domingo, 19 de setembro de 2010

416 Buddha e Devadatra




                                       Veluvana, Bosque de Bambus, Índia.

416
“Terror e medo,...etc.” - O Mestre contou isto enquanto residia no bosque de Bambu, relativo as tentativas de Devadatra em matá-lo. Estavam discutindo isto no Salão da Verdade, “Senhores, Devadatra tenta matar o Tathagata, contrata flecheiros, atira pedras, soltou Nalagiri e utiliza meios especiais para a destruição do Tathagata.” O Mestre veio e perguntou o tema que conversavam lá sentados juntos: quando disseram a ele, respondeu, “Irmãos, esta não é a primeira vez que ele tenta me matar : mas ele não consegue nem mesmo me amedrontrar e ganha apenas sofrimento para si mesmo :” e assim ele contou um conto antigo.
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Certa vez quando Brahmadatra reinava em Benares ( Varanasi ), o Bodhisatva nasceu como filho de sua rainha principal. Quando cresceu aprendeu todas as artes em Takkasila ( Taxila ) e adquiriu um encanto para o entendimento de todas as vozes dos animais. Após escutar atentamente seu professor, ele retornou para Benares. Seu pai o indicou para vice-rei : mas apesar de fazer isto, estava ansioso em matá-lo e nem mesmo queria vê-lo.

Uma chacal fêmea com dois filhotes entrou na cidade a noite pelo esgoto, quando os homens retiraram-se para descansar. No palácio do Bodhisatva, próximo a sua cama, havia um quarto, onde um único viajante, que havia descalçado os sapatos e os colocara no chão ao lado da cama, deitava, ainda acordado, numa tábua. Os filhotes de chacal estavam famintos e latiam. A mãe deles disse em fala, latido, de chacal, “Não façam barulhos queridos : há um homem naquele quarto que descalçou os sapatos e os deixou no chão : ele está deitado numa prancha mas ainda não dormiu : quando ele adormecer, pegarei os sapatos dele e os darei para vocês comerem.” Pelo poder do encanto o Bodhisatva entendeu a fala dela e deixando seu quarto, abriu uma janela e disse, “Quem está ahi ?” “Eu, sua majestade, um viajante.” “Onde estão seus sapatos ?” “No chão.” “Levante-os e pendure-os.” Escutando isto a chacal ficou irada com o Bodhisatva.

Um dia ela entrou na cidade novamente pelo mesmo caminho. Naquele dia um bêbado desceu para beber em um tanque de lótus : caindo dentro do lago, afundou e afogou-se. Ele possuía as duas vestes que usava, mil dinheiros numa roupa de baixo, um anel num dedo. Os filhotes de chacais latiram alto de fome e a mãe disse, “Fiquem quietos queridos : há um homem morto neste tanque de lótus, ele tem tais e tais propriedades : ele está morto na escada do tanque, lago, darei a vocês a carne dele para comer.” O Bodhisatva, a escutando, abriu a janela e disse, “Quem está no quarto ?” Alguém levantou-se e disse, “Eu.” “Vá e pegue as roupas, os mil dinheiros e o anel do homem que jaz morto lá no tanque de lótus e faça o corpo afundar de modo que não saia d'água.” O homem assim fez. A chacal ficou irada de novo : “Outro dia você evitou que meus filhotes comessem sapatos ; ho-je você evita que comam homem morto. Muito bem : no terceiro dia a partir de ho-je, um rei hostil virá e cercará a cidade, teu pai te enviará para a batalha, cortarão tua cabeça : beberei o sangue da tua garganta e satisfarei minha inimizade : te fizeste meu inimigo e veremos quanto a isto “ : assim ela latiu insultando o Bodhisatva. Ela então pegou seus filhotes e saiu fora.

No terceiro dia o rei hostil veio e cercou a cidade. O rei disse ao Bodhisatva, “Vá, querido filho, e lute com ele.” “Ó rei, tive uma visão : não posso ir, por temor de perder minha vida.” “O quê é sua vida ou morte para mim ? Vá.” O Grande Ser obedeceu : pegando seus homens ele evitou o portão onde o rei hostil estava postado e saiu por outro que abriu. Enquanto ele saía toda a cidade ficou como que deserta pois todos os homens saíram com ele. Ele acampou em um certo espaço aberto e esperou. O rei pensou, “Meu vice-rei esvaziou a cidade e fugiu com todas as minhas forças : o inimigo está esperando ao redor de toda a cidade : sou apenas um homem morto.” Para salvar sua vida ele tomou sua rainha principal, seu capelão e um único ajudante chamado Parantapa : com eles fugiu disfarçado à noite e entrou numa floresta. Sabendo de sua fuga, o Bodhisatva entrou na cidade, derrotou o rei hostil em batalha e tomou o reino.

