agamemnon : ‘A majestade preside nossa vida ; mas da multidão somos escravos’.”

Há algo semelhante no Shiva Purana ? Há. Quando Kama, o desejo, a diversão, o cupido, dispara flechas para atingir o grande Yoguin em meditação ( Shiva é o pai da Yoga ) ( pg. 544 ) : seu terceiro olho abre-se e transforma Kama em cinzas com um fogo que depois dirige-se para o mar : daí o ritual de beber água do oceano. O terceiro olho prescrutando, intuindo, a realidade espiritual única do momento presente relaciona-se então com o entendimento dos ‘prodígios e arcanos’.

Por outro lado no Shiva Purana ( pg. 395 ) é dito “Sati e Shiva estão unidos juntos como palavras e seu significado. Apenas se desejarem pode sua separação
ser mesmo imaginada.” Sati é a oblação, a doação e devota de Shiva ; mas seu pai, Daksha, a seção sacrifical, exclui seu esposo da cerimônia, o quê causa a
destruição completa do sacrifício posto que Sati vai, mesmo sem ser convidada e diante da ignorância do pai, senta concentrada em meditação e auto imola-se, por força própria, sua energia mesma concentrada na respiração, coloca fogo em si mesma, incendeia-se em auto combustão, para renascer em outro ventre em seguida, ventre de Mena, deixando, largando, aquele corpo e seu pai.

Haveria uma tal separação da palavra e seu significado em Nícias ? Haveria no cap. VII e VIII que trata de Cleón, inimigo de Nícias que quer a guerra para mortificá-lo, diminuí-lo, ele que quer a paz. “Em verdade se fez notável dano a cidade deixando que adquirisse Cleón tanto crédito e poder, com o quê, tomando novo arrojo e ousadia insuportável, entre outros males que acarretou a república, ele fez destruir o decoro da tribuna, sendo o primeiro que nos discursos, arengas, gritou descompassadamente, se deixou aberto o manto, se golpeou as coxas e introduziu dar corridas estando falando ; no que engendrou nos que depois dele manejaram os negócios um absoluto esquecimento e desprezo de toda a dignidade ; causa principalíssima do transtorno e confusão que dali a pouco sobreveio à República.”

Haveria também no cap. XI onde se disserta sobre o fim do ostracismo : “Estavam Nícias e Alcebíades no mais forte de sua discórdia quando houve que tratar-se de desterrar pelo ostracismo segundo costume recebido de que em certo tempo devia o Povo mudar de país por dez anos a um dos que fossem suspeitos, ou por que causavam inveja por seu grande crédito ou por sua riqueza. Estavam ambos em grande agitação e perigo posto que não podia deixar de ser um dos dois a receber o desterro. Porque em Alcebíades vituperavam seu abandono de conduta e temiam sua ousadia e em Nícias, além de vê-lo com inveja por causa de sua riqueza, culpavam o ar pouco afável e popular, ou então intratável e oligárquico que o fazia parecer de outra espécie ; e como rejeitava muitas vezes os desejos do Povo, contradizendo seu modo de pensar, violentando-o de certa maneira, fazia o que acreditava conveniente, mas tornou-se para ele odioso. Em uma palavra : a contenda era dos jovens e amigos da guerra contra os anciãos e amantes da paz, querendo uns que a concha [ a célula eleitoral grega era uma concha ] caísse sobre este e os outros sobre aquele. ‘Mas se dois se altercam por uma honra, não é novidade que recaia sobre um terceiro.’ Também nesta ocasião dividido o Povo entre os dois, deu motivo a que se apresentasse na palestra homens sem vergonha e corrompidos, entre os quais Hipérbolo Peritoide, homem a quem não foi o poder que deu atrevimento mas por ser atrevido passou a ter poder, e de ter adquirido fama na cidade por sua afronta e infâmia. Este pois considerando-se muito distante do castigo das conchas quando o que verdadeiramente o que lhe cabia era um potro, esperava que caindo em qualquer daqueles, ele seria o rival do que ficasse ; assim se via bem as claras que se alegrava com a divisão e abertamente acalorava o Povo contra ambos. Inteirados Nícias e Alcibíades desta maldade, se puseram secretamente de acordo e juntando em um os dois partidos, conseguiram que o ostracismo não caísse em nenhum deles mas sobre Hipérbolo. No começo foi esta mudança matéria de diversão e riso para o Povo ; porém depois sentiram parecendo-lhes que aquele recurso se tinha desonrado, usando-o com um homem indigno pois tinha o ostracismo por uma pena que honrava e acreditavam que, se era castigo para Tucídides, Arístides e semelhantes, para Hipérbolo era uma honra e motivo de jactância que fosse tratado por sua maldade como haviam sido os varões mais excelentes ; segundo o que já disse Platón, o cômico, falando dele nestes versos : ‘Por sua maldade mereceu esta pena ; mas por sua qualidade, dela era indigno : porque não se inventou seguramente o ostracismo para um canalha tão ruim.’ Assim é que depois de Hipérbolo ninguém mais sofreu esta forma de desterro mas ele foi o último, tendo sido o primeiro Hiparco Colargueo, parente do tirano.”

Shiva Purana ( pg 380s ) há um discurso de Shiva sobre a piedade, devoção e desapego como princípios do conhecimento, em um diálogo com Sati, sua esposa :
12. Ó deusa Sati, escute, devo explicar o grande princípio em que criaturas com remorso tornam-se almas liberadas.
13. Ó grande deusa, saiba que o conhecimento perfeito é o grande princípio – a consciência que ‘sou Brahman’ no intelecto perfeito em que nada mais é lembrado.
14. Esta consciência é bem rara nos três mundos. Ó amada, sou Brahman, o maior dos maiores, e muito poucos são aqueles que conhecem minha real natureza.
15. Piedade, devoção é considerada doadora de prazeres e salvação. É alcançável pela graça. Ela é de nove tipos : escutar, elogiar, lembrar, servir, entregar-se, venerar, saudar, amizade e dedicação.
16. Não há diferença entre devoção e conhecimento perfeito. A pessoa que está absorvida em piedade goza felicidade perpétua. Conhecimento perfeito nunca desce numa pessoa viciada avessa à piedade.
17. Atraído pela devoção e como resultado de sua influência, Ó Deusa, vou mesmo nas casas dos outcasts e dos castas baixas. Não há nenhuma dúvida sobre isto. ...
36. Ó amada, assim a piedade com seus vários membros e auxiliares contribui para a salvação já que produz Desapego ( Vairagya ) e Conhecimento ( Jñana ) perfeitos. É o caminho mais excelente.
37. Uma piedade verdadeira é tão cara para mim quanto para você. Ela é produtora de frutos de todos os ritos para sempre. Aquele que tem isto em mente é um grande amigo meu.
38. Não há outro caminho tão fácil e agradável como a piedade, nos três mundos, Ó deusa dos devas, em todos os quatro Yugas de modo geral e no kaliyuga em particular.
39. Conhecimento ( Jñana ) e Desapego ( Vairagya ) ficaram velhos e perderam seu brilho no kali yuga. Decaíram e gastaram, passaram, já que as pessoas que os consegue perceber são raras.”

O capítulo III e IV da ‘Vida de Nícias’ de Plutarco disserta sobre sua piedade, devoção e desapego :
Enquanto Péricles administrou a cidade, estando dotado de uma virtude verdadeira e de uma poderosa eloquência, não teve necessidade de manhas ou de prestígio ; porém Nícias, que não tinha aqueles dons, abundando em bens da fortuna, com eles ganhava popularidade ; faltando-lhe disposição para rivalizar com a flexibilidade e as lisonjas de Cleón, conseguiu atrair com os coros, os espetáculos e com outros meios desta espécie, o favor do Povo, avantajando-se em magnificência e gosto a todos os de seu tempo e ainda a quantos o haviam precedido. Subsistem ainda das oferendas que fez, o Paládio da acrópole, tendo perdido o dourado, e o templete que se conserva no Templo de Baco entre os trípodes oferecidos em ocasiões iguais ; porque conduzindo coros venceu muitas vezes e em nenhuma foi vencido. Diz-se que em um destes coros apareceu representando no adorno a Baco,um escravo seu de bela disposição e figura, ainda imberbe, e que, tendo-se agradado os atenienses com a presença dele, aplaudindo e festejando por longo tempo, levantando-se Nícias, disse que tinha por sacrilégio estivesse na escravidão um corpo celebrado pela semelhança com o deus e deu liberdade para aquele moço. Também se conservam na memória, como brilhantes e dignos de tão alto objetivo, finalidade, os festejos que fez em Delos. Era comum que os coros enviados às cidades para cantar os louvores de Apolo, durante a navegação, fossem com o quê cada um recolhia e que vindo muita gente na chegada da nave, cantavam sem nenhuma ordem, saltando em terra em confusão e tomando as coroas e os trajes da mesma maneira ; mas ele, quando conduziu a Teoria, aportou em Renea com o coro, as vítimas e todo o prescrito e trazendo de Atenas uma ponte, construída com as dimensões convenientes e adornando magnificamente com dourados, cores, coroas e tapetes, durante a noite os arranjou no espaço intermediário entre Renea e Delos, que não é grande [ n. do tr. Sanz Romanillos : Para a melhor compreensão desta passagem, advertimos que Renea é uma ilha montanhosa ( chamada Megalo-Dilos ou Grande Delos ) e Delos, outra ( denominada Mikro Dilos ou Pequena Delos ), ambas pertencentes as Cíclades, no Mar Egeo. Delos estava consagrada a Apolo. A distância entre as duas é pouco mais de meio quilômetro. Teoria ou Teórida era o nome dado a nave que conduzia o cortejo religioso.]. No dia seguinte ao amanhecer conduziu a procissão que se fazia ao deus e o coro adornado primorosamente e cantando os atravessou pela ponte. Depois do sacrifício, do combate e do festim, apresentou ao deus em oferenda, uma palma de bronze e tendo comprado um terreno por dez mil dracmas, o consagrou, destinando de suas rendas que os de Delos tomassem o necessário para sacrificar e dar um banquete, rogando aos deuses a prosperidade de Nícias. Pois isto fez se escrever numa coluna que deixou em Delos como monumento desta dádiva e a palma, quebrada pelos ventos, veio a cair sobre a estátua grande dos de Naxos ( outra das ilhas cíclades )e a fez em pedaços.
IV. Nestas coisas costuma haver muito de ostentação e de vanglória, como se sabe ; porém observando o caráter e os costumes de Nícias para todo o resto, pode-se, não sem violência, inferir que aquele esmero e toda aquela pompa era consequência de sua religiosidade, porque lhe fazia demasiada impressão, o impressionava, as coisas superiores e era dado a superstição, segundo nos deixou escrito Tucídides. Assim se diz em um certo diálogo de Pasifonte, que todos os dias oferecia sacrifícios aos deuses e que tendo em casa um agoureiro, fingia consultar-lhe sobre as coisas públicas quando regularmente era sobre as suas próprias, especialmente sobre suas minas de prata, porque possuía minas deste metal em Laurio ( monte situado no extremo meridional d’Ática ) que lhe era muito útil ainda que o trabalho não era isento de perigo. Mantinha lá grande número de escravos e nisto consistia a maior parte de sua renda, pela qual tinha sempre ao redor de si muitos que pediam e a quem socorria, pois não era menos dadivoso com os que podiam fazer mal que com os que eram dignos de suas liberalidades ; em uma palavra : com ele era uma renda para os maus, seu medo e para os bons, sua beneficência. Dão disto testemunho os poetas cômicos.”