Seu pai fez uma cabana de folhas na margem do rio e viveu lá comendo frutos selvagens. Ele e o capelão costumavam sair procurando frutos selvagens : o empregado Parantapa ficava com a rainha na cabana. Ela estava grávida do rei : mas devido a estar constantemente com Parantapa, ela pecava com ele. Um dia disse a ele, “Se o rei souber, nem você nem eu, viveremos : mate-o.” “De que jeito ?” “Ele te faz carregar a espada dele e a roupa de banho quando ele vai se banhar : pegue-o desguarnecido no banho, corte a cabeça dele e pique o corpo em pedaços com a espada e então enterre-o no solo.” Ele concordou. Um dia o capelão foi procurar frutos : ele subiu numa árvore próxima ao local de banho do rei e catava frutos. O rei queria se banhar e veio para a margem com Parantapa levando sua espada e roupa de banho. Quando ia se banhar, Parantapa, querendo matá-lo, saiu de sua guarda, segurou-o pelo pescoço e levantou a espada. O rei gritou com medo da morte. O capelão escutou o grito e viu de cima que Parantapa o estava matando : mas estava aterrorizado e escorregando de seu galho de árvore, escondeu-se numa moita. Parantapa escutou o barulho que ele fez ao escorregar d'árvore e após matar e enterrar o rei, pensou, “Houve um barulho de alguém descendo do galho por ali ; quem está lá ?” Mas não vendo ninguém ele se banhou e saiu fora. Então o capelão saiu de seu esconderijo ; sabendo que o rei foi cortado em pedaços e enterrado em um poço, ele se banhou e temendo por sua vida fingiu-se de cego quando voltou para a cabana. Parantapa o viu e perguntou o que acontecera com ele. Ele fingiu não conhecê-lo e disse, “Ó rei, volto com meus olhos perdidos : estava num cupinzeiro em uma mata cheia de serpentes e o bafo de alguma serpente venenosa deve ter caído em mim.” Parantapa pensou que o capelão dirigia-se a ele como rei por ignorância e para tranquilizá-lo disse, “Brahmin, não se preocupe, cuidarei de ti,” e assim o confortou e deu a ele bastante fruta selvagem. A partir dali foi Parantapa que passou a catar fruta. A rainha deu à luz um filho. Enquanto ele crescia, ela disse a Parantapa um dia cedo de manhã sentados confortavelmente, “Alguém viu quando você matou o rei ?” “Ninguém me viu : mas escutei o barulho de algo descendo de um galho : se pessoa ou besta não sei : mas quando temor se aproximar de mim, deve ser da causa dos galhos balançarem,” e assim em conversação com ela ele falou a primeira estrofe :-

Terror e medo mesmo agora me atingem,
Pois então uma pessoa ou besta balançou um galho.

Eles pensavam que o capelão dormia mas ele estava acordado e escutou a conversa deles. Um dia, quando Parantapa saíra em busca de frutos, o sacerdote lembrou-se de sua esposa brahmin e falou a segunda estrofe lamentando-se :-

Meu lar de esposa verdadeiro está próximo : meu amor me fará
Pálido como Parantapa e magro, com o chacoalhar de uma árvore.

A rainha perguntou o quê ele estava falando. Ele disse, “Eu estava apenas pensando.” Mas um dia novamente ele falou a terceira estrofe :-

Minha esposa querida em Benares : sua ausência me faz ficar
Pálido como Parantapa com o balançar de um galho.

Novamente um dia ele falou uma quarta estrofe :-

Seus olhos negros brilham, sua fala e sorrisos em pensamentos me fazem
Pálido como Parantapa com o balançar de um galho.

Com o tempo o jovem príncipe cresceu e alcançou a idade de dezesseis. Então o brahmin o fez segurar um cajado e indo com ele até o local de banho abriu os olhos e olhou. “Não és cego, brahmin ?” disse o príncipe. “Não sou, mas desse jeito salvei minha vida : sabes quem é teu pai ?” “Sim.” “Aquele homem não é teu pai : teu pai era rei de Benares : aquele homem é um empregado da tua casa, ele pecava com tua mãe e neste lugar matou e enterrou teu pai” ; e assim falando ele desenterrou os ossos e os mostrou a ele. O príncipe ficou muito irado e perguntou, “Que devo fazer ?” “Faça a este homem o quê ele fez a teu pai aqui,” e mostrando a ele todo o acontecimento em poucos dias o ensinou como manejar uma espada. Então um dia o príncipe pegou a espada e a roupa de banho e disse, “Pai, vamos tomar banho.” Parantapa consentiu e foi com ele. Quando desceu para água, o príncipe o pegou pelo coque do cabelo com a mão esquerda e com a espada na direita disse, “Neste lugar seguraste meu pai pelo cabelo e o mataste enquanto ele gritava : do mesmo modo farei contigo.” Parantapa gritou com medo da morte e falou duas estrofes :-

Certamente aquele barulho veio até você e te contou o que ocorreu :
Certamente a pessoa que dobrou o galho veio te dizer o que aconteceu.

O tolo pensamento que tive alcançou teu conhecimento agora
Naquele dia uma testemunha, pessoa ou besta, lá estava e balançou o galho.

Então o príncipe falou a última estrofe :-

Foi assim que mataste meu pai com palavras traidoras e mentirosas ;
Escondeste o corpo dele nos galhos : agora o medo te toma.

Assim falando, ele o matou no mesmo lugar, enterrou-o e cobriu com galhos : depois lavando a espada e se banhando, voltou para a cabana de folhas. Ele contou ao sacerdote como matou Parantapa : censurou sua mãe disse, “Que faremos agora ?” os três voltaram a Benares O Bodhisatva fez do jovem príncipe vice-rei e com caridade e obras boas passou inteiramente pelo caminho para o céu.
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Após a lição, o Mestre identificou o Jataka : “Naquele tempo Devadatra era o velho rei, eu mesmo era o mais jovem.”




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