A imagem da palma caindo, por incrível que pareça, aparece no Shiva Purana justo quando da resolução do conflito entre Brahma e Vishnu ( Aciuta ) ( pg 55s ) em pleno campo de batalha em que os dois deuses jogam armas um no outro, e enfrentam-se com dois exércitos e Shiva aparece na forma de uma coluna de fogo que absorve as armas de ambos – na realidade eles vão até Kailasa e pedem para ele aparecer pois são devotos. Vishnu ( Aciuta ) na forma de Javali cava fundo para ver a raiz da coluna mas não acha, enquanto Brahma na forma de cisne voa para o alto em busca da outra extremidade : é quando encontra uma folha/ flor que cai, que lhe diz que está caindo há muito tempo e que caiu do meio, logo não há fim na altura da coluna e Brahma volta. Shiva acaba pacificando as duas deidades ( as duas tendências ascendente e descendente do universo, yin / yang ), não sem arrependimento inclusive com choro de Vishnu, e ressuscita os guerreiros mortos na guerra ( pg. 62 ). A coluna de fogo é a imagem do Shiva linga que representa a coluna vertebral ereta em meditação e concentração realizando o ideal da Yoga de Livramento, Libertação, bastante semelhante ao Buddhista ; enquanto phalo a coluna de fogo representa seu poder criador, da Yoga mesma e de seus membros : yama, nyama, pranayana, pratiahara, dharana, dhyana, samadhi. Na pg 71 do Shiva Purana fala-se do Gayatri Mantra, Savitri Mantra, em que a coluna de fogo é vista como o Sol, princípio / fim da Vida : ‘nós meditamos na excelente luz do Sol : que ela nos inspire !’ - Gayatri Mantra : deve-se repetir sempre, em devoção, piedade, de manhã ao nascer do Sol, para o Sol ( Cf. Jatakas Buddha Pavão ).

Vejamos o capítulo IX da ‘Vida de Nícias’ de Plutarco, que fala da Paz de Nícias : “ Começava já então a mostrar-se em Atenas Alcibíades ( educado por Péricles e favorecido por Sócrates ), outro orador nãotão decomposto ( quanto Cleón ) porém de quem dizia-se ser como a terra do Egito ; pois como esta, por sua grande fertilidade, produz ‘muitas plantas úteis e a seu lado outras tantas nocivas e funestas’, da mesma maneira a índole de Alcibíades, propensa igualmente ao bem como ao mal, deu ocasião a grandes inovações. Porquanto, ainda que Nícias chegou a ver-se desembaraçado de Cleón, não teve tempo de acalmar e firmar de todo a República, antes, tendo conseguido levá-la por um bom caminho, a afastou dele, a violência e fogosidade de Alcibíades, impelindo-a outra vez à guerra, o que sucedeu desta forma : Os que principalmente se opunham a paz da Grécia eram Cleón e Brasidas, aquele porque na guerra no se mostrava tanto sua maldade e este porque nela resplendia mais sua virtude ; como que a um dava ocasião a grandes injustiças e a outro para gloriosos triunfos. Mas como ambos morreram na mesma batalha, que foi a de Amphípolis ( ocorreu no ano 422 a.C. ), encontrando Nícias aos espartanos desejosos muito de antemão da paz e aos atenienses com pouca confiança de tirar partido da guerra, e a um e outro fatigados e com disposição de depor com o maior gosto as armas, trabalhou para ver como conciliar amizade entre as cidades, e aliviar e dar repouso aos demais gregos dos males que sofria, fazendo daí em diante seguro e estável o saboroso nome de felicidade. Os anciãos, os ricos, as pessoas do campo, desde logo estavam com com disposições pacíficas ; enquanto aos demais falando com cada um em particular e procurando convencê-los, conseguiu também retraí-los à guerra : e quando assim foi executado, dando já esperanças aos espartanos, os excitou e moveu para que se apresentassem pedindo a paz. Creram nele, seja por sua conhecida probidade, seja porque aos cativos e rendidos de Pilos, cuidando e visitando-lhes com humanidade, lhes fez mais leve a desgraça. Havia já antes ajustado tréguas por um ano, durante as quais,reunindo-se uns com os outros, e gostando do sossego e descanso, e do trato com os estrangeiros e os próximos, lhes havia acendido um vivo desejo [ a coluna de fogo ] daquela vida isenta de inquietudes e de riscos ; assim, ouviam com gosto aos coros quando cantavam : ‘Fica, ó lança, qual despojo ( resto ) inútil, onde enredem as aranhas suas teias.’
Era-lhes também saboroso trazer à memória aquele gracioso dito de que aos que em paz dormem não os despertam as trombetas mas os galos. Abominando, pois, e maldizendo aos que supunham ser destino certo aquela guerra se prolongar por três vezes nove anos, trataram e conferenciaram entre si e fizeram a paz. Formou-se então geralmente a ideia de que aquela reconciliação era estável e todos tinham sempre a Nícias nos lábios, dizendo que era um homem amado dos deuses, a quem seu bom gênio havia concedido, por sua piedade, que do maior e mais apreciável bem entre todos tivesse tomado o nome ; porque, realmente, criam sua obra a paz, como de Péricles a guerra ; parecendo-lhes que este, por muitos pequenos motivos, tinha jogado os gregos em grandes calamidades e que aquele os fez esquecer as ofensas mútuas, voltando a ser amigos. Por tanto esta paz, até o dia de ho-je, se chama de Nícias.”

Já sabemos o final da história o partido da guerra eventualmente acaba vencendo, com o lado ruim de Alcibíades, e acontece a maior guerra que já houve entre gregos e gregos : atenienses contra sicilianos & espartanos. Nícias sempre foi contra a guerra mas os atenienses o elegem general dela : essa imagem igual aquela do sacrifício de Daksha que ao afastar Shiva, não convidá-lo, desfaz-se, deixa de existir. O capítulo XIII da ‘Vida de Nícias’ de Plutarco faz um inventário, relata uma lista, elenca uma série, de preságios da ruína da expedição, de acontecimentos contra sua continuação. Corresponde no Shiva Purana pg 395 o ‘estranhamento entre Daksha e Shiva’, com as maldições, não maldições, correspondentes.

Gilipo, o espartano que chega só em Siracusa em um pequeno barco e apenas com sua capa e báculo como sinal distintivo da dignidade de Esparta conquista a todos, equivale a Virabhadra, que destrói o sacrifício todo na briga dos deuses contra Shiva. A derrota em si, de Nícias acontece quando à noite fica muito escura e ninguém vendo nada, acabam se matando entre si. Um eclipse da lua também leva Nícias a introspectar-se em sacrifícios somados a uma doença que também o castiga leva tudo a acabar-se antes de começar. No capítulo XXIX de Plutarco fala-se dos versos de Eurípedes que por todos conhecidos eram por todos recitados a guisa de salvação na desgraça que se segue.



terça-feira, 5 de setembro de 2017

[ n. do tr. : Demétrio = Prthu ]


                                                  Plutarco Védico
            ( isbn 978-85-906438-0-7 ; à venda no Kindle )
Demétrio = Prthu

Em 1943 Georges Dumézil lançou um pequeno grande livro em Paris, dedicado aos professores e estudantes presos então, chamado ‘Servius et la Fortune. Essai sur la fonction sociale de Louange et de Blâme et sur les éléments indo-européens du cens romain.’ Ele compara as histórias do rei Prthu da Índia e do rei Servius Tullius na Roma antiga e mostra a conexão, paralelo, contato, entre as duas. O Louvor e a Crítica estariam presentes nas duas fazendo o autor uma larga e preciosa análise etimológica das palavras relacionadas : censo em latim e sams- em sânscrito, em que aparecem as ideias de ordem, ordenação, apresentação de todos, feira livre ( sim feira livre que junta a todos os diferentes, cada um com sua mercadoria específica ), proclamação, louvor & crítica, ‘vox populi vox dei’, potlach ( a antiga forma econômico-política tratada por Levi-Strauss e Malinowski em que o rei apropria-se de tudo e depois distribui tudo por todos ), etc : este elogio edificante ( que desde o princípio pode ser também crítico ), qualificante, gera uma produção, distribuição das riquezas todas como diz o autor, realiza o personagem, o rei, fazendo-o crescer e apresentar-se, mostrar-se enquanto rei, igual a Indra estando escondido debaixo d’água, purgando os pecados, é encontrado por Agni, o fogo, que tem que se molhar e descer lá embaixo para, elogiando-o, relembrando seus nomes, o fazer crescer e se apresentar, mostrar ( pg 68) : esta apresentação está na imagem mesma da Roda da Fortuna, na Terra gerando e produzindo as riquezas todas : guardamos a imagem dela apenas como vertical mas é também claramente horizontal, com o conjunto de todas as ordens, classes, castas, mostrando-se com seus produtos específicos. Adiantando então o sentido vertical àproxima da Lua que de cheia fica vazia, nova, e depois volta a encher : assim Demétrio perde tudo várias vezes mas consegue voltar a brilhar : como Prthu não consegue realizar seu sacrifício, frustra-se, falha e depois chora arrependido diante de Vishnu : existe o sentido vertical da Roda da Fortuna de ter tudo e de não ter nada, estar no alto da roda e estar embaixo, desapegado das coisas todas.

Dumézil neste grande pequeno livro mostra que a origem etimológica do nome Fortuna é o nome Prthu que teria aspirado em Phrthu e daí Fortuna : a equação Demétrio = Prthu confirma esta etimologia e não há razão alguma para descartá-la, desprezá-la, posto que na ‘Vida de Demétrio’ de Plutarco o autor insiste em aproximar a imagem da Fortuna da imagem deste rei ( caps. I, XXXV, XLV, XLVIII) confirmando o sinônimo posto que Prthu gerou Prthivi, a Terra, igual a De-Meter, Demetrio. A Roda das Riquezas todas em Prthu é realizada ordenhando-se a Vaca da Abundância, ser mítico que nasceu do batimento do mar de leite : a espuma branca do mar batido imagem do comércio marítimo. Todos os alimentos, leites, são gerados de acordo com cada parte da Natureza : segue o texto de Bhagavat Purana IV, 18, 12s :

Aceitando a agradável e saudável palavras de conselho da deusa da terra, o rei fez Svayambhuva Manu como bezerro e ordenhou todas as ervas e plantas tais como cereais etc com sua própria mão.
Similarmente outros sábios também extraíram essência de tudo em toda a parte. Então outros quinze sábios tiraram seus objetos de desejos da vaca terra domesticada por Prthu.
Oh muito correto Vidura ! Então os sábios fizeram Brhaspati bezerro e retiraram da deusa terra leite na forma de sagrados Vedas, em seus próprios órgãos dos sentidos i.e. ouvidos, fala, mente.
Os deuses fizeram Indra de bezerro e extraíram em um vaso de ouro sumo de Soma e leite néctar doador de vigor mental, esplendor, energia e força física.
As tribos demônicas Daityas e Danavas fizeram Prahlada o maior detodos os Asuras como bezerro e ordenharam seu vinho e cocções licores fortes em um vaso de ferro.
Os artistas celestiais Gandharvas músicos celestes e Apsaras ninfas celestes fizeram Vishvavasu de bezerro e extraíram o leite em um copo de flor de lótus e tornou-se o mel Gandharva especial doador de beleza e doçura de voz.
Os manes veneráveis Pitrs, as deidades que presidem a cerimônia Sraddha realizada em memória às almas que partiram, fizeram Aryaman o chefe dos Pitrs como bezerro e reverentemente ordenharam leite em um vaso de barro não cozido e ele tornou-se Kavya alimento para os manes.
Os Siddhas seres semi divinos fizeram Kapila bezerro e extraíram novaso do céu os oito superpoderes humanos ( Siddhis ) exequíveis por mera vontade. Os Vidyadharas tribo de semideuses ordenharam o leite na forma da arte de mover-se pelos ares no mesmo vaso com Kapila bezerro.
Outros tais como os Kimpurusas, tribo semidivina conhecida por seu poder de conjurar truques ( máyacos ) fizeram Maya bezerra e tiraram dela poderes mágicos que possuem seres maravilhosos que podem se tornar invisíveis à vontade.
Os Yakshas e Rakshasas demônios, Bhutas e Pisacas, fantasmas e espíritos maus que alimentam-se de carne crua fizeram o senhor dos fantasmas Rudra bezerro e extraíram num crânio o vinho sangue.
Do mesmo jeito, répteis, escorpiões, serpentes fizeram Takshaka o chefe das Nagas bezerro e retiraram veneno como leite em suas bocas como vasos.
Bestas herbívoras fizeram o touro de Rudra, Nandi, bezerro e retiraram grama como leite no vaso na forma da floresta. As bestas carnívoras com seus grandes dentes e alimentando-se de carne crua com o leão de bezerro o rei das bestas retiraram no vaso na forma de seus corpos seus leites. Os pássaros que usaram Garuda o chefe dos pássaros como bezerro, tiveram móveis como vermes e insectos e imóveis como frutos por leite.
Com árvore Banian de bezerro, as árvores extraíram seus próprios respectivos sucos como leite. Montanhas tiveram a mais alta delas Himalaia por bezerro e ordenharam vários minerais como leite nos vasos na forma de seus cumes.
Todas as espécies de seres usaram seus próprios chefes como bezerro e extraíram largamente em seus próprios vasos o leite especificamente útil como alimento para suas próprias espécies, da terra que produz todos os objetos desejados quando ela foi domesticada por Prthu.
Oh Vidura filho da família Kuru ! Deste jeito Prthu e outros existiram de alimento obtido da terra diferentes tipos de leite na forma de seu alimento específico, usando diferentes tipos de bezerro e de vasos de leite.
Com isto Prthu, o senhor da terra ficou altamente agraciado com a deusa terra que produziu todos os objetos de desejo e afeito como era por filhas, ele a viu como sua filha, com afeição paternal.

Há algo semelhante na ‘Vida de Demétrio’ de Plutarco ? Há.
No cap I fala-se da musicista Ismenias de Tebas que pedia que tocassem bem de um lado e mal de outro para se conhecer os dois lados do som exemplo que Plutarco usa para todas as artes e para a vida mesma que for dada a extremos.

No IX do encontro com Estilpon, mestre de Zenon e discípulo de Diógenes, que questionado sob se perdera algo diz que não há como se perder a ciência que sendo algo interior é portanto inalienável. A questão da autarkeia, bastar-se a si próprio, ser autossuficiente.

No III, IV, XIX, XXVIII, XXIX, XL, fala da relação pai e filho, excepcional no caso posto que amava seu pai e vice versa sendo o normal a briga, disputa : no último capítulo indaga-se : ‘Darás seu pagamento aos mortos ?’ indicando que em Plutarco podemos ver um sraddha, a oferta dos Pitrs, pais, antepassados que trata justamente disso da oferta aos mortos, os antepassados conforme vimos no Purana acima.

No XX das máquinas e naves construídas por Demétrio e da sua excelência na mecânica ciência que buscava fazer coisas grandiosas, dignas de rei, como sua ‘helepolis’ a torre desmontável de ataque a fortalezas. Nomeia os reis e suas atividades : Eropo de Macedonia se entretinha quando fazia mesas e lamparinas ; Atalo chamado Filometor cultivava ervas venenosas não só o beleño e o eléboro mas também a cicuta, o acônito e o doriemo semeando-os e plantando-os em jardins reais e tendo cuidado de conhecer seus sucos e frutos e colhê-los no tempo. Com o suco do último da lista muito venenoso impregnava-se as pontas das flechas ( não lembra o leite das cobras, serpentes, do Purana acima ? ) ; os reis dos partos eram vaidosos da sua destreza em afiar a ponta dos dardos, flechas, lanças.

No XXII da pintura de Protógenes de Caunio em Rodes, pintura dos filhos do Sol, sobre a qual depois Plínio dissertará, famosa que foi. Substitui o pelo, retrato, rasgado na acrópole pela borrasca, substitui enquanto símbolo na história toda deste rei.

No XXV recenseia-se o império : Demétrio rei, Seleuco chefe dos elefantes, Ptolomeu general da armada, Lisímaco tesoureiro, o siciliano Agatocles governador das ilhas.

No XXVII de Lamia, a velha, anciã, que encantou Demétrio e se tornou sua principal amante : dita a Ogra enquanto Demétrio seria o conto, a história : a referência aos Jatakas de Esopo Buddhista aqui é clara : vemos em várias histórias a Ogra justamente como Lamia seduzindo o rei : o leite da história.

No XXXIII e XXXIV libertando e trazendo comida para Atenas que passava fome na época de Epicuro e Crates. Entregando comida com as próprias mãos para Epicuro seria a imagem.

No XXXVIII fala do grande médico-filósofo Erasístrato, natural de Queos, e de Seleuco médico curando seu filho : este estava apaixonado por uma das esposas do pai paixão fulminante que matava o jovem e Seleuco soube curar o filho.

No XLIII fala-se novamente da excelência da armada, das naves, de Demétrio,
exemplo artístico no tempo que Euclides vivia e ensinava e Arquimedes era criança. Se pensarmos que a descoberta do peso específico dos metais é a origem da tabela periódica temos aqui toda a química. Arquimedes correndo nu no meio da rua dizendo ‘eureka’ lembra o desapego de Diógenes, o grande cão largado no meio da rua e a todos indagando como Sócrates o primeiro da grande escola que é a Philosophia e desde já a doutrina mesma do cinismo de desapego do mundo e das coisas materiais conforme veremos mais a frente com Crates.

No XL – XLIV fala de Pirro e do caráter teatral de Demétrio : a cena em Plutarco é hilária : os soldados simplesmente passam do lado do segundo para o lado do verdadeiro rei o primeiro : define-se o caráter do rei por elogio & crítica, teatral mesmo, de Demétrio, que veremos a frente

No XLVI do encontro com Crates o filósofo, o quarto na linha de sucessão da Philosophia : Sócrates, Antístenes, Diógenes, Crates, Zenon.

Cada um destes grandes personagens que aparecem na ‘Vida de Demétrio’ é um dos bezerros atado à vaca das riquezas produzindo o leite de cada espécie, de cada arte, de cada parte da sociedade, cidade, leite bebido em diferentes copos, taças, vasos, como são diferentes as artes e ciências : e Plutarco fala das diferentes artes e ciências no cap. I ! , sobre o meio termo em cada uma delas entre o excesso e a falta, paralelo na ética eudemiana as potências d’alma.

Quem fala de Crates, o médico das almas, é Padre André Festugière, este grande historiador, tradutor, do séc. XX, cf. bibliografia pg 141 : “Chamavam-no pois em todas as casas e ele entrava em todo lado como se fosse sua casa : “Crates o philósopho que entrava em todas as casas e que era recebido honrada e amigavelmente, era chamado ‘o que abre as portas’.” ( Plut., qu. Conv., II, 1, 6, o mesmo termo também em Diog. Laer., VI, 86 ). E Apuleio é mais explícito em um capítulo de suas ‘Floridas’ ( XXII ) que é inteiramente dedicado a Crates : “O célebre Crates, discípulo de Diógenes, foi honrado como um tipo de gênio doméstico ( ut lar familiaris ) pelos Atenienses de seu tempo. Jamais alguma porta lhe estava fechada ; nenhum pai de família tinha assunto tão secreto, tão íntimo, que a intervenção de Crates nele parecesse intempestiva ; em todos os processos, todas as disputas entre próximos, ele fazia o ofício de mediador e de árbitro “( tr. Vallette ). O método de Crates parecia ser de se mostrar sempre feliz, alegre : “Ainda que apenas possuísse seu saco ( alforje ) e seu manto curto, Crates, como em uma festa, passava seu tempo a se divertir e a rir.” Vemos se mostrar aqui um personagem bem mais simpático que o cínico que se debate sem cessar contra as pessoas ; é o cínico que ao contrário tem piedade delas e se coloca a seu socorro, delas, pessoas, como o fez Hércules. A comparação é clássica, a encontramos na passagem citada acima das ‘Floridas’: “É que o quê Hércules outrora, no dizer dos poetas, foi para os monstros malignos, humanos ou bestas, que ele domou pela força e dos quais purgou a superfície da terra, Crates o foi para a cólera, a inveja, a avareza, o deboche ; contra todos os monstros e todas as doenças da alma humana, este philósopho foi o Hércules ; ele caçava dos corações as pestes, purgava as famílias, domava os maus instintos. Semi nu ele também e reconhecido por seu porrete pesado, ele era de Thebas, como Hércules.” ( tr. Vallette, salvo ligeiras variantes ).
Talvez este cuidado de Crates pelos seres humanos venha de que ele mesmo tenha sofrido muito. Nascido em 365 ele viu em 334, na idade de 31 anos sua cidade ser completamente destruída por Alexandre. Quando algumas décadas mais tarde, Cassandro, restaurando Thebas lhe propôs de viver lá de novo, ele recusou : “Para que ? Um outro Alexandre a destruirá de novo.” E ele não tinha mais pátria de verdade e podia dizer ( Trag. Gr. Fr., Crates, 1 ) : “Não possuo que uma só fortaleza como pátria, não tenho que um só teto : é em todo lugar da terra
cidade e casa que me são preparadas para que eu viva.” Não é o cosmopolitismo moderno para quem todas as partes do mundo formam uma unidade. É antes o sentimento que o verdadeiro sábio, na medida que é autarkès, onde é autossuficiente, pode viver em todo lugar. Ele leva para todo lado suas misérias : não importa qual polis todas tem para ele o mesmo valor : “há apenas uma só fortaleza ( purgos )”, ou antes sua verdadeira fortaleza é ele mesmo, as outras não são que muros que a Fortuna pode fazer desmoronar. (…) O poema de Crates mais célebre foi aquele do Saco / Alforje ( Pèra ). Ele é citado por Diógenes Laércio, Démétrius de elocutione, Clemente de Alexandria Paidagogos, Apuleio de magia. Aqui a tradução a partir do livro citado acima de H. Diels, Poetarum philosophicorum fragmenta ( 1901 ) ( fr. 4-5 ) : “Há uma cidade, o Saco ( Pèra ), no centro da vã glória ( typhô ) cor de vinho ; ela é bela e fecunda e não possui nada do que escorre a seu redor. Nela não entra nada de parasita doido nem de debochado que faz de nádegas prostituídas sua delícia mas ela carrega tomilho, alho, figos e pães. De onde resulta que nela não se briga por estas coisas pobres, os homens não tomam armas por uma pequena moeda nem pela glória … Seus habitantes são livres da escravidão do prazer e sem dobrar o pescoço eles buscam a realeza imortal e a liberdade ( Athanaton basileian. A realeza é aquela do homem que possui autossuficiência, autarkeia, ele é por todo lado rei, como o sábio dos estóicos e livre posto que não tem necessidade de nada ).”
Assim o ser humano é de agora em diante livre, e de agora em diante seu rei, se se contenta com seu saco e seus alimentos que ele contêm, que em verdade são suficientes para alimentar um ser humano : tomilho, alho, figos e pães, este era durante muito tempo a ração daquele que partia em campanha. Por exemplo, Lamachos que reclama “do sal misturado com tomilho e cebolas” ( Aristoph., Ach., 1099 ). Somos sempre reconduzidos a mesma conclusão : Crates ‘humanizou’ o caminho de vida instituído pelo Kuôn [ Cão, Diógenes ], ele a tornou possível e por isto mesmo a tornou eficaz. Um outro [ IHS XTO ] dirá mais tarde : “Não leveis nem ouro nem prata nem guardeis moedas nos cintos, nem saco para a estrada, nem duas túnicas, nem sapatos, nem cajado : pois o operário merece seu alimento.” A expressão mudou um pouco porque a ideia não é mais complemente a mesma. O predicador do Evangelho está em princípio certo de conseguir seu alimento em qualquer casa onde ele passe. O mendicante cínico não está certo de todo de ser satisfeito, atendido, daí que carregue consigo o pouco que lhe é necessário. Mas com a reserva desta ligeira diferença, o princípio de vida é o mesmo : tornei-vos livres. Livres, nos Apóstolos, de pregar o Evangelho sem misturar nenhuma outra preocupação. Livres, entre o Cínico, de passar sem se preocupar de uma parada a outra, indiferente aos golpes da Fortuna.” É justamente esta a lição da ‘Vida de Demétrio’ de Plutarco.

Passemos para a parte relativa a Louvor & Crítica que caracteriza o personagem. Cap. X – XIII e XXIII – XXVI expõe a oposição Estratocles orador demagogo e Filípedes comediógrafo do palco, inimigos que eram, em dois momentos diferentes da ‘Vida de Demétrio’ : são estes dois lados de louvor & crítica, leite com seus respectivos bezerros em vasos, potes, diferentes. “E tendo sido Demétrio um benfeitor grande & magnífico o fizeram molesto & odioso com as desmedidas honras que lhe decretaram. … Estratocles o que mais inventou estas coisas a ele atribui-se tão excessivos e singulares modos de adular. Era todo insolente este Estratocles tendo vida dissipada e imitando em despudor e imprudência a falta de respeito pelo Povo do antigo Cléon.” Em dois momentos a adulação insana, louca mesmo, é confrontada em versos pela comédia. Num primeiro momento o peplo, retrato dos deuses foram pintados com o rosto de Demétrio e Antígono mas uma tempestade rasgou o retrato em plena exposição daí o verso de Filípides sobre Estratocles ‘por quem as vinhas foram abrasadas pela borrasca, e por cuja impiedade se rasgou o peplo, dados a homens os divinos cultos : isto, não a comédia, arruína o Povo.’ Sábias palavras que mostra a comédia do lado da crítica.
No segundo momento os versos de Filípides sobre Estratocles são dois também, falando de dois acontecimentos diferentes. O primeiro : ‘O que a um mês só, há reduzido um ano’ : Demétrio quer se iniciar nos mistérios maiores e menores em Atenas mas o intervalo entre eles é de um ano : precisando da força do elogio / louvor o ano é reduzido a um mês e Demétrio recebe o grau de inspeção dos maiores tendo iniciado-se apenas um mês antes nos menores. O segundo : ‘O que por albergue teve a fortaleza, e da virgem o sagrado templo, introduziu as torpes cortesãs.’ : tendo Demétrio libertado novamente a cidade deixaram ele residir num prédio às costas do Partenon de Atena para honrar-lhe e obsequiar-lhe e o ato mostrou-se loucura insana posto que introduziu Lamia e suas amigas no templo da virgem. Há a morte de Damocles que não quer se entregar, quer ser virgem e há o exílio de Damocares que ao escutar que Estratocles devia estar louco diz : ‘estaria se não o estivesse’ “porque realmente Estratocles serviu muito a cidade com estas adulações”.

No ano 301 a.C. Antígono e Demétrio perdem a batalha de Ipsos, Frígia na planície da atual Eskikara-Hisar e começa o rei a se tornar uma pessoa comum, humilde, sem posses, “dando nisto o mais relevante testemunho da sentença de Platão que exorta ao que quer ser verdadeiramente rico a que em lugar de aumentar a riqueza diminua o desejo insaciável de ter, possuir, pois o que não sabe aplacar a avareza jamais se verá livre da pobreza e da miséria.” Neste momento que liberta Atenas da tirania e alimenta Epicuro, o grande philósopho : “o Povo com a alegria prorrompia em diferentes aclamações tratando de sobrepujar os elogios que os demagogos pronunciavam desde a tribuna ...”. Reuniu um resto de forças e foi tomar Esparta : “Quase nada faltava para fazer-se dono dela, não tendo nunca sido tomada até então ; porém a Fortuna parece que não usou jamais com rei nenhum de tão grandes e súbitas mudanças, nem com ninguém foi tantas vezes pequena e grande, humilde de exaltada, e poderosa outra vez de pobre e abatida ; assim se diz que o mesmo Demétrio em uma das mais notáveis destas vicissitudes, empregou, exclamando contra a Fortuna, este verso de Ésquilo : ‘tu me alentaste e tu queres perder-me’. Porque então indo prosperamente seus negócios [ conseguiu se restabelecer da derrota ] em relação ao império e ao poder, o avisaram primeiro que Lisímaco tomara as cidades d’Ásia ; e em seguida que Ptolomeu apoderara-se de toda Chipre, exceção da cidade de Salamina e esta estava sitiada estando dentro seus filhos e sua mãe. Mas ao mesmo tempo a Fortuna que como aquela mulher dos versos de Arquíloco, ‘Enganosa e falaz em uma mão, levava água e na outra fogo’, tendo-se apartado da Lacedemônia com tão desagradáveis e terríveis novidades se apresentou outras esperanças de novos e grandes sucessos com a ocasião seguinte.” Segue o relato, cap. XXXVI, da morte de Casandro e depois de seu filho Alexandro, relato estranho de uma morte na porta, Demétrio passa por uma porta e diz quando passa que matem o que lhe está seguindo ‘acabem com o que me segue’.

O relato de Prthu no Purana, Bhagavat Purana, talvez explique a cena do filme que é Plutarco : sim Plutarco em todas suas ‘vidas’ de grandes personagens vê uma imagem, transmite uma cena : ponto. Dois pontos : há uma tradição de imagem. Voltando ao relato, Prthu não consegue realizar seu sacrifício, perde, frustra-se, chora. Igual Demétrio. Levanta-se realiza a iniciação com Vishnu e aprende de Sanatkumara :
Quando seu apego e prazer em Brahman torna-se firmemente estabelecido, uma pessoa procura um preceptor espiritual. Justo como fogo ligado em arani um pedaço de madeira de árvore Sami usada para acender fogo por fricção consume sua própria fonte o pedaço de madeira do qual surge, o ser humano, por força de seu conhecimento e desapego queima seu corpo sutil que consiste de cinco elementos sutis [ Pañcatmakam : (i) Consiste dos cinco kilesas i.e. avidya ( ignorância ), ahamkara ( ego ), raga ( apego ), dvesa ( aversão ) e abhinivesa ( apego instintivo à vida mundana e gozo corporal e o medo de ser privado disto – ASD. 39) ; ( ii ) Consistindo dos cinco Kosas ( envelopes ) que descansando um dentro de outro faz do corpo relicário da Alma. Eles são : (1) annamaya,(2) manomaya, (3) Pranamaya, (4) Vijñanamaya e (5) anandamaya. ] que envolve sua Alma, de tal modo a torná-lo não vivo.
Quando a tela ou envólucro do corpo sutil que envolve Alma, até então intervindo entre Alma superior ( Paramatman ) e a Alma, é destruído, a pessoa torna-se livre de todos os atributos ( como amor aversão que merecem ser entornados, expulsados ( heya-gunah ) pertencendo ao corpo sutil que foi queimado. Daí em diante ele não percebe seus estados subjetivos de prazer, dor, etc. Que estão dentro dele ( culpas internas ), nem objetos ( p. ex. Um pote, um pedaço de roupa ) que são externos a ele, justo como uma pessoa acordada de um sonho não vê os objetos percebidos no sonho. É neste estado de vigília e sonho enquanto este upadhi ( condição ) da mente continua, que o ser humano pode perceber a si mesmo o vidente, objetos dos sentidos e o que está além deles – o que vê e o visto e não de outro modo quando dormindo.”

Uma vez que Demétrio acabara de ser iniciado em Atenas, a morte de Alexandro na porta ( ‘acabem com o que me segue’ ) parece ser a morte, queima, deste corpo sutil de que fala Sanatkumara no Purana. Ele está diminuindo e tornando-se si-mesmo. Em 287 a.C. quando os soldados passam para o lado de Pirro e Demétrio reduz-se ainda mais diz Plutarco : “Demétrio com o desígnio de recolher os restos daquele naufrágio navegou para a Grécia e reuniu os generais e amigos que ali tinha. A comparação que Menelao de Sófocles faz com sua fortuna quando diz :
O fado meu na inconstante roda, da Fortuna volta continuamente, trocando sempre seu presente estado ; com seu aspecto de lua vária, que duas noites não fica igual, mas ho-je de escura nova sai, embelecendo e redondando o rosto, e quando maior brilho e luz ostenta, outra vez cai e toda desaparece.’
parece que enquadraria melhor com as coisas de Demétrio com seus crescentes e seus minguantes, seus brilhantismos e suas obscuridades ; pois parecendo que então desfalecia e se apagava de todo, voltou outra vez a resplandecer seu poder e juntou ainda alguma forças com as quais recobrou algum tanto de esperança. Foi então que pela primeira vez andou recorrendo as cidades como simples particular, despojado das insígnias reais ; e vendo-o um dos de Thebas nesta situação lhe aplicou não sem graça estes versos de Eurípedes :
de Deus mudada a esplendente forma, na de homem mortal a nossa vista, junto ao cristal de Dirce se apresenta, e do Ismeno na aprazível margem.’”
O capítulo LII da Vida de Demétrio de Plutarco sobre o sossegar da alma do personagem ao fim da vida, parece confirmar a hipótese, confirmar seu sucesso na busca do viver livremente.

Bhagavat Purana III, 22, 52 também confirma a tese com relação a Prthu : “Justo como o Sol permanece intocável e imaculado pelos objetos em que brilha, o rei, apesar de levar vida de dono de casa e dotado com majestade imperial e esplendor, permanece livre do egoísmo ( ahamkara ) e daí desapegado dos objetos dos sentidos.”

Georges Dumézil em 1956 lançou pela Latomus de Bruxelas o livro ‘Déesses latines et mythes védiques’ em que um capítulo fala de Fortuna Primigênita e outro de Lua Mater. No primeiro discute-se o fato de Fortuna ser mãe e filha de Dius-pater como Atena é filha de Ju-piter e o salva qual mãe na luta contra os gigantes, os titãs, etc. A mesma coisa acontece na história de Demétrio em que sua filha Estratônica casando com o filho de Seleuco acaba por salvá-lo.

Bibliografia :

Plutarco, Vida de Demetrio ( tr. de Antonio Ranz Romanillos ), Aguillar, Madrid, 1973.
A.-J. Festugière, La vie spirituelle em Grèce à l’époque hellénistique, Picard, Paris, 1977.
Georges Dumézil, Servius et la Fortune, Gallimard, Paris, 1943.
The Bhagavat Purana ( tr. G.V. Tagare ), Motilal Barnasidass, Delhi, India, 2002.